Na crise com Israel, choca mais a morte ou a ofensa?
Lula na África
Foto: Ricardo Stuckert/PR
Por Montserrat Martins*
É difícil encontrar as palavras certas para fatos inaceitáveis
EcoDebate – Uma crise diplomática entre o Governo de Israel e do Brasil foi desencadeada por declarações do presidente Lula sobre as ações militares em Gaza com a morte de milhares de civis e a população vivendo em situação insustentável.
A comparação de Gaza com os campos de concentração nazistas foi considerada uma ofensa a todo o povo israelense e à memória das vítimas do Holocausto. O governo de Israel declarou o presidente do Brasil, Lula, como “persona non grata”. A crise diplomática se agrava com a retirada de embaixadores.
É evidente que o nazismo não pode ser banalizado e qualquer comparação é um erro, que deve ser seguido de um pedido oficial de desculpas ao povo israelense. Também não é fácil saber o que deve ser feito para defender Israel do grupo terrorista Hamas.
O governo brasileiro havia condenado a ação criminosa do Hamas, quando ocorreu. Ao mesmo tempo, até o presidente dos Estados Unidos, Biden, já se manifestou sobre a reação desproporcional do governo de Israel, que já matou mais crianças e civis palestinos do que o número de mortes causadas pelos terroristas. Quais as palavras corretas para definir isso?
Em primeiro lugar, um líder político, mesmo que eleito, não pode ser confundido com o conjunto da população. Estou me referindo a qualquer presidente do Brasil mas também ao de Israel, que enfrentou massivos protestos, no seu próprio país, por suas medidas autoritárias para coibir a ação do Judiciário em Israel.
Quando Netahyahu desencadeia uma ofensiva militar vingativa contra o Hamas, sem medir os “efeitos colaterais” na população civil palestina, ele não representa todo o povo de Israel ao fazer isso.
Não acredito que todos os palestinos se sintam representados pelo Hamas, nem que todos os judeus se sintam representados pelo Netanyahu.
A vida não é tão simplista assim. O que existe naquela região é um conflito mal resolvido há muito tempo, muito rancor, ódio, mas não significa que esses povos desejam o extermínio recíproco. Apenas os extremistas desejam isso.
Netanyahu é um extremista de Israel, enquanto o Hamas representa o extremismo palestino.
Não se pode considerar um governo eleito como um grupo terrorista, mas suas ações são inevitavelmente comparadas quanto à mortandade de pessoas inocentes.
É difícil encontrar as palavras certas para fatos inaceitáveis. O terrorismo do Hamas é inaceitável. Mas também o extremismo do Netanyahu é inaceitável.
Ambos cometem crimes contra a humanidade. Israel e seu povo não estão sendo “defendidos” assim, estão prolongando por mais gerações os ódios de gerações passadas.
O que lhe choca mais, as mortes ou as ofensas?
*Montserrat Martins é psiquiatra.