Minha relação com a música, a cozinha e a política
Rafael Jasovich*
Pensando nas músicas que eu gosto, descobri que minha predileção é eclética, assim como os sabores das comidas que cozinho.
Estava na cozinha fazendo o que eu chamo de carne maluca, na realidade um roast-beef com um molho diferente. E enquanto arrumava os ingredientes, ouvia reggae do mestre Bob Marley , que som, que letra.
Ainda consigo comer carne uma vez por outra apesar do preço absurdo. Mas voltando à música…
Eu dou fã de MPB, de Forró. Talvez pela minha origem, gosto de tango de raiz com Gardel e Lepera. E também do tango moderno do mestre Astor Piazzola. Aprecio também blues e rock nacional antigo.
Peguei o lagarto temperei com sal, pimenta rosa, orégano e alho e reservei.
Gente, como eu, escuta música dependendo de seu estado anímico.
O tango faz parte dos anos de minha adolescência. Meus pais colocavam para tocar e dançavam tango como ninguém. Minha mãe me ensinou a gostar e dançar.
Cortei bastante cebola em rodelas e reservei assim como pimentão vermelho.
Sai do reggae e coloquei para tocar um forró com o mestre Gonzaga. Quando ouço Asa Branca vem à minha memória os retirantes, um deles o melhor presidente da história do Brasil.
Amarrei o lagarto com barbante e coloquei para dourar (selar), ficar bem moreninho.
Coloquei Aviões do Forro e enquanto dançava sozinho na cozinha calculava o tempo que falta para tirar o Bozo.
Na realidade eu não danço legal, só tango, mas tenho uma amiga que dança e adora mexer o esqueleto.
Dourada a carne reservei, fritei as cebolas e o pimentão até ficarem molinhos. Temperei com sal e orégano.
Estive vendo os doidos do cercadinho com faixas que pediam o golpe militar e Bozo presidente. Como diz um conhecido apresentador de TV: “Loucura, loucura”.
Coloquei o lagarto para cozinhar ainda ouvindo forró e comecei a ter saudades de músicas contra a ditadura de 64 (sim, foi ditadura e das bravas!). Foi ai que me lembrei do grande Chico Buarque. E ouvindo Apesar de Você dei uma animada.
Lagarto pronto tirei o barbante e coloquei no congelador para esfriar, ficar duro e poder cortar.
Agora já ouço tango, Gardel cantando,Adiós Muchachos, lembranças dos amigos que sucumbiram lutando por nós. Depois Meu Buenos Aires Querido, quantas saudades.
Tirei o lagarto e fui até a padaria de um amigo para ele fatiá-lo na máquina de cortar frios, bem fininho.
Para terminar o prato e a música, os comensais chegando: Piazzola, Adiós Nonino, tango feito pela memória do pai falecido. Arrepia.
Rapidamente antes de montar o prato e ouvindo Verano Portenho dei umas risadas sozinho de aqueles que chingam o STF como leões rugindo e quando as intimações da CPI chegam viram gatinhos pedindo Habeas Corpus.
Coloquei na travessa uma camada de cebola e pimentão, uma camada de carne e assim sucessivamente até completar tudo. Reguei com azeite e joguei umas azeitonas pretas azapa.
Meus amigos e amigas comeram como sanduíche no pão Francês e eu no prato, já que o meu regime me proibiu o pão.
O capitão rugia como um leão. Teve diarreia (não foi com um prato meu). Agora mia que nem gatinho. Mas cuidado, ele já fez isso várias vezes.
Agora sabem um pouco mais sobre mim.
Música e comida (bebida) se complementam. Gosto também de fumar um cigarrinho que ninguém é de ferro.
Avante Popolo.
*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional.