Melhoria da qualidade da água exige soluções baseadas na Natureza (SbN)

No destaque, o rio Tanque, em Itabira, MG: reabilitação da mata ciliar deve figurar como condicionante para se fazer a transposição de água para abastecer a cidade e a Vale, que deve pagar a conta uma vez que a mineradora vai ficar, inicialmente, com cerca de 400 litros por segundo de um total de 600 l/s que serão captados

Foto: Carlos Cruz

Uma das principais medidas para aperfeiçoar o sistema de abastecimento é a restauração de cobertura vegetal em pontos estratégicos das bacias hidrográficas

Por Luciano Fontes

EcoDebate – Passado um ano da chamada “crise da geosmina”, substância orgânica produzida por algas que provoca mau cheiro e gosto ruim na água fornecida pela Companhia de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro (Cedae), a população da Região Metropolitana continua sofrendo com a qualidade do abastecimento.

Os relatos que voltaram a ocorrer desde janeiro renovam a preocupação com a crise hídrica na Estação de Tratamento de Água (ETA) Guandu, comprometendo o fornecimento para 11 milhões de habitantes. Para melhorar a qualidade da água, não apenas em relação à geosmina, especialistas defendem a implantação de Soluções Baseadas na Natureza (SBN), que também podem gerar economia de recursos para os cofres públicos.

A restauração do solo da Bacia Hidrográfica do Rio Guandu, por exemplo, faria com que menos sedimentos fossem depositados nas águas e, consequentemente, com que o poder público economizasse em gastos em dragagem dos reservatórios e aquisição de produtos químicos para tratamento. A melhoria na qualidade da água proporcionada pela infraestrutura natural pouparia aos cofres públicos R$ 156 milhões em 30 anos.

De acordo com estudo realizado pela World Resources Institute (WRI), em parceria com a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e outras organizações, em 2018, a degradação da paisagem e a derrubada da vegetação nativa na bacia do Guandu ao longo dos anos agravaram a erosão do solo e aumentaram o carregamento de sedimentos para os cursos d’água, o que gerou maior poluição e turbidez nas águas.

Para se ter ideia do que isso representa, a Cedae usa, por dia, cerca de 140 toneladas de sulfato de alumínio, 30 toneladas de cloreto férrico e 15 toneladas de cloro, entre outras substâncias, para o tratamento das águas do Guandu.

A ETA Guandu, considerada a maior estação de tratamento de água do mundo, processa 92% da água consumida pelas mais de 11 milhões de pessoas que vivem nos 22 municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com capacidade para 3,7 bilhões de litros de água por dia.

Para atender à demanda em 2030, a bacia do Guandu deverá aumentar a oferta de água tratada para abastecimento público entre 17% e 58%, segundo o estudo. Essa variação responde essencialmente à combinação de crescimento da renda real per capita e à capacidade de diminuição das perdas do sistema.

No cenário considerado factível pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos – com índices de perdas e crescimento econômico intermediários entre extremos otimistas e tendenciais –, o Guandu deverá ampliar sua oferta em 28% daqui dez anos.

Cidades baseadas na natureza

“É aí que entra a infraestrutura natural. Cidades inteligentes e baseadas na natureza usam serviços ecossistêmicos fornecidos pelo meio ambiente para complementar ou potencializar estruturas convencionais de infraestrutura urbana. Na gestão hídrica, uma das principais Soluções Baseadas na Natureza usada para aperfeiçoar o sistema de abastecimento é a restauração de cobertura vegetal em pontos estratégicos das bacias hidrográficas”, explica o gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, André Ferretti.

O estudo “Infraestrutura natural para água no Sistema Guandu, Rio de Janeiro” estima que a restauração florestal na bacia do Guandu requer um investimento total de R$ 103 milhões em 14 anos. O cálculo considerou gastos como a compra, o transporte e o plantio das mudas, a preparação da área, a adubação, a mão de obra e cercamentos. Levou ainda em consideração despesas incorridas para identificar, sensibilizar e engajar proprietários de terras nos projetos de restauração.

Por meio das SBNs, é possível gerar benefícios como o controle da erosão do solo e aumento de sua permeabilidade, filtragem de sedimentos, mitigação dos efeitos de enchentes e estiagens, e regulação do fluxo hídrico. “São serviços que auxiliam as estruturas convencionais de barragens, reservatórios, muros de contenção ou estações de tratamento de água”, aponta Ferretti.

Para Cecília Herzog, paisagista urbana, especialista em Preservação Ambiental das Cidades e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), as SBN podem – e devem – estar distribuídas pelas áreas urbanizadas e ao longo de rodovias, de modo a contribuir com a prevenção dos contaminantes levados aos rios pelas chuvas.

“Essas soluções atendem a contextos específicos, podendo receber a água em diversas tipologias, tais como biovaletas ao longo de estradas, conectando jardins de chuva, canteiros pluviais, tetos verdes e alagados construídos. A própria estação de tratamento poderia ser atualizada para uma estação de águas baseada na natureza, com jardins filtrantes nas imensas áreas que represam as águas do sistema Guandu”, avalia a especialista.

Outra solução apontada por Cecília é a construção de estações de tratamento de esgoto descentralizadas e de baixo custo. “Seria possível aproveitar os 99% de água que o esgoto contém, devolvendo água limpa para o sistema hídrico, aproveitando o lodo para a produção de adubo e o gás metano para energia”, salienta.

 

 

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