Marco Antônio diz que em agosto divulga o projeto Itabira Sustentável, resultado das negociações de projetos estruturantes com a Vale
Nenhuma cidade no mundo convive com a mineração tão próxima como Itabira, desde 1942
Desde que assumiu, em janeiro de 2021, o prefeito Marco Antônio Lage negocia com a mineradora Vale um conjunto de investimentos, que ele chama de estruturantes, para assegurar o desenvolvimento sustentável de Itabira mesmo após o fim do minério, agora previsto pela mineradora para 2041.
Criou-se até mesmo a expectativa de que esse pacote de investimentos seria anunciado em junho do ano passado, nas celebrações dos 80 anos do início da exploração ininterrupta (só parou na greve de abril 1989) de minério de ferro na então Cidadezinha Qualquer, mas que tinha uma economia diversificada, inclusive com duas fábricas de tecidos (Pedreira e Gabiroba), além de inúmeras fundições e manufaturas diversas.
Pois mesmo que a Vale não participe do anúncio oficial, o prefeito diz que vai divulgar em agosto todo o teor do projeto Itabira Sustentável, no qual constarão os tais projetos estruturantes que terão participação financeira da Vale, como parte do pagamento da dívida histórica para com Itabira, que ela não assume publicamente a sua existência, mas sabe que existe.
Nesta terceira e última parte da entrevista com o prefeito, a pauta gira em torno justamente dessas negociações com a mineradora, além de outras pendências, como a necessidade de se realizar uma Audiência Pública na cidade, antes que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) renove a licença ambiental da Vale para continuar a minerar em Itabira, que está vencida desde 2016. Confira. (Carlos Cruz)

Prefeito, como está a questão das condicionantes da renovação antecipada da concessão da EFVM. Quando terá início as mudanças nas linhas férreas?
As condicionantes já foram acertadas entre a empresa e o governo federal. A Vale deve começar a executar as obras dentro de uma programação estabelecida.
Serão retiradas da cidade as passagens de nível (Vila Paciência, Vila Amélia, Alto Pereira). Antes, pelo que foi acordado entre a Vale e o governo anterior, ocorreria a interdição do trecho inicial da estrada de 105, em frente à Funcesi, que ficaria exclusivo para acesso às operações da Vale.
Com isso, caminhões e demais veículos que precisassem acessar a 105, seguiriam em frente passando pelo viaduto do Areão, seguindo até mais à frente no Alto Pereira, onde se construiria uma rotatória para acessar a estrada, passando pela Vila Amélia. Não concordei e propus mudança. Imagine o transtorno que traria aos moradores.
Isso atrasou o processo. O governo anterior pretendia abrir mais uma avenida no trecho ferroviário que será desativado. Propomos a instalação de parques lineares. Itabira é uma cidade em que o pai, ou a mãe, não tem onde levar o filho para andar de bicicleta, por exemplo. Ou mesmo para as pessoas fazerem uma caminhada sem ser em avenidas com trânsito intenso. A proposta dos parques lineares é para o lazer social e recreativo.
E a Vale concorda com essa proposta de mudança ou ela não tem que concordar, pois é o prefeito quem decide o que fazer com esse trecho ferroviário a ser desativado?
Sim, mas ela concordou também. Mas antes vão ser ouvidas as comunidades locais, para ver se essa é também a vontade dos moradores, não só do prefeito. É o que eu defendo: Itabira não precisa de novas avenidas para abrir novos bairros. Precisa de espaços recreativos, bucólicos, culturais.
Com os três parques lineares que esperamos instalar nesse trecho ferroviário que será desativado, Itabira vai dispor de 8 quilômetros de ciclovias, com espaços para a prática de esportes, e muita convivência. Um trecho que hoje, com a linha, divide os bairros (Vila Paciência, Vila Amélia, São Joaquim, Alto Pereira, Areão). Com os parques, eles vão se unir em espaços comuns de lazer, convivência e cultura.

Além desses projetos ferroviários, a Prefeitura negocia com a Vale outros projetos estruturantes para o município, conforme foi anunciado em entrevista a este site. Mas desde então nada aconteceu. A estimativa era de que a Vale investirá cerca de R$ 5 bi em Itabira. O que aconteceu que até hoje nada saiu?
A proposta que fizemos no início do meu governo é de mudança de relacionamento e parcerias. Não queremos mais pequenos favores da Vale, mas soluções para antigos problemas, assim como também para estruturar um planejamento estratégico.
Demos início a uma série de reuniões. A Vale contratou uma consultoria internacional e em agosto devemos fazer uma divulgação dos resultados, com a Vale ou sem ela, que tem as suas diretrizes de comunicação.
Vamos lançar o projeto Itabira Sustentável com 61 ações de curto e médio prazo, divididas em 15 eixos estratégicos, definidos com a Vale e participação da sociedade civil, que é para integrar o planejamento dos investimentos estruturantes no município.
A Vale só confirma esses projetos genericamente, diz que as negociações estão em curso, confirmando a contratação da consultoria internacional.
A Vale tem as suas estratégias de anunciar, não quer fazer estardalhaço, até em função de outros territórios. Mas o importante a ressaltar é que o projeto já está praticamente fechado. E pela primeira vez Itabira vai ter um projeto de desenvolvimento sustentável bem organizado, já se preparando para o fim do ciclo mineral que se avizinha.
Criou-se a expectativa de haver uma formalidade por parte da Vale, assumindo esses projetos publicamente. Então isso não vai acontecer?
Estamos trabalhando com a comunicação da Vale, do Rio, para ver isso. A Vale é cheia de dedos e estratégias. Eu não posso falar pela empresa, mas a minha percepção é que ela prefere tratar isso mais como um processo, sem anúncio de pacotão de benfeitorias, fazendo o que tem de acontecer, sem estardalhaço. Isso até para não abrir negociações similares em outros territórios.
A duplicação da rodovia estadual que liga Itabira à BR 381/262 está incluída?
Sim, a duplicação da rodovia, para mim é o principal investimento estruturante, pois coloca Itabira praticamente dentro da região metropolitana de Belo Horizonte. A sua duplicação é premissa na estratégia de desenvolvimento sustentável e diversificado de Itabira ainda durante e após a exaustão mineral.
Como estão as negociações em torno da duplicação da rodovia?
Tem a possibilidade de o projeto entrar (no rateio) dos R$ 37 bi da indenização da Vale pela tragédia de Brumadinho ao governo do Estado. Mas se isso não acontecer, de qualquer forma a Vale entende que a duplicação da rodovia é estratégica para Itabira e região.
Agora, se ela vai bancar um terço, dois terços ou três terços do investimento, isso ainda depende de negociações.

Acredita que esses projetos em parceria com a Vale serão realizados ainda nesta gestão? Vai dar tempo?
Alguma coisa sim, alguns projetos de curto prazo. Por exemplo, devemos dar início à implantação do projeto de mobilidade urbana. Devemos definir também o projeto do novo eco distrito industrial, que contará com sistema de tratamento de esgoto, energia solar, com toda infraestrutura pronta para atrair novas indústrias.
Já tem definida a localização?
Estamos com três possibilidades: uma é perto do atual distrito, mas aí temos a questão ambiental com a proximidade com o manancial da Pureza. Outra é na região do bairro Chapada, e a terceira na fazenda Palestina.
E próximo da ferrovia, em direção à Nova Era, não poderia ser outra alternativa?
Não temos áreas disponíveis, a topografia é muita acidentada, o que exigiria grande movimentação de terra. Vamos fechar o projeto para o eco distrito ser instalado na próxima gestão.
E como está o cumprimento pela Vale do Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público para a transposição de água do rio Tanque para abastecer a cidade?
Tem andado, mas alguns obstáculos apareceram. A nossa expectativa era antecipar a sua inauguração de 2025 para 2024, mas não vai ser fácil, deve ter um atraso de uns oito meses no cronograma. Isso por conta de indenizações que terão de ser feitas a proprietários, sendo que falta água em muitas propriedades.
Seria um contrassenso passar com toda essa água em suas terras, sem que se tenha disponibilidade hídrica nessas propriedades. A compensação deve ocorrer com abertura de poços artesianos, além de fossas sépticas. Isso vamos fazer também em outras propriedades, um investimento de R$ 17 milhões para cobrir 75% do território de Itabira, beneficiando moradores de 100 vilas rurais do nosso município.

Então muito provavelmente neste governo o itabirano ainda não vai ver jorrar água do rio Tanque nas torneiras das residências?
Eu ainda tenho esperança que sim, no final de 2024, que é o prazo que havia sido acordado com o Ministério Público e com a Aecom (empresa de consultoria).
Esses investimentos em fossas sépticas e poços artesianos são parte das condicionantes pela transposição da água do rio Tanque, para despoluir os afluentes?
Não, ainda não se trata de condicionantes, até porque essas precisam ser definidas no processo de licenciamento. É projeto de nosso governo e que incluirão as propriedades rurais por onde vai passar a adutora.
A relação da Vale com Itabira é historicamente conflituosa de amor e ódio, como ocorre na estiagem, com a falta de água e a intensa poluição do ar por partículas de minério. Isso foi tratado nas negociações?
É um tema que temos tratado com toda transparência com o pessoal da Vale que faz a interlocução com a gente e a nossa posição é clara. As questões ambientais são inegociáveis.
A Vale precisa cumprir todas as suas obrigações sociais, sobretudo as ambientais. A poluição do ar nos preocupa muito e temos que ser rigorosos nas cobranças. Queremos que a Vale adote em Itabira as mesmas tecnologias de controle que adota em outras minas no país e no mundo.
Mas o que temos visto é a empresa querendo flexibilizar a legislação municipal que torna mais restritivos os índices máximos toleráveis de poeira.
Se a Vale não tem condição de atender ao que dispõe a legislação de imediato, que ela então pague as multas e compense Itabira de alguma outra forma. O que é inadmissível é continuar como está.
A Vale devia também pedir a desculpas a Itabira por sujar a cidade e as residências com o pó preto de minério, coisa que ela nunca fez.
Além de pedir desculpa ela tem que compensar a cidade por essa poluição. Estamos falando de saúde pública. Mas essa cobrança não interfere nas negociações, não impede o seu desenvolvimento que tem transcorrido de forma bem profissional.

Mas quando se trata de poluição temos que ser implacáveis, independentemente do bom relacionamento que temos com a Vale e que assim pretendemos manter de modo civilzado, transparente, democrático, mas sem esquecer das questões ambientais e sociais.
A licença ambiental da Vale para minerar em Itabira está vencida desde 2016. O Codema aprovou e o secretário de Meio Ambiente já encaminhou pedido à Semad para que se faça audiência pública antes de sua renovação.
É uma oportunidade que a sociedade itabirana tem para discutir as pendências ambientais com a renovação da licença, de atualizar os procedimentos sobre o ponto de vista de tecnologia, do volume e dos novos impactos da exploração mineral.
Apoiamos a realização da Audiência Pública para que se tenha uma nova anuência do município. A mineração é necessária e queremos a sua continuidade em Itabira. Mas eu acho um absurdo que, após oito décadas, a minero dependência continue em Itabira. Hoje, infelizmente, sem a exploração mineral, se o minério acabar agora, a cidade viveria um caos.
A Audiência Pública será uma oportunidade de a sociedade cobrar da Vale as obrigações sociais e ambientais. A empresa precisa da renovação da licença ambiental, nós também a queremos. Mas que seja renovada à luz da nova legislação advinda após as tragédias de Mariana e Brumadinho, ouvindo os moradores, sobretudo os que residem abaixo dessas estruturas de contenção de rejeitos.
A barragem Itabiruçu vai ser alteada, como fica a situação de quem vive abaixo dessa imensa estrutura?
É mais uma pauta a ser discutida não só quanto à desvalorização dos imóveis, mas sobretudo da segurança dos moradores. Isso porque nem mesmo a Vale tem condição de dizer que não tem problema, que o risco é zero (de rompimento).
Tanto é que o presídio não pôde continuar funcionando, tendo sido desativado pela falta de segurança para os detentos e agentes penitenciários (em caso de ruptura da barragem).

Com relação ao presídio, a posição da Prefeitura é de cobrar a construção de um novo do mesmo porte que o do Rio de Peixe?
Tem que ser isso. A minha posição é muito clara: que a Vale construa um novo presídio de igual porte, ela deve isso a Itabira. Quando eu falo que a prefeitura não vai investir um real público em presídio, não vai mesmo, pelo menos no meu governo.
Não é obrigação do município, é dívida da Vale. A prefeitura pode até disponibilizar o terreno para a sua construção, mas que não seja um presídio de grande porte. Quando eu digo isso, tenho sido mal interpretado, por não ter assinado documento com a anuência para a construção de um presídio de grande porte.
Não cometi a loucura de aceitar um presídio que poderia receber até mais de 2 mil presos, com todos os impactos decorrentes. Alegam que o presidio geraria empregos. O que Itabira precisa é de indústrias limpas para se renovar e criar novas bases para o seu desenvolvimento.
Presídio do mesmo porte do Rio de Peixe é o que queremos e vamos continuar cobrando da Vale e do governo estadual.

É o que os familiares dos detentos também cobram, todos querem o presídio de volta
Sim, um presídio para os detentos de Itabira e região cumprirem pena. São cerca de 400 itabiranos nessas condições, sendo que a metade já condenada e a outra aguardando julgamento.
Para muitos desses detentos (de menor periculosidade e pena menor) temos a Apac (Associação de Proteção ao Condenado) já instalada em Itabira e que está sendo ampliada. Acredito que ela consegue receber metade desses presos, a outra metade é que iria para o presídio de pequeno porte que queremos para Itabira.
O Prefeito não quer avenida onde será desativada a ferrovia? Pois bem Senhor prefeito para início de conversa uma avenida seria bem vinda naquele local , desafogando o trânsito caótico de Itabira , segundo ponto ; retirando a estrada 105 onde diariamente circulam veículos pesados da mina Conceição e Cauê e vice-versa o senhor então aprovaria o trânsito destes veículos dentro da cidade? Mais um questionamento a construção de um parque linear como Senhor propõe não seria apenas um local para usuários de drogas, pois é uma região cercada de matas local ermo e pela geografia local o traçado da ferrovia é ideal para uma avenida , pois o que sei até o projeto da mesma está pronto.