Nova época geológica: pesquisa identifica rocha de plástico em ilha no ES

Foto: Reprodução/UOL

Por Cínthia Leone

Uma rocha natural demora milhares de anos para se formar. Por isso, a descoberta de uma rocha formada por plástico na ilha da Trindade (ES) chama a atenção para dois sintomas do estágio avançado da crise climática:

– o ser humano está atuando como agente geológico;

– a poluição por plástico está consolidada até mesmo em regiões remotas da Terra.

O material encontrado tem as características próprias de uma rocha e foi constituído pela interação entre detritos plásticos diversos trazidos por correntes oceânicas e sedimentos naturais da praia.

Esse conglomerado pode ter se originado há apenas duas décadas (o plástico é um material moderno), mas os processos de datação de rochas não foram aplicados porque não servem para calcular formações recentes.

O ser humano foi o agente geológico em todas as etapas, desde disponibilizar essa poluição no oceano para que chegasse até a ilha, passando pela queima e aproximação desses materiais. Esse processo levaria milhares de anos sem a participação humana.”

A geóloga Fernanda Avelar dos Santos fez a identificação da rocha durante uma atividade de mapeamento de risco geológico para sua pesquisa de doutorado na UFPR (Universidade Federal do Paraná).

O estudo foi publicado pela revista Marine Pollution Bulletin. Uma análise anterior já havia encontrado rochas formadas por plástico no Havaí, nos EUA.

“Além dos pesquisadores de outras áreas, a comunidade geológica tem recebido muito bem os resultados desta análise. Essa era uma das minhas preocupações”, comemora a pesquisadora.

Surgimento do plástico pode marcar nova era

Desde pelo menos 2012, a geologia discute se as atividades antrópicas, isto é, realizadas por humanos, alteraram o planeta de modo a gerar uma nova época geológica – o Antropoceno.

Os geólogos formam uma comunidade acadêmica conservadora, que reluta em reconhecer uma mudança que representa uma fração mínima de tempo na história profunda do planeta, que tem 4,5 bilhões de anos. Mas uma validação formal desse entendimento pode ser votada no próximo Congresso Internacional de Geologia.

“Tenho ouvido de colegas da estratigrafia sedimentar uma defesa crescente do reconhecimento do antropoceno nesta votação”, diz Fernanda dos Santos, que explica que os impactos dos testes nucleares sempre foram um marco central para essa discussão.

Os antropocenistas [geólogos favoráveis ao reconhecimento] defendem o surgimento do plástico como um dos marcadores para essa nova época. A identificação de plástico em rochas pode converter este tipo de poluição em um indicativo cada vez mais importante do Antropoceno”.

Trindade é a maior ilha do arquipélago vulcânico Trindade e Martim Vaz, no estado do Espírito Santo. Esses fragmentos do território brasileiro são áreas isoladas e inabitadas, com uma base avançada de pesquisa frequentada apenas por um número restrito de militares e cientistas.

Para Fernanda dos Santos, o fato de a rocha de plástico ter sido detectada nesse ambiente remoto é indicativo do alto nível de poluição por plástico no Atlântico Sul.

A descoberta foi feita por acaso, já que a pesquisadora não vinha se dedicando aos impactos da poluição marinha. “Depois desse trabalho, eu passei a me preocupar mais com a poluição por plástico”, diz.

“Será que é este o legado que a nossa geração quer deixar para o registro geológico? O descontrole do lixo, o desequilíbrio com a natureza? Como mudar esse futuro geológico?”, indaga.

Um tratado internacional para controlar a poluição plástica em nível global está em discussão na ONU e deve ser concretizado até o ano que vem.

Se bem desenhada, a medida pode representar o golpe final para a indústria de combustíveis fósseis, que vê no plástico sua chance de sobrevivência em meio ao avanço das energias renováveis e da eletrificação do transporte neste século.

As Nações Unidas consideram que a poluição plástica pode atrapalhar e até mesmo impedir a adaptação dos ecossistemas às mudanças do clima.

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