marcelo dolabela é Drummond

Foto: Luciana Tonelli 

Por Regi Guerra

A mãe do marcelo era Drummond. Possivelmente do ramo dos Drummond que saíram de Itabira para colonizar a região do Baixo rio Doce e Alto Caparaó.

Brumas na onda de frio em Laginha, terra natal de marcelo dolabela (Foto: Reprodução)

Mas marcelo é mil vezes mais Drummond na sua obra poética. Desde pequeno, todas as noites lá na distante Lajinha, seu pai lia poesia para os filhos. René Dolabela, poeta e homem muito culto, ensinava aos filhos a apreciação da Poesia e da Música, em sessões de absoluta concentração para educação dos cinco sentidos.

Drummond era presença constante nessas soirées. René Dolabela comprava todos os livros de poesia de Drummond e transmitia aos filhos a sua admiração pelo poeta.

Na obra do marcelo, a influência de Drummond está presente de diferentes formas: em vários poemas, nas aulas de Língua Portuguesa das quais ele adorava ser professor, nos seus escritos sobre a poética de Drummond nas crônicas do jornal Hoje em Dia; sem contar sua participação nos eventos do Dia D em Belo Horizonte.

Para começar esta nova série, deixo o poema “Contemplação no Campo das Flores” escrito a partir do poema “Campo de Flores” de Drummond, leitura que marcelo preparou para o Dia D em 2012.

Contemplação no Campo das Flores

marcelo dolabela

mas e eu que não me sabia,

cansado de mim julgava,

pois jamais me sorria

a cortina de palavras.

a angústia na mão esquerda,

a outra voz acaricia,

ladrilhando minhas mãos,

na doação da ironia.

quando os frutos são colhidos

das palavras da cortina,

quem sabe da flor que aí

humaniza-se sanguínea?

da bruma de nosso rio,

qual irmão nos chamaria.

da região tão minúscula

das formas puras do dia.

longo pensar de uma flor

que vai num estreito rio

e traz no sangue, no vento:

chuva, calor, terra, frio.

e os pés e as mãos dos homens

co’ a mais humana sanguínea;

triste é não ter um só verso

pra povoar as esquinas.

(1994)

Campo de Flores

Carlos Drummond de Andrade

Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus – ou foi talvez o Diabo – deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.

Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.

Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.

Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.

E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo mais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.

Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes,
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.

Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.

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2 Comentários

  1. Parabens, Regina . Resgatar Marcelo e a produção dele , nas memórias do tempo e da colheita das sementes, simbolizam um eternizar um trabalho lapidado . Aguardo o próximo, para eu me abastecer do trabalho de garimpagem , que você está ressuscitando .

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