Municípios minerados continuam na luta por justiça tributária e compensações por perdas incomparáveis

Fotos: Filipe Augusto
Ascom/Amig Brasil

VI Encontro Nacional dos Municípios Mineradores reúne mais de 300 cidades para discutir novo marco regulatório, impactos da mineração e desafios da Reforma Tributária

Carlos Cruz

Interessante observar que o VI Encontro Nacional dos Municípios Mineradores repete praticamente a mesma pauta debatida no I Encontro Nacional de Cidades Mineradoras, ocorrido em Itabira, em agosto de 1984, preparatório para a Assembleia Nacional Constituinte, instalada em 1º de fevereiro de 1987, sob a presidência de Ulysses Guimarães.

O evento foi aberto nessa quarta-feira (20) e se encerra nesta quinta-feira (21),  promovido pela Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig Brasil) e realizado no auditório do Tribunal de Constas de Minas Gerais (TCMG).

No histórico encontro, a reforma tributária esteve em pauta, assim como agora. No encontro de 1984, os municípios minerados reivindicaram, entre outras pautas, a reforma do Imposto Único sobre Minerais (IUM), que destinava apenas 20% aos municípios, enquanto o Estado abocanhava 70% e a União ficava com 10%.

Outra reivindicação foi a instituição de um Fundo Nacional de Exaustão Mineral, para compensar os municípios pela extração de suas riquezas minerais sem agregar valor – e também pela isenção fiscal que foi dada, compulsoriamente, no caso de Itabira, à mineradora Vale, o que prevaleceu de 1942 até a instituição do IUM, em 1969.

Com a promulgação da Constituição de 1988, em boa parte, as reivindicações dos municípios minerados foram incorporadas à nova Carta Magna, com a criação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem), os royalties do minério.

Foram atendidos, também, com a inserção da atividade mineradora como geradora do novo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o que melhorou as receitas dos municípios, até a edição da Lei Kandir, em 13 de setembro de 1996, que retirou parte substancial dos ganhos tributários.

No I Encontro Nacional de Cidades Mineradoras, realizado em Itabira, em agosto de 1984, a pauta central foi a reforma tributária e as perdas incomparáveis causadas pela mineração predatória (Foto: Eduardo Cruz/Acervo do Cometa)
O maior trem do mundo

Foi como contribuição inestimável a esse encontro que o poeta itabirano Carlos Drummond de Andrade encaminhou o poema O Maior Trem do Mundo, publicado no jornal O Cometa Itabirano, do qual se tornou frequente colaborador, depois de escrever, em carta à redação, que não iria ajudar na divulgação do encontro, por não mais acreditar nas palavras dos homens públicos, depois de se ver derrotado em suas diferentes frentes de luta em favor de sua terra natal.

“Minha velhice experiente me ensinou tantas coisas. Uma delas: descrença em nossos homens públicos”, assim manifestou o poeta em carta ao O Cometa, expressando ainda a sua “impossibilidade racional de crer na letra das palavras e no discurso dos homens”.

Mas o poeta, mesmo não acreditando nas palavras dos homens públicos e revelando o seu justificado ceticismo, poucos dias depois, para grata surpresa de todos na redação do jornal itabirano, enviou o poema-manifesto O Maior Trem do Mundo, publicado na edição de agosto de 1984, que circulou durante o I Encontro Nacional de Cidades Mineradoras.

Arte: Genin

Leia mais aqui: Drummond e a Mineração

Reivindicações atuais

O encontro nacional reúne prefeitos, parlamentares, juristas, técnicos e representantes da sociedade civil de mais de 300 municípios minerados do país, no auditório do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.

As pautas reivindicatórias são, em boa parte, uma quase repetição do que se viu em Itabira há mais de quatro décadas, uma vez que, além das perdas com a Lei Kandir, vislumbram-se mais quedas na arrecadação com a reforma tributária recentemente aprovada pelo Congresso Nacional e já sancionada pelo presidente Lula.

Além dessas perdas, o eixo central do encontro deste ano está sendo o debate sobre a construção de um novo Marco Regulatório Municipal da Mineração, com foco na justiça tributária, sustentabilidade e autonomia dos municípios na fiscalização das atividades mineradoras e na apuração dos impostos devidos – e também com a Cfem.

Encontro nacional reúne prefeitos, parlamentares, juristas, técnicos e representantes da sociedade civil de mais de 300 municípios minerados do país
“Não aceitaremos migalhas”, diz o presidente da Amig Brasil

Na abertura do evento, o presidente da Amig Brasil e prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage (PSB), fez um pronunciamento contundente, para quem crescimento real somente se observa nos lucros das empresas mineradoras, ficando os passivos ambientais e as perdas tributárias, inclusive com a sonegação, para os municípios minerados.

“Temos a ilusão de tempos melhores, mas poucos percebem que há mais barragens, mais rejeitos e mais impactos irreversíveis para as famílias atingidas e o meio ambiente. A mineração traz mais ônus do que bônus”, afirmou.

Lage reforçou o papel da Amig Brasil na construção de uma nova política pública para o setor. “Chega de extrativismo, sem agregar valor. Não aceitaremos migalhas em troca do que entregamos.”

A cerimônia de abertura também foi marcada por homenagens à trajetória da Amig Brasil e à contribuição de lideranças históricas, como o ex-presidente José Fernando Aparecido de Oliveira, ex-prefeito de Conceição do Mato Dentro.

O presidente do TCE-MG, Durval Ângelo, trouxe uma reflexão poética ao ler o poema Confidência do Itabirano, de Drummond, evocando a memória das cidades mineradas que se tornaram “fotografias na parede” – mas como dói.

Marco regulatório municipal: uma resposta ao vácuo legal

Em sua palestra, o consultor da Amig Brasil, Waldir Salvador, defendeu o protagonismo dos municípios na formulação de um marco regulatório próprio. “Se a atividade mineral é essencial à vida humana e regida por normas federais e estaduais, por que os municípios precisam criar seus próprios marcos legais? Porque o marco federal é falho, ultrapassado e desrespeita o pacto federativo”, afirmou.

Salvador também destacou os prejuízos acumulados pela ausência de uma governança eficiente. “Desde a vigência da Lei Kandir, Minas Gerais deixou de arrecadar cerca de R$ 1 trilhão, enquanto o Pará perdeu aproximadamente R$ 40 bilhões até 2019. Precisamos de uma legislação que garanta segurança jurídica, maior arrecadação, controle ambiental e autonomia administrativa para os municípios”, concluiu.

Reforma Tributária e riscos à autonomia

Na tarde do primeiro dia, os impactos da Reforma Tributária dominaram os debates. A consultora Flávia Vilela apresentou uma análise técnica sobre o novo modelo tributário, destacando a simplificação do sistema com a adoção do IVA Dual, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido por estados e municípios.

Entre os avanços, Vilela destacou o split payment, que garante o recolhimento automático dos tributos, e o cashback para famílias de baixa renda. Ela também celebrou a inclusão do imposto seletivo sobre a extração mineral, fruto da atuação da Amig Brasil, que ainda precisa ser regulamentado.

Já o auditor-fiscal da Prefeitura de São Paulo, Rafael Viches, alertou para os efeitos da extinção de tributos como ISS e ICMS. Com a nova regra, a arrecadação será feita no local da operação de venda, e não mais onde ocorre a produção, o que pode beneficiar municípios com maior poder de consumo, prejudicando os que abrigam grandes empreendimentos minerários.

Por seu lado, o assessor especial da Secretaria Municipal da Fazenda de São Paulo, José Alberto Macedo, abordou os impactos da criação do Comitê Gestor do IBS. Segundo ele, embora o comitê represente uma inovação administrativa, é preciso cautela quanto à centralização da governança tributária e seus reflexos na autonomia dos municípios.

Caminhos para uma mineração mais justa e sustentável

O encontro nacional contou ainda com a participação da Secretária de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais, Marília Melo, que reforçou o compromisso com uma mineração responsável.

O diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Caio Melo Tribela Seabra Filho, apresentou avanços na estrutura da agência, como a equiparação salarial dos servidores e a transformação digital.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, enviou mensagem em vídeo reafirmando o apoio à AMIG Brasil e à valorização da Cfem como instrumento de desenvolvimento local. “Estamos trabalhando juntos para criar um setor mais justo e sustentável, que respeite os direitos das cidades e das populações impactadas pela mineração”, declarou.

Resta saber, enfim, como desconfiava Drummond com justa razão, se as palavras dos homens públicos têm validade para que, enfim, se faça justiça tributária aos municípios minerados, compensando por outras formas aqueles que estão em vias de exaustão, como é o caso de Itabira, que tanto contribui para o desenvolvimento do país e que tem ficado apenas com migalhas que sobram dessas riquezas minerárias – e com as perdas incomparáveis.

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