Manifesto de Maria Alice, primeira presidente do Codema, é censurado na Consulta Pública sobre ampliação de minas da Vale em Itabira

Maria Alice no jardim de sua casa

Foto: Carlos Cruz

A professora de Geografia aposentada, Maria Alice de Oliveira Lage, 80 anos, não pôde comparecer à Consulta Pública realizada nessa segunda-feira (12), no auditório do Paço Municipal Juscelino Kubitschek, sede da Prefeitura de Itabira.

No entanto, redigiu e encaminhou um manifesto ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema), solicitando que fosse lido durante o evento.

O documento, que traz reflexões sobre os impactos da mineração e a necessidade de transparência na tomada de decisões, foi entregue à secretária Municipal de Meio Ambiente, Elaine Mendes, mas teve sua leitura negada.

Inicialmente, ao receber o documento, ela concordou com a leitura, mas, ao final do encontro, estranhamente, mudou de ideia, após ler o manifesto.

Ao ser lembrada do pedido, desconsiderou sua promessa, afirmando que o texto não continha questionamentos relevantes que já não tivessem sido abordados.

Disse, no entanto, que, em respeito à história de Maria Alice, o manifesto seria enviado ao Estado para compor o parecer técnico do Codema.

O desfecho representou mais um claro cerceamento da participação pública e um gesto que pode ser traduzido como desprezo à trajetória da primeira presidente do Codema, que atuou no conselho entre 1985 e 1997.

Maria Alice é uma das figuras mais relevantes na luta ambiental em Itabira, tendo sido uma das primeiras vozes a questionar os impactos da mineração e a cobrar medidas mitigadoras por parte da mineradora Vale.

“A gente não agia sozinha, tinha toda uma equipe lutando pelo meio ambiente na cidade”, relembrou, modestamente, a professora em recente entrevista a este site.

A leitura do manifesto não levaria mais que cinco minutos, mas representava uma homenagem à história de luta da primeira presidente do Codema, que dedicou décadas à defesa ambiental de Itabira.

Para registro e conhecimento, segue a íntegra do manifesto censurado na Consulta Pública do Codema.

Manifesto à população de Itabira e aos conselheiros do Codema
Maria Alice presidiu o Codema de Itabira por 12 anos e manteve inúmeros embates com a mineradora Vale pelos impactos ambientais que permanecem nos dias atuais (Foto: Eduardo Cruz)

A reunião pública desta segunda-feira (12) será um momento histórico, ou não, dependendo dos resultados. A sociedade itabirana se reunirá para cobrar justiça ambiental para uma cidade há décadas minerada.

As questões ambientais se avolumam. A audiência pública assusta? Então chamemos de reunião pública ou consulta popular. O nome pouco importa, desde que cada participante tenha liberdade para expressar o que vê e sente em uma cidade sufocada pela poluição da mineração.

A líder comunitária Maria Inês Alvarenga, no portal Vila de Utopia, faz colocações importantes:
“… vai nos restar poeira, barragens e buracos. São oito décadas de exploração. A Vale nasceu aqui e se tornou o que é hoje por causa de Itabira.”

O que mais essa empresa ainda deseja da cidade, do meio ambiente e dos moradores? Continuar destruindo sem medidas mitigadoras e compensatórias à altura de mais um empreendimento minerário?

Não foi esse o sonho de Itabira no passado, quando ainda se idealizava a exploração do minério do Cauê.

Não se esperava que aqui fosse instalada uma multinacional que ignora a cidade onde nasceu e cresceu. Precisamos de uma empresa que tenha compromisso real com o meio ambiente e os moradores.

A ampliação das minas da Vale é possível, desde que todas as pendências sejam resolvidas e os impactos ambientais compensados aqui, no próprio município de Itabira.

A professora e ativista Ana Gabriela Chaves Ferreira, também no portal Vila de Utopia, aborda a resistência silenciosa dos moradores, que não participam dos simulados de rompimento de barragem. Segundo ela: “Sua recusa é resistência! Sua ausência é denúncia!”

Ela critica o termo autossalvamento, que transfere para os moradores a responsabilidade pela própria sobrevivência, ignorando que muitos não terão como escapar a tempo da lama da morte.

Exigimos respeito e responsabilidade

Não se trata de ser contra a expansão das minas. Sabemos da importância da mineração para o município, mesmo com a riqueza finita chegando ao fim. Mas exigimos responsabilidade e respeito à população e ao meio ambiente.

A conselheira da OAB, advogada Patrícia Freitas, destacou em reportagem publicada na Vila de Utopia a ausência de compensações significativas para Itabira, enquanto a Vale doa terrenos para o Parque Nacional de Gandarela e repassa recursos para projetos ambientais fora da cidade.

Para Itabira, virá apenas um viveiro de mudas? Convenhamos, é muito pouco.

O parecer técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente omite problemas ambientais gravíssimos que a mineração provoca na cidade: escassez de água, poluição do ar, explosões, vibrações, barragens, crateras, destruição da flora e fauna.

Trocar esse passivo ambiental por um horto florestal é insuficiente. Falta uma mobilização para exigir medidas reais e eficazes.

Precisamos de soluções definitivas para controlar a poeira e acabar com a poluição atmosférica, a exemplo do que a Vale diz estar fazendo em Vitória, no porto de Tubarão.

Onde está o cinturão verde entre as minas e a cidade? Onde está esse mesmo cinturão entre a ferrovia e os bairros, por onde passa o maior trem do mundo? Cadê os hortos florestais em Itabira?

Onde estão os projetos estruturantes do Itabira Sustentável, que só existem no papel? São promessas vazias, como tantas outras que a mineradora propagandeia e não cumpre.

Nesta reunião pública, é preciso cobrar a implementação das condicionantes ambientais não cumpridas da LOC, como a criação integral das unidades de conservação, incluindo a conclusão do Parque Municipal Ribeirão de São José, onde deveria haver um parque temático de energias renováveis.

O que aconteceu com a Central de Resíduos que seria um modelo semelhante ao de Camaçari, na Bahia? Cadê o programa de educação ambiental e os planos de comunicação objetiva e transparente que também constavam das condicionantes permanentes da LOC?

Foram simplesmente ignoradas e precisamos cobrar os seus retornos.

A LOC foi aprovada em 2000, e é lamentável que, depois de tantos anos, a população ainda precise cobrar o que já deveria ter sido implementado.

Ainda enfrentamos escassez de água, tanto em quantidade quanto em qualidade.

Por que demorou tanto para que se buscasse uma solução definitiva, agora com a transposição de água do Rio Tanque?

Será mesmo a resposta para esse problema? Espero que sim. Mas, como Tutu Caramujo, seguimos desconfiados diante da “derrota incomparável”.

Dorme, Itabira. Acordará algum dia? Espero que sim. Ainda guardo essa esperança.

Itabira, 12 de maio de 2025.

Maria Alice de Oliveira Lage

 

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1 Comentário

  1. O Medo, querida Maria Alice.
    As sociedades de todo o mundo estão adoecidas, fora da realidade são vitimas da síndrome de “Alice no país das Maravilhas”, portanto, não fazem ideia do que é o capitalismo mesmo quando querem aderir à selvageria.
    Em janeiro de 1986, Maria Alice, “simples professora” publicou o artigo EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE, no jornal O Cometa Itabirano, nos ensinou, nos despertou para a realidade ao tratar da presença nefasta da mineradora na cidade, nos falou sobre CONSTITUIÇÃO, abriu os nossos olhos para a perspectiva histórica de futuro.
    Censurar a senhora d. Maria Alice de Oliveira Lage é ignorância e atraso mental, desses corpos idolatras!
    O que se pensa que é? Que gente sem educação!
    Agora a derrota é nossa, mas será de todos no futuro próximo.
    Querida Maria Alice, você faz parte da história de Itabira, não será esquecida, já essa turma berda merda, se forem lembrados os registros históricos lhe chamarão lesas-pátrias.
    Exaurida com mais essa derrota vou ler o livro, ITABIRA NOS VERSOS DE DRUMMOND, da professora Delci Cristina Martins Alves. E a esse Batalhão da Força Poluidora eu os mando catar coquinho na cava dolorida do Cauê, que vão peidá n’água na represa-monstro serpenteando a estrada de Itabira para Santa Maria de Itabira.
    Viva a nossa Maria Alice de Oliveira Lage!!!!

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