Meus versos

Foto: Rogério Reis/
Reprodução

Carlos Drummond de Andrade

1 – coração numeroso

Foi no Rio

eu passeava na Avenida quase meia noite

bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis

havia a promessa do mar

e bondes tilintavam,

abafando o calor

que soprava no vento

e o vento vinha de Minas.

Meus paralíticos sonhos desgosto de viver

a vida para mim é vontade de morrer

faziam de mim homem realejo imperturbavelmente

na Galeria Cruzeiro quente quente

e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento

nenhuma vontade de beber, eu disse acabemos com isso.

Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas

autos abertos correndo caminho do mar

voluptuosidade errante do calor

mil presentes da vida aos homens indiferentes

que meu coração bateu forte meus olhos inúteis choraram

O mar batia em meu peito, já não batia no cais

A rua acabou, quede as árvores a cidade sou eu

sou eu a cidade

meu amor.

[Alguma Poesia]

2 – música

À Pedro Nava

Uma coisa triste no fundo da sala.

Me disseram que era Chopim.

A mulher de braços redondos como pernas

martelava na dentadura dura

sob o lustre respeitável

E considerei nas contas que era preciso pagar

nos passos que era preciso correr

nas dificuldades…

Enquadrei o Chopin na minha tristeza

e na dentadura amarela e preta

meus cuidados avoaram que nem borboletas.

3 – igreja

Tijolo

andaimes

água

tijolo

o canto dos homens trabalhando trabalhando

mais perto do céu

cada vez mais perto

mais

mais perto

mais

A torre

E pelos domingos a litania dos perdões o murmúrio das invocações

Há um padre que fala do inferno

Sem nunca ter ido lá

Pernas de seda ajoelham mostrando giolhos

Um sino canta a saudade de qualquer coisa sabida e já esquecida.

A manhã pintou-se de azul

No adro ficou o ateu

No alto fica Deus

Domingo…

Bem bão! Bem bão!

(Minha terra tem palmeiras)

[Os três poemas estão em Alguma Poesia. Os transcritos para a publicação na Vila de Utopia mantive a versão publicação em A Revista ano 1, n.2, ag. 1925 – Cristina Silveira]

 

 

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1 Comentário

  1. A cada vez que meu coração sofre pelos crimes cometidos pela mineradora e nem o governo e nem itabiranos defendem a sanidade a coisa certa eu penso no poeta Drummond o justiceiro a usar a palavra na defesa da Cidade mas Itabira não há mais virou crime a céu aberto morte Morte Morte é o que a mineradora pratica no corpo da cidade Canalhada!
    Os donos e diretores da mineradora são criminosos ignorantes e atrasados sem sensibilidade são monstros ignóbeis rastejantes viciados em dinheiro e maldade
    Viva o poeta Drummond!

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