Na contramão das recomendações ambientais em tempos de emergência climática, Itabira segue substituindo ruas calçadas por asfalto

Em nome da “modernidade”, a rua Dona Eleonora, no bairro IV de Fevereiro, teve o calçamento em bloquete coberto pelo asfalto: “o povo pediu”

Fotos: Carlos Cruz

Segundo afirmou o subsecretário municipal de Obras, Luís Paulo Gonzaga Oliveira, na reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), na sexta-feira (8), a Prefeitura de Itabira tem feito o recapeamento asfáltico de ruas calçadas na cidade a pedido de moradores, mesmo estando em boas condições.

“Nós recebemos as solicitações de recapeamento tanto dos locais com asfalto deteriorado, como também de ruas calçadas, essas pelo Orçamento Participativo”, disse o subsecretário, referindo-se à consulta popular que a administração municipal realizou no ano passado para definir algumas obras deste ano, depois de explicar tecnicamente como é feita a substituição.

A conselheira Bianca Pelluci Barreto, representante da Secretaria Municipal de Saúde, confirmou a informação de que o pedido para asfaltar ruas calçadas partiu dos moradores – e a prefeitura tem atendido, mesmo não sendo ambientalmente recomendável.

“Participei de uma das reuniões (do Orçamento Participativo) e eu recordo de ter ouvido moradores pedindo esse recapeamento”, ela confirmou.

Senso (in)comum

No bairro Major Lage algumas ruas ainda resistem e sobrevivem ao asfalto, mantendo-se a permeabilidade. Até quando?

Mesmo sendo considerada ambientalmente incorreta, a substituição de ruas calçadas por asfalto não foi vista como uma contradição, em tempo de mudanças climáticas, também pelo conselheiro Sydney Almeida Lage, representante do Rotary, que ocupou interinamente a presidência do órgão ambiental na reunião de sexta-feira.

Para ele, a manutenção de ruas calçadas só se justifica em cidades históricas com mais de 400 anos. “Nenhum dessas ruas calçadas que foram recapeadas eram tombadas (pelo Patrimônio Histórico)”, tentou justificar.

“Isso só acontece (de manter ruas calçadas e não asfaltadas) em cidades da Europa, na Argentina. No Brasil só temos ruas calçadas em cidades históricas que têm os seus casarões também tombados, como é o caso de Ouro Preto”, exemplificou o conselheiro ambiental, esquecendo-se que Itabira é também uma cidade histórica.

E prosseguiu: “A voz do povo tem de ser respeitada, se a população pede, o comando (no caso, o prefeito) tem que fazer, pois senão perde votos”, disse ele, referindo-se explicitamente ao populismo eleitoral vigente no país.

“Foi assim no governo de doutor Jairo (1977-82), quando as mulheres da rua Santana fizeram uma manifestação em frente da Prefeitura (onde hoje é o Museu de Itabira, que já foi do Ferro)”, relembra o conselheiro.

“Pediram a retirada da calçada com pedra de minério, pois quando chovia elas escorregavam, machucavam e quebravam o salto”, disse ele, em conversa com a reportagem deste site após encerrada a reunião do Codema. “Doutor Jairo, que não era bobo, atendeu e mudou o calçamento para bloquetes.”

Calçadas de hematita

Rua dos Operários ainda calçada com pedras de hematita, talvez únicas no mundo empregadas para esse fim, hoje asfaltada para tornar o trânsito mais ligeiro (Foto: Miguel Bréscia)

Com certeza, foi também parte da população que pediu ao então prefeito Daniel de Grisolia que retirasse as pedras de minério de hematita das ruas do centro histórico, para que recebessem o “chão preto” modernizante.

As pedras de hematita retiradas foram “vendidas” à Companhia Vale do Rio Doce como forma de pagamento de dívida com a mineradora, conforme está na lei municipal nº 284, sancionada por DG em 10 de junho de 1959, em seu primeiro mandato à frente desta urbe (1959-62).

Foi assim, com mais essa perda incomparável, que Itabira foi perdendo gradativamente as suas calçadas históricas, em nome da “modernidade” do chão preto, que chegou à Cidadezinha Qualquer depois que foi asfaltada a rodovia que liga Itabira à BR, no final da década de 1950.

“Lembro-me dos caminhõezinhos da Vale sendo carregados com as pedras de hematita. As pessoas apoiavam, achavam que a cidade estava ficando moderna”, conta o engenheiro aposentado Rubens Alvarenga que, na época, ainda menino recém chegado à Itabira, divertia-se com o episódio.

“Naquela época era comum a Vale comprar minério de pequenos mineradores”, ele recorda, lembrando que a própria Prefeitura de Itabira chegou a ter uma empresa de mineração, a Extracomil.

A professora aposentada Celina de Figueiredo, também lembra da retirada das históricas calçadas de hematita, com Daniel Grisolia atendendo a um clamor popular “modernizante”.

“Doutor Pedro Guerra (um dos fiadores da Vale, no seu início em Itabira) foi o único vereador que votou contra a venda das calçadas. Foi chamado de retrógrado, quando na verdade ele tinha uma visão à frente de seu tempo.”

Pois foi assim no passado, como é hoje: em nome da “modernidade” mais retrógrada que ainda há, Itabira segue perdendo as suas ruas calçadas, as poucas que restam em alguns bairros da cidade.

Bairros que não podem ser chamados de históricos, mas que estavam urbanizados com pavimentação em bloquetes e paralelepípedos, muito mais duráveis e resistentes que o asfalto que, com as primeiras chuvas, vão se deteriorando, logo surgindo os primeiros buracos.

Solução específica

O recapeamento asfáltico que ocorreu em Itabira neste ano foi também em atendimento a um clamor popular, por se tornarem intermináveis as operações tapa-buracos, que se repetiam ano após anos nas mesmas ruas e avenidas.

Já no governo de Li Guerra (1993-96), o então secretário de Obras Danilo Mota apontava essa necessidade de recapeamento de ruas asfaltadas esburacadas – dizia que o asfalto da cidade estava vencido, “igual pele de crocodilo”.

Naquela época algumas ruas foram recapeadas, mas não na dimensão de agora. Espera-se que o serviço tenha durabilidade, para não ter de voltar, em curto espaço de tempo, com as então indefectíveis operações tapa-buracos, para gáudio das empreiteiras do asfalto.

Mas recapear com lama asfáltica ruas calçadas em perfeitas condições de manutenção e uso, convenhamos, é desconhecer as recomendações ambientais mundialmente aceitas para o perímetro urbano – e mesmo para a pavimentação de morros em estradas vicinais, diferentemente do que se vê em Itabira, que continua achando que asfalto é “modernidade”.

Asfalto impermeável, calçamento durável

O acesso ao hospital Carlos Chagas pelo bairro Campestre continua com calçada em bloquete, devendo assim ser mantida até por cortar o Parque Natural Municipal do Intelecto

Isso acontece mesmo em tempos de aquecimento global, com as ondas de forte calor como as ocorridas neste ano em pleno inverno, ignorando-se que a escolha entre asfalto e o calçamento para o perímetro urbano pode ter um impacto significativo na adaptação às novas condições climáticas.

Isso porque o asfalto absorve e retém mais calor, e desse modo cria ilhas de calor urbanas, o que pode ser observado quando se sai da cidade em direção à zona rural, onde se tem temperaturas mais amenas quando comparadas com as temperaturas nas cidades próximas com ruas e avenidas asfaltadas.

Além disso, o asfalto por ser impermeável, impede a infiltração da água das chuvas no solo, o que faz aumentar a força das enxurradas em cidades, como é o caso de Itabira, que não dispõem de sistema de drenagem adequado e eficiente.

Observe-se como as enxurradas descem fortes em dias de chuvas pela rua Sadi Pereira, no bairro Pará, em direção à rua Água Santa, sem que se tenha “bocas-de-lobo” suficientes para receber e canalizar toda essa água.

Já ruas calçadas com bloquetes ou paralelepípedos absorvem muito menos calor e amenizam a temperatura em perímetros urbanos. São também mais permeáveis, permitem com mais facilidade a infiltração de parte da água das chuvas no solo, reduzindo o risco de inundações, facilitando a gestão de águas pluviais.

É o que tem sido mais recomendado por urbanistas ambientalistas de todo o mundo, como um dos meios para mitigar os impactos das mudanças climáticas com as crescentes ondas de calor.

Ruas calçadas ajudam a reduzir as temperaturas locais – o que deve ser associado a implantação de mais áreas verdes (hortos florestais) nas cidades, além de outras alternativas perfeitamente plausíveis baseadas na própria natureza.

Cidades inteligentes e sustentáveis

A modernidade do asfalto chegou a Itabira com a pavimentação da rodovia estadual, no final da década de 1970 (Acervo: Ceomar Santos/Vila de Utopia)

Cidades inteligentes e sustentáveis não cobrem ruas calçadas por asfalto. Mantêm as ruas calçadas, como fazem as cidades históricas mineiras (à exceção de Itabira, desde que deixou de ser do Matto Dentro e achou que ficou “moderna), como também se vê em Florianópolis (SC), que mantém calçamentos de pedras justapostas, como se observa ainda em muitas outras cidades país que não aderiram à onda “modernizante” do asfalto.

Muitas cidades estão substituindo o “chão preto” por outras formas de calçamento permeável, com bloquetes e pavers (blocos modulares), que podem utilizar materiais reciclados e que também facilitam a infiltração da água no solo.

É o que tem sido feito Copenhague, na Dinamarca, que passou a adotar calçadas permeáveis em várias áreas da cidade, em substituição ao asfalto. Portland, nos Estados Unidos, só para citar mais um exemplo, também implementou um grande número de pavimentos permeáveis e infraestruturas verdes.

Ainda que o asfalto permaneça sendo utilizado em muitas cidades, a tendência é que, com o aumento da conscientização ambiental e o avanço das tecnologias, mais cidades adotem alternativas sustentáveis.

E o velho calçamento de bloquetes (que poderia ser com pedras de hematita, caso ainda existissem em profusão por aqui) continua sendo ambientalmente mais recomendado, ainda que o “senso comum” da população, que precisa ser elevado, insista na “modernidade” do chão preto.

É hora de deixar o populismo de lado para investir no que é ambientalmente correto em tempos de mudanças climáticas, para efetivamene se ter uma cidade sustentável e inteligente, como diz pretender fazer o prefeito Marco Antônio Lage com o projeto Itabira Sustentável.

Que se tenha então uma práxis coerente com a realidade, que está a exigir mudanças de conceitos e ações efetivas baseadas na natureza nestes tempos de emergência climática.

Governos verdadeiramente democráticos, e antenados às exigências atuais, devem equilibrar as demandas da população com a necessidade de tomar decisões ambientalmente responsáveis – e não porque o povo quer e pede. O povo nem sempre tem razão, é o que se sabe historicamente.

Educar a população sobre os benefícios do calçamento permeável e implementar políticas sustentáveis ajudam a promover uma infraestrutura urbana que atenda às necessidades atuais sem comprometer o trânsito na cidade, além de mitigar o calor cada vez mais insuportável já no presente e que será ainda mais quente pelo que vem por aí.

 

 

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