Natal de ontem e de hoje
Foto: Reprodução/ Pinterest
Peregrino Júnior
– Com que então, você quer mesmo que eu lhe conte uma história do Natal?
– Quero. E uma história bem bonita. Qualquer coisa de amor. Um romance lírico e sentimental.
– Pois sim… Havia de ter graça. Imagine, nesta sala ultramoderna de um décimo andar de arranha-céu, entre quadros gigantes de Di Cavalcanti e Cornélio Penna, ouvindo nessa magnifica vitrola ortofônica a sinfonia dinâmica da Pacific 231, da Honegger, um homem como eu, absolutamente sem cabeleira e sem olheiras, a contar anedotas sentimentais… Não. É impossível. E, além de impossível, seria ridículo.
– Se é por causa da Pacific, eu mudarei o disco… Vou botar na vitrola, para você ouvir, uma coisa melancólica: Nothing Doing, o ultimo tango de Milhaud.
– Mas, pelo amor de Deus! Esse último tango de Milhaud, que você está vendo com a camouflage desse nome inglês, é uma velha canção brasileira, estilizada. Você nunca ouviu a nossa Tristeza de Caboclo?
– Ué! Então, o francês voou p’ra cima da gente?…
– Milhaud sempre gostou da música brasileira… Você não se lembra do caso do Boi no telhado? Mas não é camarada… Nunca se lembra de citar o nosso nome.
– Mas você com isso, seu pirata, está-me tapeando. E a história que eu lhe pedi?
– Não, minha amiga. O que você quer é impossível. Aqui, agora, se você quiser eu lhe poderei dizer alguma coisa, mas é sobre o Natal de Broadway…
– Está louco?
– É o Natal século XX. Completamente cinematográfico. Noite alta. Uma visita veloz, delirante, tumultuosa, à sombra perpendicular dos sky-scrapers monstruosos. Nova York, tentacular e febril, com a tatuagem dos seus cartazes luminosos dançando-lhe no ventre palpitante, agita-se aos ritmos epiléticos do jazz. Cai neve lá fora, na cidade policromica… White Christmas… Happy Christmas… Nos Estados Unidos, como na Europa, o Natal branco é uma tradição. E o Natal verde, para os yankees, é mau agouro… Mas o americano de Nova York e de Chicago não vê, em geral, a paisagem do Natal: ele dança, ele bebe, ele goza a alegria física de viver, nos réveillons alucinados de Broadway. E, no dia seguinte, quando acorda, foi como se tivesse assistido a uma fita inédita de Hollywood… Está groggy.
– E a história que eu lhe pedi?
– Posso falar-lhe, também, do Natal de Londres, tranquilo e doméstico, na pacifica alegria do home, com uma árvore cheia de brinquedos e versículos da bíblia em voz alta… E posso falar-lhe, ainda, do Natal de Paris… O Natal delicioso do boulevard, alegre, espiritual, movimentado. Mulheres e Champagne misturadas no delírio de um réveillon sem data, que tanto podia ser de Natal como de S. Sylvestre ou do Carnaval…
– Entretanto, eu queria, apenas, que você me contasse o Natal das criaturas que amam… um Natal de romance… Sabe como é?
– Sei. É assim. Meia noite. Anda uma alegria unanime nas ruas. A cidade se agita num rumor desordenado de festa. Réveillons. Danças. Árvores do Natal. Papai Noel. Missa do Galo.
-A alegria que faz o encanto das criaturas. E, na melancolia silenciosa de um quarto, a mais feliz das criaturas, só e triste, pensando no seu amor…
– É isso mesmo.
– Quer que conte, contarei…
– Conte. Tão bonito… Vamos continue.
– A criatura feliz deita-se pensando no seu Amor… E espera que ele milagrosamente lhe apareça, num sonho lindo, como um Príncipe Encantado de Conto de Fadas, para encher a sua noite de ternura e alegria… Na Noite de Natal toda a gente tem um sonho bom… Ela quer sonhar com o seu Amor. Ah! que bom, se Papai Noel pusesse, no sapatinho do seu sonho, esse boneco querido que é o seu amor! O seu amor é um boneco sentimental com que ela sonha todos os dias nessa grande loja de brinquedos da vida… Vai ser tão bom quando ela for a dona desse boneco… O seu boneco sabe dizer – Eu te amo, e sabe mover os braços para o gesto que enche de alegria os seus dias melancólicos…
Quando aquele boneco for seu, ela há de guardá-lo bem juntinho do coração, para que ele não se quebre, para que seja somente dela… – Escuta Papai Noel! Sê bonzinho… Tu não és amigo das crianças? Pois os que amam são também crianças… eternamente crianças. Faze, portanto, o que te peço: traze-me o meu boneco de louça. Traze-o e deixa-o no sapatinho do meu sonho, que ele fará com o seu sorriso a melhor alegria do meu Natal!…
– Era isso mesmo que eu queria que você contasse… Tão bonito! Até parece romance…
– Mas isso, minha amiga, era o Natal de antigamente, sentimental e lírico…
O Natal do tempo em que havia Missa do Galo e Pastorinhas, Presepes e Reisados na cidade. Hoje, depois do Jazz-band e do Charleston, o Natal é uma farra civilizada; é o réveillon, onde o “flirt” substituiu o amor… O Natal deixou de ser romance; é fita de cinema. Por isso foi que eu lhe disse que era mais oportuno falar de Broadway…
– Ou de Hollywood…
O Natal de hoje é uma página da “Vanity Fairs”: moderna e decorativa, em que as mulheres e o “Champagne” se fundem aos ritmos do “Charleston”, para uma lição universal de alegria física…
– Antigamente, era mais bonito.
– Porém, hoje é mais interessante.
– Lá isso, é mesmo. O Natal de hoje é mais interessante. E é mais gostoso. Vamos ao “réveillon” do Copacabana Palace?
– All right!
[Revista O Cruzeiro (RJ), 1928. Biblioteca Bastos Tigre da ABI – Pesquisa: Cristina Silveira]
Visionário, visionário, visionário. Uma crônica fantástica do Peregrino Junior, amigo dos Itabiranos no Rio. Muito bom