Mina de carvão é desativada no Vale do Ruhr, na Alemanha, e mineradora é homenageada

Carlos Cruz

A mina de carvão de Bottrop, cidade localizada no estado da Renânia do Norte-Vestfália, na região do Vale do Ruhr, na Alemanha, está sendo desativada. E, mesmo com a exaustão da mina, a empresa que a explora será homenageada pelo time de futebol Borussia Dortmund.

A homenagem é pela importância que a mineradora teve para o desenvolvimento diversificado da região, pelas reabilitações ambientais que executou ao longo dos anos, como também pelos projetos sustentáveis que foram implantados – e que asseguram a prosperidade econômica, social e cultural de toda a região.

Estádio arena construída pela mineradora em uma mina desativada (Fotos: Alamy stock)

A homenagem irá ocorrer no dia 21 de dezembro, durante a última partida deste ano, contra o Borussia Mönchengladbach. O time aurinegro irá entrar em campo com os dizeres na camisa: Danke, Kumpel! (Obrigado, companheiros!).

A informação é do site Mining.com Notícias, que publica artigo de Marcelo Vilela sobre a homenagem. “O fim da produção de carvão é o fim de uma grande era histórica”, afirma o diretor do time de futebol, Hans-Joachim Watzke.

Para ele, o desenvolvimento do Vale do Ruhr foi possível com os recursos advindos da mineração, tornando-se uma das regiões industriais mais importantes do mundo. “Tudo isso não teria sido possível sem mineração”, assegura o diretor de futebol.

Time de futebol Borussia Dortmund (Reprodução)

A mineração é a atividade mais importante da região do Vale do Ruhr. “Não só apenas por motivos econômicos, mas também por formar as características da sociedade e da cultura do local, e até mesmo por fundar os clubes de futebol”, escreve Marcelo Vilela.

“A mineração caracterizou a nossa região, assim como o futebol. Cada um dos grandes clubes de tradição, na região do Ruhr, nasceu do carvão e aço. Portanto carvão, aço, futebol e cerveja pertencem a esta região e se identificam conosco e com nossa cultura”, declarou ao site o diretor Hans-Joachim Watzke.

Mudanças estruturais

Na região do Vale do Ruhr, coração industrial da Alemanha, o avanço econômico do pós-guerra aumentou consideravelmente a demanda por mais carvão, aço e energia elétrica. A poluição e a dependência econômica eram semelhantes ao que se observa em Itabira, com as minas da Vale.

Mina reabilitada em Bottrop, no Vale do Ruhr, Alemanha (Reprodução)

Por muitos anos, a região alemã foi sinônimo de aço, carvão – e poluição. Por isso, nem sempre a relação das comunidades foi harmônica com a mineração.

No início da exploração, nos primórdios do século passado, um nevoeiro constante dominava a atmosfera, contaminada por fumaça e poeira.

Até a década de 1950 não havia filtros de poeira nas instalações industriais. Gases tóxicos eram lançados diretamente na atmosfera.

Nos altos-fornos formavam-se resíduos quentes, que eram despejados num aterro. “E o céu ficava vermelho, coberto de poeira”, descreve o engenheiro Rolf Beckmann, que dirige a EnergieAgentur.NRW, centro de competência independente para energias renováveis, proteção climática e eficiência energética no estado da Renânia do Norte-Vestfália.

“A poeira se acumulava nos peitoris das janelas. A roupa não podia ser estendida para secar fora de casa. Ela sempre ficava amarelada”, descreve. Alguma semelhança com o que ocorre em Itabira não é mera coincidência. “As pessoas ficavam doentes, contraíam câncer de pulmão, leucemia, doenças sanguíneas.”

Mina de carvão desativada, em fase de reabilitação (Reprodução)

Porém, com as cobranças das comunidades locais, ocorreu uma mudança estrutural. “Os políticos, os dirigentes das siderúrgicas e das mineradoras tiveram que ouvir os moradores, que se organizaram para cobrar as providências”, relembra o engenheiro.

Em consequência, as empresas investiram no controle ambiental, melhorando a qualidade do ar, com a instalação de filtros. E um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico foi implementado, o que implicou em mais qualidade de vida dos moradores. Com essas ações, melhorou também a imagem das mineradoras.

“Não adiantava criar novos parques na região do Vale do Ruhr onde as pessoas pudessem descansar depois do trabalho”, diz Beckmann. “Era preciso também ter ar para respirar.” Nos anos 1950, por volta de 4 milhões de pessoas viviam na região do Vale do Ruhr – a maioria trabalhava na indústria siderúrgica e na mineração.

Com as mudanças, ocorreu uma maior interação entre política, indústria e comunidades. “Os políticos tiveram de escutar o que as pessoas desejavam. Também a indústria foi logo percebendo que deveria ocorrer mudanças. Uma nova legislação foi instituída, criando uma situação aceitável para todos.”

Com as novas leis as indústrias foram obrigadas a utilizar tecnologias mais modernas de filtragem. Gases tóxicos e águas residuais passaram a ser removidos controladamente.

Torre de uma mina de carvão em Bottrop, no Vale do Ruhr: nos anos 1950, não havia filtros de poeira (Reprodução)

“Hoje, o céu sobre o Vale do Ruhr é realmente azul. Realizou-se com êxito a mudança da indústria de mineração para um polo econômico moderno com serviços, pesquisa e cultura”, descreve o engenheiro.

Em dez anos, Bottrop quer ser a cidade mais verde do Vale do Ruhr. E até 2020 quer diminuir em 70% a quantidade de emissão de CO2 na atmosfera, reduzindo em 50% a demanda de calefação e o consumo de energia em 70%.

Para isso, serão implementados projetos-modelo na área de energia eólica, solar e de biomassa. Pretende também explorar o pouco conhecido potencial da indústria do passado, e com ele, toda a infraestrutura em torno de minas desativadas, inclusive como forma de desenvolvimento do turismo.

Atualmente, alpinistas industriais escalam os antigos depósitos de minério, enquanto a polícia e os bombeiros treinam mergulho no gasômetro desativado – outro exemplo bem-sucedido da mudança estrutural e que também atrai turistas de todo o mundo.

Um exemplo a ser seguido pela Vale em Itabira

Trata-se de um exemplo que pode perfeitamente ser seguido pela Vale em Itabira. Para isso, basta que se faça um pacto de boa convivência e de apoio real ao desenvolvimento sustentável em todos os seus pilares econômico, social ambiental e cultural.

A empresa que nasceu em Itabira, atualmente mal se comunica com a comunidade local, que recentemente se abalou com a notícia de que as minas do complexo estão chegando ao fim, após mais de 76 anos de extração ininterrupta de minério de ferro em larga escala. Segundo relatório apresentado às bolsas de Nova Iorque, a previsão para a exaustão mineral agora é de apenas nove anos.

Minas do Meio em Itabira estão próximas da exaustão e devem servir para disposição de rejeito e estéril . Só depois será reabilitada, como já vem ocorrendo com a mina Cauê (Foto: Carlos Cruz)

Embora a mineradora seja obrigada, por lei, a apresentar à comunidade o seu plano de descomissionamento (fechamento) de minas, a Vale escamoteia a questão, alegando que ficará por mais tempo no município, processando minérios de outras localidades.

Com isso, foge de suas responsabilidades de dotar o município de uma infraestrutura mínima para assegurar a sua sustentabilidade sem a mineração, o que já há muito deveria ter ocorrido.

Agindo dessa forma, a mineradora não será homenageada pela população itabirana após a exaustão de suas minas, a não ser pelos áulicos de sempre. Ao contrário, se até a exaustão nada for feito para alterar esse quadro, será execrada.

E, pior ainda para a sua imagem, será apontada por Itabira ao mundo como péssimo exemplo para as cidades onde ela for minerar no futuro. Isso pelo que ocorreu no município, que lhe deu riqueza que a fez crescer e tornar-se uma das maiores mineradoras do mundo.

Ainda há tempo, pouco, é verdade, para reverter esse quadro – e de quebra, salvar a imagem que a Vale tenta construir, até aqui em vão, de empresa socioeconômica e ambientalmente responsável.

Infelizmente não é o que se observa, embora pregue o contrário. Mas pode vir a ser, desde que siga o exemplo da mina de carvão de Bottrop, na região do Vale do Ruhr, na Alemanha.

Que seja cobrada para que assim ocorra. Agindo como as mineradoras do Vale do Ruhr, salvando inclusive o Valério, poderá até ser homenageada no futuro próximo pelos seus moradores, deixando de ser execrada. O que sem dúvida será melhor para todos, empresa e município.

 

 

 

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