O Brasil tem três vezes mais domicílios não ocupados do que o déficit habitacional

Foto: Carlos Cruz

Por José Eustáquio Diniz Alves*

O crescimento dos domicílios não ocupados foi um fenômeno generalizado, aumentando nas regiões mais ricas e também nas regiões mais pobres

EcoDebate – O censo demográfico de 2022, levado a campo pelo IBGE, indicou um pequeno crescimento da população e um grande crescimento dos domicílios. A população brasileira era de 190.755.799 habitantes em 2010 e passou para 203.062.512 habitantes em 2022. Um aumento de 12.306.713 habitantes, representando 6,5% em 12 anos ou 0,52% ao ano.

Já o número de domicílios era de 67.569.688 unidades em 2010 e passou para 90.688.021 unidades em 2022. Um aumento de 23.118.333 domicílios entre 2010 e 2022, representando 34,2% nos 12 anos e 2,5% ao ano no período intercensitário.

Portanto, o crescimento do número de domicílios foi quase o dobro do número de habitantes. Para cada novo habitante foram acrescentadas quase duas unidades habitacionais. No total de domicílios, havia 2,8 habitantes por moradia em 2010 e este número caiu para 2,2 hab/moradia em 2022.

A Fundação João Pinheiro (FJP), de Belo Horizonte, utiliza uma metodologia de cálculo do déficit habitacional no Brasil que é bastante difundida no país. Segundo a FJP, o déficit habitacional é composto por três grandes componentes: Habitação Precária, Coabitação e Ônus Excessivo com o Aluguel Urbano.

Os dois primeiros componentes ainda são compostos por subcomponentes. A Habitação Precária é a soma de: (a)e Domicílios Rústicos e (b) Domicílios Improvisados. Enquanto a Coabitação é composta por: (a) Habitação do tipo cômodos e (b) as Unidades Conviventes Déficit (UCD).

A tabela abaixo (FJP, 2022), mostra que o déficit habitacional no Brasil ficou em torno de 6 milhões de unidades entre 2016 e 2019, sendo que a coabitação respondia por algo como 1,4 milhão a 1,6 milhão de unidades, a habitação precária respondia por pouco menos de 1,5 milhão de unidades e o “ônus excessivo de aluguel urbano” respondia por cerca de 3 milhões de unidades.

Ou seja, os últimos dados da FJP mostram que o Brasil tem um déficit de cerca de 6 milhões de unidades habitacionais. É um número bastante elevado, mas muito inferior ao número de domicílios particulares permanentes não ocupados.

déficit habitacional no Brasil

O gráfico abaixo, da apresentação dos primeiros resultados do censo 2022 do IBGE (28/06/2023), mostra que o número de domicílios particulares permanentes não ocupados era de 10.033.059 unidades em 2010 e passou para 18.072.823 unidades em 2023, um incremento de 80% no período intercensitário.

Em 2010, havia 6.097.778 domicílios vagos e 3.933.271 domicílios de uso ocasional. Em 2022, os números passaram para 11.397.889 domicílios vagos e 6.672.912 domicílios de uso ocasional.

número de domicílios particulares permanentes não ocupados no Brasil

Isto quer dizer que somente os domicílios vagos em 2022 são quase duas vezes maiores do que o déficit habitacional brasileiro calculado pela Fundação João Pinheiro. A quantidade de domicílios de uso ocasional supera todo o déficit habitacional. Considerando o total de domicílios particulares permanentes não ocupados (vagos + uso ocasional) o valor de 18 milhões é três vezes maior do que o déficit habitacional.

Esta realidade nacional se reproduz nas Regiões e nas Unidades da Federação (UF). A tabela abaixo mostra o total do número absoluto de domicílios particulares permanentes, o número de domicílios ocupados e o número dos domicílios não ocupados, além de apresentar o crescimento entre 2010 e 2022.

Nota-se que o crescimento do total de domicílios foi menor na Região Sudeste e foi maior nas Regiões Norte e Centro-Oeste (aquelas que também mais cresceram em termos populacionais).

O crescimento dos domicílios ocupados ficou abaixo da média nacional no Sudeste. Ficou no mesmo valor nacional na Região Nordeste e ficou maior do que a média nacional nas regiões Sul, Norte e Centro-Oeste.

Os domicílios não ocupados foram os que mais cresceram. Mas nas regiões Sudeste e Sul os domicílios não ocupados cresceram abaixo da média nacional e nas demais regiões cresceram acima da média nacional.

A região Nordeste, que teve o menor crescimento populacional, apresentou o maior incremento de domicílios não ocupados. Este fato seria coerente com uma maior emigração da região.

Mas a região Centro-Oeste, que foi a região de maior crescimento populacional, também teve elevadíssimo crescimento dos domicílios não ocupados.

Ou seja, a região Centro-Oeste teve um crescimento acima da média nacional em todos os componentes: na população, nos domicílios totais, nos domicílios ocupados e nos domicílios não ocupados.

Rondônia, Amapá, Amazonas e o Distrito Federal foram as UFs com maior crescimento do número de domicílios não ocupados entre 2010 e 2022. Espírito Santo e Roraima tiveram os menores crescimentos.

número absoluto de domicílios particulares permanentes no Brasil

Portanto, o crescimento dos domicílios não ocupados foi um fenômeno generalizado, aumentando nas regiões mais ricas e nas regiões mais pobres; também aumentou nas regiões com menor crescimento populacional e nas regiões com maior crescimento populacional; assim como aumentou nas regiões de emigração e de imigração.

Nacionalmente, o total de domicílios particulares permanentes não ocupados (vagos + uso ocasional) supera em três vezes o montante do déficit habitacional. E esta realidade se reproduz nas Regiões e nas Unidades da Federação.

Isto levanta várias questões, tais como:

1) É preciso construir novas unidades habitacionais (como aquelas de 15 m2 de Campinas)?

2) O problema do déficit habitacional é a falta de domicílios ou má distribuição das moradias?

3) Por que não fazer políticas de aluguel social para acabar com o déficit?

4) Por que não usar a política fiscal para aumentar IPTU para os domicílios não ocupados?

5) O Brasil pode continuar desperdiçando o potencial de 18 milhões de moradias?

6) O Brasil precisa de uma reforma urbana?

Algumas destas questões estão respondidas na bibliografia abaixo, mas o censo demográfico 2022 coloca novos dados que precisam ser considerados nas políticas públicas de habitação.

José Eustáquio Diniz Alves é doutor em Demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI, Escola de Negócios e Seguro (ENS), maio de 2022. (Colaboração de Francisco Galiza). Acesso gratuito em: https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf

ALVES, J. E. D. As características dos domicílios brasileiros entre 1960 e 2000. Textos para Discussão, n. 10, Rio de Janeiro, ENCE/IBGE, 2004. Disponível em: http://www.ence.ibge.gov.br/textodiscussão/textodiscussao.html

ALVES, J. E. D., CAVENAGHI, S. M. Família e domicílio no cálculo do déficit habitacional no Brasil. In: XI Encontro Nacional da ANPUR, 2005, Salvador. Anais do XI Encontro Nacional da ANPUR. Salvador : ANPUR, 2005.

CAVENAGHI, Suzana, ALVES, J. E. D. Domicilios y familias en la experiencia censal del Brasil: cambios y propuesta para identificar arreglos familiares. Notas de Población (Impresa). Santiago do Chile, v.37, p.15 – 45, 2011. http://www.eclac.cl/publicaciones/xml/0/44570/lcg2496-P_2.pdf

ALVES, J. E. D., CAVENAGHI, Suzana Mensuración del déficit y de la demanda habitacional a partir de los censos de Brasil. Notas de Población (Impresa). Santiago do Chile, v.93, p.25 – 50, 2011. http://www.eclac.cl/publicaciones/xml/9/45549/lcg2509-P_7.pdf

ALVES, J. E. D., CAVENAGHI, Suzana. As mudanças nos questionários do censo demográfico 2010 do IBGE – Impactos no cálculo das metodologias do déficit e da demanda habitacional no Brasil In: Demanda Habitacional no Brasil.1 ed. Brasília : CEF, 2011, v.1, p. 91-97.

http://downloads.caixa.gov.br/_arquivos/habita/documentos_gerais/demanda_habitacional.pdf

ALVES, J. E. D., CAVENAGHI, Suzana. Tendências demográficas, dos domicílios e das famílias no Brasil. Aparte – Inclusão Social em Debate, IE/UFRJ, RJ, 26/08/2012 http://www.ie.ufrj.br/aparte/pdfs/tendencias_demograficas_e_de_familia_24ago12.pdf

IBGE. Primeiros resultados: população e domicílios, 28/06/2023

https://censo2022.ibge.gov.br/panorama/

FJP. Déficit habitacional no Brasil por cor ou raça 2016-2019 / Fundação João Pinheiro, Diretoria de Estatística e Informações. – Belo Horizonte, 2022.

https://drive.google.com/file/d/1nJBhqFcDLKbrGxS-BlBcn73UEtJkl-B5/view?pli=1

 

 

 

Posts Similares

2 Comentários

  1. senhor editor,
    se o comunismo fosse assim como propaga essas pessoas sem cultura, sem conhecimento da História e mesmo por má-fé , bastaria o governo tomar os domicílios vagos e passa-los para os sem-teto.

    a direita não toma jeito. é a turba que mals mal faz ao país e seu povo.

  2. A começar pelo Fórum da Justiça da Comarca de Itabira que há cinco anos foi transferido para uma sede de “ouro” e deixou o antigo abandonado no centro da cidade e somente agora iniciaram uma reforma lá e não sei para qual fim.
    São tantas salas que poderiam ter sido transformadas em quarto de um bom albergue a acolher os desvalidos sem teto.
    O Estado, por suas unidades federativas, o governo federal, o governo estadual e o governo municipal são péssimos exemplos nisto do bom uso dos imóveis, pois são inúmeros os sem uso ou subutilizados pelo Brasil afora.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *