Mobilidade urbana sustentável exige política pública integrada

Foto: EBC/ABr

A mobilidade urbana sustentável requer uma visão sistêmica envolvendo o planejamento do uso do solo, com atividades e densidades diversificadas

Angélica Tanus Benatti Alvim* e

Viviane Manzione Rubio**

EcoDebate – A mobilidade urbana sustentável é um direito essencial da população e se traduz no aproveitamento equitativo dos diversos modos de transporte, motorizados e não motorizados, norteado por princípios de democracia, solidariedade e justiça social.

Desde meados do século XX, o modelo de urbanização das cidades brasileiras se apoia no transporte motorizado individual, especialmente no automóvel. O aumento exponencial de infraestrutura viária das cidades contribui para o espraiamento urbano, para a segregação socioespacial, para os longos deslocamentos casa-trabalho e, em um círculo vicioso, para a multiplicação de automóveis particulares, problemas de saúde pública, impactos no clima e, consequentemente, deterioração da qualidade de vida da população.

Dentre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) formulados pelas Nações Unidas, destacam-se o ODS 3 — Saúde e bem-estar — e o ODS 11 — Cidades e comunidades sustentáveis –, que se alinham aos preceitos da mobilidade urbana sustentável, com ênfase na mobilidade ativa. Ou seja, são objetivos que pressupõem o incentivo aos deslocamentos não motorizados, entre eles o andar a pé e de bicicleta.

No Brasil, o conceito de mobilidade urbana sustentável vem sendo construído desde 2004 com a publicação do “Caderno Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável” pelo Ministério das Cidades. No entanto, somente em 2012, com a instituição da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei federal 12.587), é que o tema passa a ser incorporado na política de desenvolvimento urbano e incluído no sistema de planejamento urbano municipal, por meio da elaboração de planos municipais de mobilidade apoiados nos planos diretores.

O Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE, Lei Municipal 16.050/2014), principal instrumento de planejamento urbano da maior cidade do Brasil, propõe uma visão sistêmica entre transporte, uso do solo e desenvolvimento urbano. Apesar de sua importância, as diretrizes do PDE ainda vêm surtindo poucos efeitos no alcance da mobilidade urbana sustentável.

Dados da última Pesquisa Origem — Destino 2017, realizada a cada dez anos pela Companhia do Metrô de São Paulo, indicam que cerca de 67% das 42 milhões de viagens diárias produzidas na região metropolitana de São Paulo são realizadas por modos motorizados (coletivo + individual) e 33 % por modos não motorizados (a pé + bicicleta).

Observa-se que, no período de dez anos (2007-2017), a taxa de motorização cresceu 15%; um aumento de 10,3% no total de viagens diárias; os deslocamentos por meios motorizados cresceram 12,4% e por não motorizados, 6,2%.

O principal crescimento de viagens motorizadas ocorreu no modo individual (15%). Entre os modos não motorizados, as bicicletas cresceram 24%, mas representam apenas 1% do total das viagens, e os percursos a pé 6%, atingiram 32% de todos os deslocamentos, segundo o Metrô.

É evidente que o uso dos modos não motorizados — especialmente “a pé” e “bicicleta” — vem, ainda que vagarosamente, se ampliando. No entanto, o espaço público da maioria das cidades brasileiras não se encontra preparado para ampliar a predisposição e a segurança dos pedestres e ciclistas, carecendo de atributos fundamentais à mobilidade ativa, entre eles: acessibilidade, conforto ambiental com arborização, mobiliários e equipamentos, pavimentação e dimensão adequadas, iluminação etc.

Corrobora com esse cenário, a ausência de um planejamento integrado entre sistema de transporte e uso do solo, em interface com projeto e desenho urbano do espaço público, a descontinuidade das políticas públicas, para além das diversas gestões e a pouca conscientização dos motoristas em relação aos direitos do pedestre e do ciclista, e vice-versa.

A mobilidade urbana sustentável requer uma visão sistêmica envolvendo o planejamento do uso do solo, com atividades e densidades diversificadas, o desenho do espaço urbano com implantação de infraestrutura completa para pedestres e ciclistas e outros modos não motorizados, e a integração dos diversos modos de transporte motorizados.

Todos esses aspectos, em constante transformação na cidade contemporânea, dependem do contexto e das especificidades de cada lugar e de uma boa governança que integre agentes públicos, privados e a sociedade civil. Enfim, é preciso preparar as cidades para as pessoas com vistas à uma vida mais saudável, pressuposto básico da mobilidade ativa.

*Angélica Tanus Benatti Alvim é Arquiteta e Urbanista, Mestre e Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Professora e Diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

**Viviane Manzione Rubio é Arquiteta e Urbanista, Mestre e Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Professora e Coordenadora Adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

 

 

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