Municípios minerados reivindicam aumento da Cfem, fiscalização rigorosa e mais autonomia para enfrentar impactos da mineração

Foto: Carlos Cruz

Carta-manifesto aprovada durante encontro nacional da AMIG Brasil cobra ações imediatas do Governo Federal e do Congresso para corrigir distorções históricas e garantir justiça fiscal e ambiental

Em meio às profundas transformações provocadas pela reforma tributária e à histórica negligência com os territórios minerados, prefeitos, secretários, procuradores e técnicos de mais de 450 cidades de todo o país reuniram-se em Belo Horizonte para o VI Encontro Nacional dos Municípios Minerados, promovido pela Associação Brasileira dos Municípios Mineradores (Amig Brasil).

O resultado foi a aprovação por aclamação de uma carta-manifesto que será apresentada em audiência pública na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, prevista para ocorrer entre o fim de setembro e início de outubro.

O documento reúne demandas urgentes e concretas que visam corrigir distorções fiscais, ampliar a participação dos municípios nas decisões sobre a mineração em seus territórios e garantir maior controle sobre uma atividade que, embora essencial à economia nacional, tem deixado um rastro de impactos ambientais e sociais sem a devida compensação.

Por aclamação, prefeitos de municípios minerados aprovam carta-manifesto que reivindica aumento da CFEM e maior autonomia na fiscalização e concessão de direitos minerários em seus territórios (Foto: Filipe Ausguto/Ascom Amig Brasil)
Itabira é exemplo histórico de mineração insustentável que não assegura resultados para as gerações futuras

É o caso de Itabira, que inaugurou a extração de minério de ferro em larga escala no país sem obter as compensações econômicas e sociais correspondentes – e que hoje se encontra extremamente dependente de uma atividade que caminha para o fim, com exaustão prevista para 2041.

A trajetória da mineração em Itabira revela, com clareza histórica, como essa atividade se consolidou no Brasil à custa dos territórios que a sustentam – um case de insucesso que não pode se repetir em outras regiões, como já prevê a incipiente legislação voltada aos novos empreendimentos minerários, que obriga as empresas concessionárias a apresentarem, de forma antecipada, o plano de descomissionamento das minas.

No caso de Itabira, a mineradora Vale sequer admite abrir essa discussão, mesmo após mais de 83 anos de exploração ininterrupta e impactante, marcada pela devastação da serra do Esmeril, Conceição e Cauê, com as suas nascentes, sem que tenha havido qualquer forma de compensação por essas e muitas outras tantas perdas incomparáveis, como já cobrava o poeta Carlos Drummond de Andrade, em suas crônicas publicadas no Correio da Manhã.

É assim que, desde 1942, os recursos minerais do município vêm sendo explorados intensivamente, sem retorno proporcional em investimentos econômicos, sociais, ambientais ou estruturantes.

Com a exaustão prevista para 2041, Itabira se vê diante de um colapso anunciado, resultado direto da ausência de planejamento e da marginalização dos municípios nas decisões sobre seus próprios destinos.

Aumento da CFEM é para compensar perdas da reforma tributária e pela exaustão  

Uma das reivindicações dos municípios minerados é o realinhamento da alíquota da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), os royalties do minério. FEM).

A proposta busca também compensar perdas provocadas pela Lei Kandir e, mais recentemente, pela reforma tributária, que, segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pode reduzir em até R$ 20 bilhões a receita dessas cidades.

“Estamos diante de um cenário em que o tempo é curto e as demandas dos territórios minerados e afetados não podem mais esperar. Não há viabilidade para a implementação de um novo marco regulatório da mineração nacional neste momento, mas há ações concretas e imediatas que podem ser realizadas para beneficiar as cidades mineradas e suas populações”, defende Marco Antônio Lage (PSB), prefeito de Itabira e presidente da Amig Brasil.

Fiscalização da ANM e combate à sonegação da Cfem

Outro ponto central da carta-manifesto é a urgente reestruturação da Agência Nacional de Mineração (ANM), cuja fragilidade operacional tem comprometido a fiscalização e permitido a sonegação da Cfem pelas empresas mineradoras.

Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que, entre 2014 e 2021, cerca de 40% da arrecadação da Cfem foi sonegada – o equivalente a R$ 12,4 bilhões. Além disso, a estrutura precária da ANM coloca outros R$ 20 bilhões em risco de prescrição, devido à incapacidade de fiscalização adequada.

“A ANM precisa atuar em parceria com os municípios para coibir a evasão fiscal e garantir que os recursos da mineração sejam devidamente recolhidos e revertidos em benefícios para a população”, reforça o presidente da AMIG Brasil.

Participação municipal na concessão de lavras e no licenciamento ambiental

A carta-manifesto também reivindica maior protagonismo dos municípios minerados na renovação de direitos de lavra e no processo de licenciamento ambiental, hoje concentrado na esfera estadual. Atualmente, os municípios apenas dão anuência, sem poder de decisão, o que fere a autonomia municipal assegurada pela Constituição Federal.

O caso de Itabira, onde o complexo minerador da Vale opera com licença vencida desde 2016, é exemplo da negligência do órgão estadual licenciador. A atividade minerária, iniciada em 1942, provocou impactos profundos no território, sem que a empresa tenha sequer comunicado oficialmente à sociedade o esgotamento da lendária mina do Cauê, exaurida desde 2003. A cava da mina segue recebendo rejeitos da usina homônima, ainda em operação, sem qualquer debate público sobre seu descomissionamento.

“Esses episódios demonstram como os municípios minerados seguem à margem das decisões que afetam diretamente seus territórios. É hora de assumir o protagonismo e construir um modelo justo, equilibrado e transparente”, reivindica Marco Antônio Lage.

Auditoria e responsabilização nas concessões de lavra

A Amig Brasil também propõe que seja estabelecido um prazo definido para a concessão de lavras. Ao término desse período, os empreendimentos minerários deverão passar por auditoria rigorosa para verificar o cumprimento das exigências ambientais, sociais, fiscais e econômicas.

Pela proposta, caso não estejam em conformidade, o município poderá aplicar multas indenizatórias ou realizar novo leilão, permitindo que outro empreendedor assuma o projeto com responsabilidade e capacidade técnica.

Representatividade na reforma tributária

A carta-manifesto exige ainda a inclusão de representantes da Amig Brasil no Comitê Gestor da Reforma Tributária, garantindo voz ativa dos municípios minerados nas decisões que impactam diretamente sua arrecadação e gestão.

“A mineração é um dos pilares da economia brasileira, e os municípios minerados precisam estar representados no Comitê Gestor da Reforma Tributária. Não podemos aceitar que decisões sejam tomadas sem a nossa participação”, reforça Lage.

Mobilização política e apoio parlamentar

Com a proximidade do ano eleitoral, a Amig convoca os prefeitos a mobilizarem seus deputados para apoiar as propostas da carta. A entidade também defende que os municípios avaliem o comprometimento dos parlamentares com as pautas estruturantes da mineração.

“Infelizmente, muitos deputados destinam recursos para projetos pontuais, mas não apoiam leis que poderiam gerar receitas significativas por meio da Cfem. É hora de identificar quem realmente está do lado das cidades mineradas”, critica Marco Antônio Lage.

 

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