Mineração, método e território

Foto: Carlos Cruz

Por Denes Martins da Costa Lott*

A Vale anunciou que iniciará, em 2026, um novo ciclo de mineração em Itabira. A intervenção na Usina Cauê, apresentada como modernização tecnológica, poderia ser um marco de transparência e diálogo.

No entanto, como mostrou o jornalista Carlos Cruz, em reportagem publicada no Vila de Utopia em 5 de dezembro de 2025, questões fundamentais continuam sem resposta.

Essas questões dizem respeito à própria lógica da mineração em área urbana: vida útil das minas, impactos hidrogeológicos, estabilidade das estruturas, expansão das cavas, cumprimento das condicionantes ambientais e renovação do licenciamento global do complexo — vencido desde 2016. São temas que orientam não apenas a operação, mas o futuro da cidade.

A água é um exemplo central. Itabira perdeu todos os mananciais naturais a montante, e vive há décadas o rebaixamento progressivo dos aquíferos. O Projeto Rio Tanque, embora essencial ao abastecimento, não recompõe aquíferos exauridos nem devolve nascentes. Assim, é legítimo perguntar: quanto a Vale demandará de água? Como essa pressão adicional será gerida?

Somam-se a isso os planos de expandir as cavas Conceição e Minas do Meio — aproximando a lavra de bairros consolidados — e o histórico de condicionantes ambientais ainda não cumpridas, especialmente aquelas associadas à antiga Licença de Operação Corretiva (LOC) de 2000.

Diante desse contexto, duas perguntas se impõem: o que a Vale realmente sabe sobre o futuro de suas minas em Itabira? E o que aconteceria se dissesse com clareza — seja um cenário otimista ou pessimista?

Se as respostas forem otimistas, indicando reservas mais robustas, menor impacto hídrico e avanços geotécnicos, Itabira ganha tempo para planejar sua transição e discutir, com serenidade, o Fechamento de Mina — que, no século XXI, não é o fim da operação, mas o princípio que orienta toda a atividade minerária.

Se forem pessimistas, apontando esgotamento próximo, redução de Cfem, agravamento hídrico ou limitações técnicas, então diversas ações precisam começar imediatamente, pois a ausência de respostas não elimina o problema — apenas o empurra para adiante.

A repetição de um comportamento omissivo — seja na comunicação de riscos, na divulgação de dados técnicos ou na abordagem pública de temas sensíveis — ajuda a explicar por que a Vale deixou de figurar entre as três maiores mineradoras do planeta.

Em mercados maduros, empresas que evitam enfrentar questões estruturais perdem valor, não por incapacidade técnica, mas por desalinhamento entre seu porte e sua postura institucional. A Vale tem história, reputação e expertise suficientes para agir com maturidade proporcional ao seu tamanho.

Essa postura comunicacional importa também ao mercado global. Uma resposta otimista pressiona por maior responsabilidade socioambiental; uma resposta pessimista altera a percepção de risco e pode influenciar a curva mundial de oferta de minério de ferro.

Em ambos os casos, não é irrelevante para o mercado o que se diz — ou o que se cala — sobre Itabira.

Por isso, comunicação não é adorno institucional: é parte da governança. E governança, em mineração, é parte da segurança. Transparência não enfraquece empresas — as fortalece.

Itabira não exige segredos industriais; exige método, clareza e compromisso.

E nenhuma cidade pode planejar seu futuro na ausência das informações que definem seu destino.

A pior resposta continua sendo o silêncio.

Sem dados, não há planejamento.

Sem planejamento, não há transição.

E sem transição, não há futuro possível para o território — com ou sem mineração.

*Denes Martins da Costa Lott é advogado especializado em Direito Minerário e Ambiental, ex-secretário de Meio Ambiente de Itabira, atual secretário da Comissão de Direito Ambiental e Direito Minerário da OAB de Itabira. Atuou  por mais de duas décadas na Vale e é autor do livro ‘O Fechamento de Mina e a Utilização da Contribuição Financeira por Exploração Mineral’ (Editora Del Rey)

 

 

 

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