Moradores vizinhos do Pontal estão ainda em compasso de espera sem saber quem será removido para ceder lugar a muro de contenção

Fotos: Carlos Cruz

Há mais de dois anos e meio, desde que se tornou público neste site Vila de Utopia, em 15 de março de 2021, a informação de que a mineradora Vale faria a remoção de residências, nos bairros Bela Vista e Nova Vista, para a construir uma segunda Estrutura de Contenção a Jusante (ECJ) no sistema do Pontal, os moradores continuam sem saber quem terá de deixar as suas residências.

Como ainda não se tem o número de residências que terão de ser removidas, o clima entre os moradores vizinhos do cordão Nova Vista é de apreensão e medo. Isso enquanto a Vale prossegue com negociações individuais, a conta-gotas, com a aquisição de oito imóveis.

“Continuamos sem ter informações da Vale. Todas as vezes que somos convidados pela empresa para participar das reuniões, eles nunca esclarecem as nossas dúvidas”, contou Elce Anunciação Horta, moradora da rua Antonio Germano Barbosa, bairro Bela Vista.

Ela participou da primeira reunião pública da equipe da Fundação Israel Pinheiro (FIJ) com moradores dos bairros diretamente atingidos pela segunda estrutura de contenção (ECJ2) – e também do Nossa Senhora das Oliveiras e Praia, que podem também ser impactados.

A FJI é a instituição escolhida em processo eleitoral promovido pelo Ministério Público de Minas Gerais para prestar auditoria independente aos moradores – e é paga pela Vale, por força do que dispõe e assegura aos atingidos por barragens a lei estadual conhecida por Mar de Lama Nunca Mais.

A instituição foi contratada justamente para dar suporte técnico, socioeconômico, psicológico aos moradores. Isso para que tenham argumentos a apresentar na defesa de seus interesses individuais, coletivos e difusos nas negociações com a Vale – e também frente a eventuais violações de direitos em seus respectivos territórios.

Moradores dos bairros Bela Vista, Nova Vista, Nossa Senhora das Olveiras e Praia participaram da primeira reunião pública com a ATI-FIP

Segurança e instabilidade

Os moradores vizinhos do cordão Nova Vista já estão sendo impactados tanto pela construção da primeira ECJ, na proximidade da lagoa do Coqueirinho, na barragem do Pontal, como também com a movimentação de equipamentos pelo cordão Nova Vista.

Toda essa movimentação provoca vibrações, ocasionando trincas em paredes de muitas residências, além de ruído e poeira constantes. Essa situação agrava ainda mais a situação dos moradores com a incerteza quanto a permanência ou não das famílias em uma comunidade que terá a sua paisagem alterada pela construção de um mega muro tubular, devendo se estender por mais dois quilômetros.

De acordo com a Vale, a instalação das ECJs visa assegurar que, no processo de descomissionamento de diques alteados a montante no sistema Pontal, em caso de ruptura ou carreamento de material, o rejeito fique retido pelos muros, sem atingir a população que está abaixo dessa imensa estrutura de contenção de rejeitos.

As primeiras oito casas já adquiridas pela Vale já estão sendo demolidas para ceder espaço ao novo muro de contenção

Sobre os objetivos das ECJs todos já sabem. A Vale tem repetido essa informação à exaustão desde as primeiras reuniões virtuais com alguns poucos moradores ainda na pandemia. E vem repetindo nas reuniões presenciais, mas ainda sem anunciar o que todos esperam: quem serão os atingidos direta e indiretamente com a construção desse segundo muro.

Nas primeiras reuniões com os moradores, a mineradora havia assegurado que faria esse anúncio em julho do ano passado. Mas isso não aconteceu até a presente data.

“O que eles dizem nas reuniões é só o que interessa à empresa, por isso quase ninguém vai. É sempre as mesmas coisas que repetem. Sem saber quem vai ter de sair, isso cria muita apreensão e insegurança, acaba deixando muita gente doente”, afirmou Elce Horta, para quem não só os moradores que terão de deixar as suas residências serão impactados, mas também quem vive em um perímetro maior além do local onde o muro será instalado.

“Nem sabemos ao certo onde esse muro vai passar. Se a minha casa não for retirada, eu vou ficar com esse muro bem na minha frente, isolada sem os meus vizinhos?”, questionou a moradora na mesma reunião pública com a ATI-FIP.  “Sem informações as pessoas estão tensas, é muito nervosismo com toda essa história que não tem fim.”

“A construção da ECJ2 está cercada de mistério”, confirmou o coordenador da ATI-FIP, Péricles Mattar. “Como ainda não se sabe qual vai ser o número de remoções, isso tem causado estresse entre os moradores.”

Segundo ele, a Vale tem informado aos moradores que vai iniciar a instalação ECJ2 no período de estiagem. “Então só deve ter início a partir de março, mas antes a empresa precisa anunciar quais imóveis terão de ser removidos, para se saber também quantos moradores serão impactados direta e indiretamente”, cobrou o coordenador da ATI-FIP.

A primeira ECJ já está concluida bem próxima do bairro Nova Vista, também impactando a vizinhança, mas sem remoção de moradores

Vibrações, poeira e ruídos

Outros moradores relataram na reunião pública vários impactos de vizinhança, a exemplo da poeira levantada com a movimentação de material e equipamentos, ruídos intensos, vibrações que abalam as estruturas de residências mais próximas da barragem.

Foi narrado também a ocorrência de vibração com o desmonte de uma das oito casas já adquiridas pela mineradora. Isso foi confirmado pela equipe técnica da ATI-FIP, que a pedido de um morador vizinho foi até o local onde estava ocorrendo um desmonte. Foi quando constaram, no momento da vistoria, o deslocamento de um reboco em uma casa vizinha da que estava sendo demolida.

Por ter ingressado no lote já desocupado, a equipe foi acusada pela Vale de invasão de propriedade privada, tendo lavrado um boletim de ocorrência, é o que tem contado o coordenador da FIP em seu périplo de esclarecimentos sobre o papel da ATI, tendo começado com a reunião pública, passando pela reunião do Codema, na sexta-feira (10), e na Câmara de Vereadores, na terça-feira (14).

Segundo Péricles Mattar, a assessoria técnica fica também prejudicada pela falta de informações, como por exemplo, com a inexistência de laudos técnicos sobre as condições das residências, o que deveria ter sido feito antes mesmo do início de toda essa movimentação na barragem.

“Infelizmente a Justiça não acatou o pedido da perícia técnica para se saber qual é a situação dos imóveis antes de sofrer os impactos, para que possam ser comparados agora já com as movimentações em andamento”, lamentou o coordenador da FIP nas reuniões que participou.

Monitoramento

Ainda com relação aos impactos ambientais e de vizinhança, Péricles disse que está sendo questionada também a dispersão espacial dos equipamentos de monitoramento da qualidade do ar, ruídos e vibrações.

“Pelo que o nosso pessoal de engenharia ambiental observou, determinados medidores de poeira, vibrações e ruídos estão em locais inadequados. Estão ali para não ter os dados reais desses impactos”, disse Péricles Mattar, repetindo dúvidas que também estão sendo levantadas na cidade em relação à rede automática de monitoramento da qualidade do ar, com as suas quatro estações, todas operadas por empresa contratada pela Vale.

A FIP começa agora a fazer o cadastro social dos moradores, com visitas de casa em casa. “É para saber se tem alguém com problema de saúde, algum sofrimento psicológico, se tem casas trincando”, relacionou o coordenador da ATI-FIP.

“Com esses dados, a nossa equipe técnica vai apresentar um diagnóstico aos moradores para que eles tenham uma narrativa com mais dados nas negociações com a Vale”, explicou.

Péricles Mattar disse não querer proximidade com representantes da Vale, mas sempre mantendo um distanciamento respeitoso. “As informações técnicas estamos obtendo também com a Aecom”, disse ele, referindo-se à empresa que presta assessoria ao MPMG em Itabira.

O que diz a Vale

Procurada pela reportagem, a mineradora Vale encaminhou à redação a nota a seguir:

“As residências que estão na área onde se pretende construir a ECJ2 já foram mapeadas e a Vale está em contato com as famílias para as devidas tratativas. O projeto da obra está em fase de detalhamento, e a partir da conclusão dessa etapa será possível a divulgação de informações.

Sobre os aparelhos de monitoramento, eles estão instalados em locais previamente definidos na comunidade e próximos à obra, de maneira que seja possível medir os impactos na qualidade do ar, ruídos e vibrações. Além disso, há a preocupação com o uso de equipamentos com menor impacto e ruído, além do controle do horário/turno das atividades desenvolvidas.

Com relação aos imóveis adquiridos com base no Termo de Compromisso firmado com a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, é dever da Vale realizar a segurança deles e, para isso, registrar as ocorrências nesses locais.”

Para saber mais acesse:

Residências próximas de diques da barragem do Pontal podem ser removidas. Moradores são os últimos a saber

Moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista relatam ao MPMG casos de violação de direitos pela Vale no Pontal

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