“Não jogue essa conta da água para o itabirano pagar, jogue para a Vale”, pede o vereador Reginaldo Santos

Embora, com certeza, a Câmara Municipal irá aprovar o projeto que autoriza a Prefeitura fazer uma parceria público-privada (PPP) para transpor água do rio Tanque, captada a uma distância de 21 quilômetros, para abastecer a cidade – e criar excedente de oferta para atrair novas indústrias – o desgaste para o governo municipal não será pequeno (leia aqui).

É que o investimento da ordem de R$ 53 milhões, necessário para captar, instalar a rede e construir as estações elevatórias, a ser alocado por uma empresa privada, será pago com lucro, juros e correções pela população itabirana.

Reginaldo Santos pede que a transposição seja paga pela Vale, que monopoliza a água disponível no entorno de Itabira (Fotos: Carlos Cruz )

Presente na reunião da Câmara nessa terça-feira (26), o presidente do Saae, Leonardo Lopes, confirmou essa transferência de ônus, sem, no entanto, informar o percentual em que se dará esse reajuste na conta de água.

Mas sabe-se que será da ordem de 25%, conforme foi informado ao público presente na audiência pública realizada em outubro do ano passado (saiba mais aqui).

“Não jogue essa conta para o itabirano pagar, jogue para a Vale”, pediu o vereador Reginaldo das Mercês Santos (PTB), que foi o primeiro a questionar o presidente do Saae na sabatina durante a sessão legislativa.

Lopes deve comparecer à reunião das comissões temáticas nesta quinta-feira, a partir de 14h, quando poderá ser questionado mais uma vez pelos vereadores – e também pelo público presente.

Condicionantes

Para o vereador oposicionista, a mineradora tem essa dívida com o município. “A Vale ainda não cumpriu as condicionantes da água, prejudicando o abastecimento em Itabira com o rebaixamento do lençol freático.” Santos se refere às condicionantes 11, 12 e 13 da Licença de Operação Corretiva (LOC), aprovada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental, em 18 de maio de 2000, para que a Vale pudesse continuar minerando em Itabira.

Leonardo Lopes, diretor-presidente do Saae

“Eu não tenho como debater se (as condicionantes) foram cumpridas ou não nos anos 2000”, respondeu o presidente do Saae.

De acordo com ele, a Superintendência de Meio Ambiente (Supram), órgão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, entende que as condicionantes foram concluídas.

“Eu não tenho poder de contradizer o órgão ambiental, mas a Prefeitura está buscando uma decisão judicial para a questão”, informou o presidente do Saae.

Entre as medidas relacionadas nas condicionantes para assegurar o abastecimento em Itabira, está a que determina que a mineradora formalize o processo de licenciamento para o sistema de rebaixamento do nível da água subterrânea, devendo considerar os impactos quantitativos e qualitativos.

Diz ainda que devem ser apresentados os estudos específicos para solucionar o problema de abastecimento no curto, médio e longo prazo. Mas as condicionantes não deixam claro quais seriam as medidas compensatórias, inclusive pelo rebaixamento dos aquíferos, que se tornou necessário para dar prosseguimento à extração de minério nas Minas do Meio.

Apenas determina que é preciso pesquisar a viabilidade de ampliar a oferta de água na cidade, devendo a solução ser “consensada” (sic) com a Prefeitura.

Medidas corretivas são para assegurar o desenvolvimento sustentável de Itabira

As condicionantes da LOC formam um conjunto que tem por objetivo corrigir os impactos ambientais do passado, além de assegurar o futuro sustentável da cidade sem a mineração.

Tanto é assim, que as últimas condicionantes (51 e 52) tratam especificamente do desenvolvimento sustentável, que só irá ocorrer se o município dispor sesse insumo essencial que é a água para a  diversificação de sua base econômica.

Diz a condicionante 52 que a empresa deve assessorar a Prefeitura na elaboração do Plano Diretor do Município, o qual deverá obrigatoriamente contemplar estudo de alternativas que assegurem os recursos hídricos para que esse desenvolvimento ocorra.

Outras fontes

O caminho da água do rio Tanque até chegar à ETA dos Gatos (Foto: Divulgação)

Para a Prefeitura, a única alternativa viável de captação de água se encontra na transposição do rio Tanque. Mas existem outras opções que não estão sendo devidamente consideradas (leia mais aqui).

De acordo com o Plano de Abastecimento de Água em Itabira, elaborado pela Fundação Christiano Ottoni, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), contratada pela Vale, e concluído em 2001, essas opções estariam também no ribeirão Santa Bárbara, que fica próximo da Estação de Tratamento de Água da Pureza – e também no Ribeirão de São José.

Outra proposta apresentada é o de se incrementar a captação de água nos chamados poços profundos, que foram perfurados pela mineradora para fazer o rebaixamento dos aquíferos nas Minas do Meio.

“Há muitos exemplos pelo mundo de aproveitamento de água de antigas cavas de mineração para o abastecimento público”, informou o geólogo Agostinho Fernandes Sobreiro Neto, em reportagem no jornal Vale Notícias, de junho de 2001. Agostinho Sobreiro era o responsável na Vale pelo acompanhamento das condicionantes da água.

Segundo ele projetou na ocasião, com a exaustão das minas, Itabira se tornaria um dos municípios brasileiros com o maior volume de água disponível, tanto nos aquíferos como também nas barragens de contenção de rejeitos e armazenamento de água.

Por esse plano, apresentado à comunidade itabirana pela Vale, foi proposto, inclusive, que o déficit no abastecimento na cidade fosse suprido, já a partir de 2012, com o aumento da oferta de água subterrânea dos aquíferos, que foram rebaixados nas Minas do Meio.

Consumo e perdas

Segundo esse plano de abastecimento, que precisa ser resgatado para servir de subsídios às discussões em torno da proposta de transposição de água do rio Tanque, o consumo industrial de água em Itabira, naquela época, excluída a Vale, foi estimado em 30 litros por segundo (l/s). Não deve ser muito diferente hoje, uma vez que não surgiram, desde então, novas indústrias.

O estudo constatou, também, que Itabira perde cerca de 200 l/s antes de a água chegar aos domicílios. Ou seja, quase a metade da água tratada pelo Saae, naquela ocasião, se perdia nas redes deficitárias e eram consumidas pelos “gatos”.

E mais: sugeriu reduzir essa perda para 30%. E sustentou que se a meta fosse atingida, a oferta de água disponível na cidade aumentaria em 80 l/s.

Na mesma edição do jornal Vale Notícias, a mineradora informou que iria contratar a Fundação João Pinheiro para assessorar Itabira na elaboração de seu Plano Diretor de Desenvolvimento. A contratação da fundação estadual seria um dos meios de cumprir o que dispõe a condicionante 52.

“Um plano diretor afeta a vida e as ações das pessoas e das empresas, daí a sua abrangência, que deve envolver recursos hídricos, áreas verdes e o próprio desenvolvimento econômico”, admitiu o então assessor da Gerência de Produção das Minas da Vale em Itabira, engenheiro Paulo Bicalho (já falecido).

As perdas incomparáveis com água tiveram início desde 1942

Recursos dos aquíferos seriam disponibilizados para abastecer a cidade após o fim da mineração nas Minas do Meio: água é de classe especial

Não é só agora que a cidade enfrenta o problema de escassez de água para suprir a demanda da população e da indústria. É fato que essa escassez ocorre desde 1942, quando a empresa Vale se instalou na cidade para extrair e beneficiar as suas reservas de minério de ferro.

Com a mineração em larga escala, quase toda a água existente em volta da cidade, principalmente na serra do Esmeril, passou a ser monopolizada pela atividade extrativista.

Essa perda incomparável, como tantas outras, faz parte da dívida histórica da mineração com Itabira. E hoje, quando já se aproxima o fatídico dia da exaustão mineral, não há garantia de que será quitada.

Esse monopólio, historicamente, tem prejudicado a diversificação econômica do município. Segundo registros, foi o que teria ocasionado o fechamento de duas fábricas de tecidos (Pedreira e Gabiroba).

Sem água para processar os tecidos, as fábricas encerraram as suas atividades nas décadas de 1950/60, fechando centenas de postos de trabalho, que empregavam principalmente a mão de obra feminina.

Portanto, como disse o vereador Reginaldo Santos, se é mesmo necessário fazer a transposição de água do rio Tanque para abastecer a cidade – e atrair novas indústrias, que a Vale pague a conta.

Classe especial

Segundo o Código das Águas (Decreto Federal 24.463, de 10 de julho de 1934), quando há escassez de água, deve ser dada prioridade ao consumo humano e a dessedentação de animais.

Já a lei 94.443, de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRB), salienta que a água é um bem de domínio público. Ou seja, trata-se de um insumo básico de interesse comum, cuja conservação é essencial à vida humana.

Em Itabira, a água de classe especial, que é proveniente dos aquíferos, é consumida pela mineração para concentrar minério – e também para diminuir a poeira, com aspersão das vias de acesso e taludes descobertos nas minas.

Isso enquanto a população itabirana consome água vinda do córrego Pai João, que passa sob o aterro sanitário, para ser tratada na ETA Gatos. E também do córrego Pureza, que sofre com a poluição do Distrito Industrial e com a falta de mata ciliar, o que tem provocado o assoreamento da barragem, diminuindo o volume de água estocada.

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