Moradores e a ATI-FIP relatam que violações de direitos continuam ocorrendo com a remoção de casas no bairro Bela Vista

Fotos: Divulgação/
ATI-FIP

Não é só a licença ambiental para a mineradora Vale continuar extraindo e concentrando itabiritos no Complexo Minerador de Itabira que está vencida, no caso, desde 2016. A grande transnacional brasileira também não está em dia com a legislação municipal ao dar início à demolição de moradias no bairro Bela Vista. para que seja instalada uma segunda estrutura de contenção a jusante (ECJ2) de rejeitos, na divisa do bairro com a barragem Pontal.

Nesse caso, as denúncias de violações de direito na remoção têm sido recorrentes – e não se restringem à falta de informações precisas sobre o número de famílias que serão diretamente atingidas, mas também, agora se sabe, por descumprimento da legislação ambiental e urbana do município de Itabira, conforme auto de infração lavrado pela auditora fiscal da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Luciana Rodrigues de Paula Otoni.

Segundo ela informou na reunião do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), na sexta-feira (12), a mineradora estaria também desrespeitando as legislações ambiental e urbanística do município ao demolir, sem o necessário licenciamento, residências no bairro Bela Vista, já negociadas individualmente com os proprietários, mas sem que fossem adotados os cuidados devidos para esse tipo de serviço, assim como licenciamento prévio, por se tratar de área urbana.

“Demolir muitas vezes é mais impactante que construir. Para isso é preciso ter também  licença ambiental e do urbanismo. E isso a Vale não fez”, disse a auditora, que apresentou o auto de infração na reunião do Codema, dando ciência oficial à mineradora, por meio de seus conselheiros no órgão ambiental municipal.

O fato constitutivo da irregularidade foi registrado pela auditora como sendo o de “realizar atividade de demolição de residências no bairro Bela Vista sem licença ambiental, prejudicando a segurança e o bem-estar da população, podendo resultar em poluição/degradação ambiental”.

Determina a auditora no mesmo ato a suspensão de qualquer atividade com esse fim, até que as demolições sejam regularizadas junto ao órgão ambiental do município, o que deve abranger “todas as áreas a serem removidas, conforme decreto 3202/2020 e o código MA-02 e MA-011”.

Além disso,  em decorrência da irregularidade ambiental, foi aplicada multa de 260 mil UPFM (Unidade Padrão Fiscal do Município), o que pode ultrapassar o montante de R$ 1,1 milhão. Multa que pode ser em dobro em caso de descumprimento, mantendo-se as as demolições sem o necessário licenciamento ambiental e urbanístico. A empresa tem prazo de 20 dias para recorrer da multa e do embargo.

Conforme explicou a auditora, imóveis com área superior a 500 metros quadrados demandam autorização da Prefeitura, por meio das secretarias municipais de Meio Ambiente e de Urbanismo. Mas nada disso fez a empresa, que já deu início às demolições como se o bairro já fosse parte de sua área operacional, sem sinalizações adequadas e outras medidas de segurança, além do necessário licenciamento.

Impactos decorrentes

Em decorrência, são muitos os impactos ambientais que a população vizinha vem sofrendo, além das incertezas que permanecem, pela falta de informação objetiva e cristalina, quanto ao número de moradias que terão de ser removidas para a instalação dessa estrutura de contenção de rejeitos, no caso de ocorrer algum transbordamento na etapa de descaracterização dos diques Minervino alteados a montante e do cordão Nova Vista.

“O barulho das máquinas e da própria demolição das casas é ensurdecedor e dá medo”, disse à reportagem Savio Marcelino Chagas, morador da rua 8, vizinho das casas que já estão sendo demolidas. “Não sabemos quantas casas terão de ser removidas, só sei que a Vale está negociando individualmente e na medida que compra já entra com a demolição.”

Sávio diz que ele e sua família são atingidos por essa obra, mesmo que o muro não passe por onde está a sua casa. “Aqui bem em frente à minha casa tem uma placa advertindo para o perigo de rompimento de barragem. Imagina o quanto a minha casa já desvalorizou. Se um dia eu quiser vender, quem vai querer comprar o meu imóvel tendo esse risco bem diante da porta”, ele indaga e tem questionado os representantes da Vale, ainda sem resposta, como tantos outros que estão também nessa situação.

A sua residência, onde mora com a mulher e duas filhas, está a cerca de 500 metros de uma das casas já demolidas, na rua João de Oliveira Jota. “Sofremos também com o mau-cheiro do córrego que corre a céu aberto dentro da barragem, na divisa com o bairro. Tem mais de 30 anos que esse problema existe, sem solução à vista. Falam que vão resolver, mas nada resolvem”, acrescenta.

Ele conta que é a segunda vez que é atingido pela mineração. Na primeira vez pouco se lembra, tinha apenas 2 anos de idade quando a sua família teve que abandonar a sua pequena propriedade rural na região de Santana, para a Vale construir a barragem homônima.

“A minha família recebeu muito pouco pela desapropriação e agora estamos sofrendo com as incertezas, com a falta de informações. Somos tão impactados quanto os que terão as suas casas demolidas para a construção do muro, mesmo que não vai ser preciso sair”, ele considera.

“Que a Vale nos pague então uma indenização pela desvalorização de minha casa!”, ele reivindica, partindo do princípio “do poluidor pagador” pelos impactos decorrentes, o que só faz aumentar a dívida histórica da mineração com Itabira e seus moradores ao longo dos mais de 82 anos de exploração mineral ininterrupta.

Umidificação dos destroços das casas para diminuir a poeira não tem sido suficiente. O impacto de vizinhança inclui também o ruído forte dos equipamentos
Saiba mais

Segundo relatório da equipe da Fundação Israel Pinheiro (FIP), que presta assessoria técnica independente (ATI) aos moradores dos bairros Bela Vista, Campestre, Nossa Senhora das Oliveiras e Praia, por força da lei que protege os atingidos pela mineração, a Vale já realizou a demolição de três imóveis, que foram previamente negociados por moradores, no bairro Bela Vista. A ação integra o plano da mineradora de dar continuidade pro meio de negociações individuais com os moradores.

Entretanto, essas  demolições não foram autorizadas e licenciadas pela prefeitura, como também a empresa não informou a ATI-FIP que teriam início, como deveria ter feito por força da mesma legislação. Além de iniciar as demolições ao arrepio da lei, o relatório diz que as vias próximas não foram sinalizadas, assim como não se requereu o desligamento da rede de energia no local próximo às residências demolidas.

Em uma das demolições, os destroços de um muro caíram próximo a uma rede elétrica, que não foi por cautela desligado.

“Para comunicar a ação, a mineradora enviou aos moradores da rua apenas uma cartilha informativa, que não oferece detalhes como datas de início e término das demolições. Além disso, as informações não correspondem ao que efetivamente aconteceu durante o momento das derrubadas. Sendo assim, a ação gerou uma série de reclamações da população local”, relata a ATI/PIP.

As queixas dos moradores, segundo relatos, são do excessivo barulho do maquinário em operação, além da geração de grande volume de poeira “que não foi amenizada com o uso de caminhões pipa”.  Há ainda o intenso trânsito de veículos pesados pela região, sem a devida sinalização da via, que é ponto final de ônibus.

O relatório da ATI-FIP confirma que, no processo de descaracterização do Sistema Pontal, a Vale segue cometendo violações dos direitos, o que inclui o direito à informação clara e precisa.

“A Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Pnab), lei Nº 14.755, garante o direito à participação informada, o que obriga a Vale a comunicar, com detalhes, cada passo das ações que serão realizadas”, cobra a assessoria técnica independente, que necessita dessas informações para que atuarem como órgão de consultoria aos moradores atingidos direta e indiretamente.

A ATI-FIP relata ainda que as demolições tiveram início antes da contratação da assessoria técnica independente, em setembro do ano passado. “De acordo com apresentação realizada pela mineradora à população, em 18 de abril de 2024, 17 famílias já foram removidas.”

O número exato de famílias que serão removidas para a construção da segunda ECJ ainda é incógnita. “Esses processos se deram de maneira individual, em negociação direta entre Vale e atingido. A empresa trata essas negociações como simples contratos de compra e venda, ignorando o processo de reparação coletiva que está em curso por meio da Ação Civil Pública, impetrada pelo Ministério Público de Minas Gerais”, denuncia a ATI-FIP, sustentando que, de acordo com a legislação, “as pessoas atingidas têm direito à negociação, preferencialmente coletiva”.

Mesmo sem saber quem terá de sair de suas residências para ceder lugar ao muro de contenção, que a Vale diz ser medida preventiva para evitar danos em caso de transbordamento de rejeitos de minério,  muitos moradores continuam sendo abordados por agentes da Vale propondo negociações individuais. “O ambiente é de incertezas e apreensões. Moradores estão sendo tratados como ofertantes de terra, o que mais uma vez fere as leis instituídas”, sustenta a assessoria técnica independente.

“As pessoas atingidas têm direito a uma reparação integral pelos danos que vivenciam no território. Não se trata apenas de se desfazer da casa e do terreno em que elas vivem. O que esse tipo de movimento causa é um rompimento do tecido social que permeia a relação dessas pessoas no bairro, com a história do bairro e com os seus vizinhos, as vivências e memórias do que era o território e no que está se tornando.”

“Ao manter a população mal informada, a Vale reforça a sensação de medo, angústia e incerteza. Agrava as questões de saúde mental das pessoas que permanecem no território sem saber o que será feito de suas vidas”, finaliza o relatório da FIP-ATI.

O que diz a Vale

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Vale enviou a nota abaixo à redação, transcrita na íntegra, mas sem informar o número de moradias que serão retiradas para a construção da ECJ2, embora esse dado tenha sido solicitado.

Quanto a autuação da Prefeitura suspendendo a demolição ocorreu após o recebimento da resposta. Este site está aberto, caso a empresa queira também esclarecer sobre a suspensão das demolições até que seja obtida a licença ambiental e o necessário alvará da Prefeitura.

“A Vale esclarece que foi iniciada em 10 de julho a demolição dos imóveis já desocupados, localizados no bairro Bela Vista, próximos ao Sistema Pontal. A comunidade foi informada, entre os dias 8 e 10 de julho, por meio de cartilhas e comunicação porta a porta. 

A empresa reforça que a demolição é necessária para a implantação da ECJ 2, que permitirá a execução das obras de descaracterização dos Diques Minervino e Cordão Nova Vista de forma segura para as pessoas e o meio ambiente. 

Foi realizada umectação das vias por caminhões-pipa para minimizar a poeira provocada pelo tráfego de veículos e há monitoramento constante de ruído. Não foi necessário realizar a interdição de vias para a execução da atividade e, por isso, não houve a instalação de placas de sinalização. 

A demolição está ocorrendo de forma gradativa e as ações estão sendo, prioritariamente, executadas por meio de acessos em área Vale, evitando tráfego excessivo de caminhões e maquinários nas vias públicas próximas, buscando alterar o mínimo possível a dinâmica dos bairros. 

A Vale também esclarece que as informações referentes ao projeto da nova ECJ e sua localização, bem como o número de famílias diretamente impactadas, foram apresentadas à comunidade e às instituições competentes.

A empresa tem mantido contato constante com as famílias e os moradores envolvidos para as devidas tratativas, que são realizadas com base no Termo de Compromisso firmado com a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais. 

São disponibilizados canais de relacionamento e atendimento abertos à comunidade (telefone 0800, e-mail, posto de atendimento).

A Vale reitera que possui um canal exclusivo de comunicação com a Assessoria Técnica Independente (ATI) e seguirá aberta ao diálogo, com disponibilidade para tirar dúvidas e solucionar intercorrências.”

 

 

 

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