Na salada ministerial de várias cores do governo Bolsonaro o predomínio é do verde oliva
Rafael Jasovich*
Os nove postos cujos comandantes já estão definidos, ou próximos de definição, podem ser divididos em três eixos de interesse: neoliberais, militares e políticos tradicionais. O que há em comum entre eles – inclusive entre os liberais, no campo da economia – é o conservadorismo político.
O bloco com maior representatividade é o militar, que preenche 50% das vagas. Além do próprio presidente eleito, que é capitão reformado do Exército, o novo governo terá o general Hamilton Mourão, no palácio do Jaburu (residência oficial do vice-presidente), o general Augusto Heleno Pereira, no Ministério da Defesa, e o ex-piloto da aeronáutica e astronauta Marcos Pontes, na pasta de Ciência e Tecnologia. Além da Secretaria-geral da Presidência.
Na contramão do ideal nacionalista e de proteção das riquezas brasileiras, Bolsonaro terá os neoliberais Paulo Guedes e Sérgio Moro, respectivamente, nas pastas da Fazenda e da Justiça.
Em entrevista à Rádio Brasil de Fato, a historiadora Patrícia Valimes escancarava essa fragilidade antes mesmo da confirmação do resultado das urnas:
“[Bolsonaro] é uma pessoa absurdamente despreparada, que se apresenta como nacionalista. Porém, até este nacionalismo é discutível, porque ele quer privatizar tudo”, disse, lembrando que o militar não vê problemas em suas próprias contradições.
“Trata-se de uma pessoa autoritária, sem jeito para o diálogo, que muda de opinião três vezes no mesmo dia. Ele diz uma coisa de manhã e outra de tarde.”
Guedes defende a privatização de empresas públicas mesmo em setores estratégicos para a economia. E aposta na redução do Estado como saída para a crise.
Moro cumpriu papel semelhante em meio à operação Lava Jato, que levou à fragilização da Petrobrás e abriu caminho para a entrega do pré-sal pelo governo Michel Temer (MDB): em vez de punir os executivos corruptos, o juiz de Curitiba interrompeu contratos da estatal com empreiteiras em todo o país, aprofundando o desemprego e a recessão.
Outra contradição evidente nas escolhas de Bolsonaro é a relação com a “velha política”: figurinhas carimbadas do Congresso Nacional foram convidadas a participar do governo em cargos de decisão – apesar do discurso “antissistema” e “anticorrupção” apregoado pelo candidato de extrema direita e seus apoiadores.
Na Casa Civil e no comando da transição, Lorenzoni mantém vínculos com os parlamentares ruralistas e faz parte da chamada “bancada da bala”. Há mais de 15 anos na política, ele também participou da base de apoio de Michel Temer e foi favorável à reforma trabalhista.
O Onyx Lorenzoni não é um personagem 100% idôneo. Ele apareceu na Lava Jato, admitiu ter recebido caixa 2 da JBS. Enfim, ele representa aquela mesma velha política ‘de balcão’ que o Bolsonaro diz que vai combater.
Se, por um lado, Lorenzoni fala a língua de uma parte considerável do Parlamento, porque conhece o apetite por verbas, por emendas e por cargos, por outro lado, vai ter que posar de combatente da moral e dos bons costumes.
Armadilha
A presença de políticos tradicionais em cargos de primeiro escalão do governo Bolsonaro deve aumentar com a indicação de integrantes de partidos que integraram a coligação “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
O Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), do vice Mourão, deve indicar o nome de Levy Fidelix, presidente da legenda.
O Partido Republicano Brasileiro (PRB), braço político da Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo, também deve ter participação no governo.
Outro político veterano que deve integrar a equipe é o ex-senador Magno Malta, indicado para o Ministério da Família – pasta que será criada em substituição a vários órgãos de assistência social.
O ex-senador e futuro ministro de Bolsonaro foi indiciado pela Polícia Federal em 2017 por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e corrupção passiva por participar de um esquema de compras superfaturadas de ambulâncias para prefeituras com dinheiro do orçamento – conhecido como escândalo das sanguessugas.
Fora os dois deputados federais por Mato Grosso do Sul, a representante do agronegócio e o representante dos hospitais e médicos em geral, ambos com problemas judiciais incluindo a penhora e indisponibilidade de seus bens.
O futuro ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, afirmou que permitirá ao futuro presidente que conheça as provas do Enem previamente e as censure. “Se o presidente se interessar, ninguém vai impedir. Ótimo que o presidente se interesse pela qualidade das nossas provas”, disse.
Se a decisão for efetivada, além de submeter a prova à censura de Bolsonaro, o futuro ministro, na prática, irá acabar com o sigilo do Enem, abrindo a possibilidade a todo tipo de fraudes. Esse ministro representa o que tem de mais retrógado no sistema educacional e deverá enfrentar sérios problemas com estudantes e professores.
Verde oliva
Ficou difícil de entender no futuro governo Jair Bolsonaro: um general na articulação com o Congresso? Duas explicações plausíveis: ou vai mudar tudo ou pôr um general é para intimidar deputados e senadores e inibir pedidos de verbas e cargos que os militares – como, de resto, a sociedade – consideram pouco republicanos.
É assim que o futuro governo “não é militar”, como dizem generais, brigadeiros e almirantes, mas cada vez mais vai assumindo o jeito, a cara, a cor e o cheiro dos militares do Exército, que somam sete no primeiro escalão, por ora.
Também general de quatro estrelas da reserva, Augusto Heleno não apenas tem muita influência sobre Bolsonaro como foi deslocado da Defesa para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para ficar bem perto do gabinete do presidente e com acesso à maior fonte de poder: informação.
Entram para a linha de frente do governo também os generais Fernando Azevedo Silva, na Defesa, Carlos Alberto Santos Cruz, na Secretaria de Governo, e Joaquim Brandão, a ser anunciado para a Infraestrutura, juntando Transportes e Comunicações.
E tem mais: um dos homens fortes na formatação do projeto de poder é o general Sérgio Etchegoyen, atual chefe do GSI, homem inteligente, preparado, de grande linhagem militar e boa capacidade de articulação com políticos e sociedade civil. Não faz sentido deixá-lo fora do governo. Só falta saber exatamente onde se encaixará.
Nem tinha terminado esse artigo e mais dois militares foram anunciados Ministro de infraestrutura e secretário de comunicação. Mais verde oliva se juntam aos demais.
Uma falha na montagem é o excesso de verde-oliva, ou seja, de Exército, e a ausência do branco da Marinha e do azul da Aeronáutica, que teve uma espécie de prêmio de consolação: o futuro ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, é tenente-coronel da reserva da Aeronáutica e formado em engenharia pelo ITA, o instituto de excelência da Força Aérea. Mas ele não foi escolhido por nada disso, mas por ser astronauta, uma estrela.
O Palácio do Planalto e seu anexo (onde é a Vice-Presidência) vão ficar lotados de militares. Porém, além do incômodo nas duas outras Forças, há um outro problema: os civis, Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) e Onyx Lorenzoni (Casa Civil) não estariam ficando asfixiados nessa composição?
Lorenzoni já está perdendo a coordenação dos ministérios para o vice Mourão e nunca se viu vice coordenar ministros. Além disso, ele pode estar sofrendo novo ataque especulativo, porque atua desde já como articulador político do governo, promovendo encontros, almoços e jantares com líderes partidários, mas o secretário de Governo, que será o general Santos Cruz, é que vai coordenar os projetos. Até onde vai a atuação de um e até onde vai a do outro? Não está claro.
Essa questão é chave para o êxito do futuro governo, que assume com um baita rombo nas contas públicas, já levou uma lambada do Senado com o aumento dos salários dos ministros do Judiciário (sancionado por Temer) e pode ficar refém de um Congresso sempre insubordinado, que sabe usar o seu poder e já ameaça impor nova derrota a um governo que nem começou.
Em 2017, muitos parlamentares renegociaram suas dívidas com o governo obtendo descontos de até 90% de juros e 70% de multas. Quem sai perdendo é o Tesouro.
E o Estado alerta que os congressistas de 2019 têm R$ 660 milhões de dívidas com a União, a começar de Jader Barbalho (R$ 135 milhões). Ou a articulação política do Planalto joga unida, azeitada e competente, ou vem aí mais uma derrota. Aí, já pode esquecer a reforma da Previdência.
Moro, um caso à parte
A quase onipresença de delegados da PF na equipe que Sérgio Moro levará para o Ministério da Justiça começou a despertar preocupação em especialistas em segurança, e ciúmes entre integrantes de outras categorias do funcionalismo vinculadas à área.
A avaliação do primeiro grupo é a de que o time escolhido por Moro tem experiência no combate à corrupção e ao crime organizado, mas é pouco afeito a outros temas essenciais à pasta, como políticas de redução de homicídios e roubos.
O presidente do Fórum Nacional de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, diz que, para o foco no “combate à corrupção e ao crime organizado, nesta chave de estancar a lavagem de dinheiro”, a batuta de Moro está correta. “O problema”, acrescenta, “é que as demais agendas ficaram descobertas”.
Terá problemas com presídios e segurança pública em geral. Ele só tem uma pauta: a “luta contra a corrupção”. Será?
*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional
Muito interessante a análise e reflexão proposta pelo artigo!