Moradores de Itabira seguem impactados por obras da Vale no Sistema Pontal; MPMG mantém pressão por soluções

Fotos: Tatiana Linhares/
ATI/FIP

Estruturas de contenção geram transtornos em bairros próximos às barragens; Justiça já reconheceu danos e cobra reparações

Desde 2021, quando foi noticiado em primeira mão por este site Vila de Utopia, moradores de bairros como Bela Vista, Nova Vista, Jardim das Oliveiras e Praia, em Itabira (MG), convivem com os impactos diretos das obras de descaracterização das barragens do Sistema Pontal, conduzidas pela mineradora Vale.

A construção da Estrutura de Contenção à Jusante (ECJ), parte do processo de descomissionamento exigido por lei, tem provocado tremores, poeira, ruídos e insegurança entre os moradores, muitos dos quais vivem a poucos metros dos canteiros de obra.

As intervenções fazem parte do programa de descaracterização de estruturas internas (dique e cordão Nova Vista) construídas pelo método a montante, considerado de alto risco após os rompimentos de barragens de Mariana e Brumadinho.

Moradores e entidades de apoio, como a Fundação Israel Pinheiro (ATI-FIP) e o Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração, denunciam que a execução das obras tem ocorrido sem diálogo adequado e com falhas na comunicação, além da ausência de acolhimento às famílias que vivem em áreas de risco.

Justiça reconhece danos e determina reparações

Em setembro de 2024, a Justiça condenou a Vale a reparar danos morais, patrimoniais e coletivos causados pelas obras no Sistema Pontal.

A decisão reconheceu que a mineradora falhou ao não garantir condições dignas de permanência ou remoção das famílias afetadas, além de não fornecer informações claras sobre os riscos e o cronograma das intervenções.

A sentença também determinou que a empresa ofereça reassentamento, indenizações ou alternativas de moradia para os atingidos, além de custear a assessoria técnica independente – papel exercido pela Fundação Israel Pinheiro – para garantir a participação efetiva e bem informada da comunidade.

Obras de instalação da ECJ2 impactam residências vizinhas e moradores sofrem com ruídos, vibrações e poeira
Assistência técnica ameaçada por falta de repasse

Apesar da decisão judicial que determinou o repasse de recursos para garantir a continuidade da ATI/FIP por pelo menos seis meses, até a semana passada ainda não havia realizado o depósito, alegando não ter sido notificada.

AATI/FIP chegou a iniciar seu processo de desmobilização em junho de 2025, com a equipe entrando em aviso prévio, revertido após nova decisão judicial autorizando a execução provisória do novo Plano de Trabalho (PTR-2).

A interrupção da ATI comprometeria gravemente o acompanhamento técnico e jurídico das famílias atingidas, além de enfraquecer o canal de diálogo entre comunidade, empresa e instituições públicas.

A expectativa é que o repasse pela Vale seja efetuado nos próximos dias, garantindo a continuidade dos trabalhos da assessoria técnica independente junto às comunidades atingidas.

Reuniões mensais buscam mediar conflitos
Em reunião com representantes da ATI/FIP e da comissão de moradores atingidos, a promotora Giuliana Fonoff destacou a importância da manutenção do diálogo com a Vale como caminho para resolver impasses pontuais e buscar soluções (Foto: Ascom/MPMG)

Desde julho de 2024, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) promove reuniões mensais com representantes da Vale, da Defesa Civil, da ATI e dos moradores.

A promotora de Justiça Giuliana Talamoni Fonoff afirma que, embora parte das questões esteja judicializada, o espaço de diálogo tem sido importante para tratar de problemas pontuais e buscar soluções extrajudiciais.

“Nosso objetivo é criar um ambiente de escuta e acolhimento, quando os moradores podem se manifestar e acompanhar o andamento das obras com mais transparência”, afirmou a promotora.

Segundo ela, os encontros têm gerado avanços, como a criação de um fluxo de informações entre os envolvidos e a definição de pautas mensais para discussão.

Moradores denunciam insegurança e falta de respostas

Apesar dos esforços institucionais, moradores relatam que os transtornos continuam. “A casa treme, a poeira entra por todos os cômodos e a Vale não toma providências suficientes para amenizar a nossa situação”, disse uma moradora do bairro Nova Vista em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais em maio de 2025.

Representantes das comunidades também criticam o protocolo de remoção apresentado pela Vale, que teria ignorado recomendações da ATI e desconsiderado o direito de escolha das famílias sobre como e quando deixar suas casas.

Vale afirma cumprir exigências legais

Em nota, a Vale afirma que as obras seguem as diretrizes da Lei Estadual nº 23.795/21 (Política Estadual dos Atingidos por Barragens) e que mantém diálogo com os órgãos competentes e a comunidade.

A empresa reforça que a ECJ2 é uma medida preventiva voltada à proteção da população e do meio ambiente, enquanto realiza a descaracterização das estruturas internas de contenção de rejeitos.

Ainda assim, o histórico de tragédias envolvendo a mineradora e a persistente falta de confiança por parte da comunidade tornam o processo de mediação mais sensível e complexo.

Para os moradores, o que está em risco vai além da engenharia das obras: trata-se do direito de permanecer em suas casas com segurança, dignidade e respeito.

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