Madalena não Gosta de Poema: revolução do pré-carnaval Itabirano teve início em 2015 a partir de uma caixa de isopor e hoje se consolida na cidade

Foto: Filipe Augusto/
Ascom/PMI

Quem diria que de uma simples brincadeira irreverente em torno de uma caixa de isopor carregada de cerveja gelada, que acompanhava o agitador cultural carnavalesco Herbert Rosa, cansado da mesmice do não carnaval itabirano, surgiria uma potência de arregimentação de milhares de foliões, percussor de novos blocos, como se viu agora na apresentação no pré-carnaval Abre Alas?

No pré-carnaval itabirano foram três dias de folias como esquentamento para o Carnaval 2025,  com um crescente número de blocos e foliões fazendo a festa da alegria e descontração.

O bloco Madalena Não Gosta de Poemas, surgiu espontaneamente há 10 anos, em 2015, ainda sem apoio do poder público, a partir de uma caixa de isopor carregada de cervejas geladas, batizada de Madalena.

Transformou-se no grande bloco pré-carnavalesco na terra de Drummond, ganhando o provocativo nome, uma ironia em uma cidade onde tudo girava (e ainda gira) em torno do poeta maior e filho mais ilustre de Itabira, sobrando naquele tempo, poucos espaços para as demais manifestações artísticas na cidade.

Pois foi dessa provocação que tudo mudou com Madalena, e principalmente após a eleição de Marco Antônio Lage (PSB), em 2021, mudando também o cenário cultural e carnavalesco da cidade. O resultado dessa revolução cultural carnavalesca pôde ser visto e curtido nos três dias de folia com o pré-carnaval Haja Amor.

O bloco Madalena não Gosta de Poema completou 10 anos neste ano, mais uma vez arrastando uma multidão que cresce a cada ano (Foto: Filipe Augusto/Ascom/PMI)

Filosofia de Madalena

“Não é que Madalena não goste de poemas, pelo contrário, ela gosta muito. Só não gosta quando há exagero nisso, esquecendo-se de outras artes”, explicou Herbert Rosa, em entrevista a este site em 27 de janeiro de 2018, quando o bloco ainda não tinha apoio do poder municipal, mas já era acompanhado por uma multidão.

Assim como no poema de Drummond (sempre ele), manteve-se no pré-carnaval itabirano a tradição de “estar sempre bêbado, além do imaginário e do real”, mas mantendo-se “sempre sóbrio para pintar a bebedeira”, como escreveu o nosso vate sobre o quadro de Gentil Homem Bêbado, de Carré, seguindo conselho de Baudelaire.

Portanto, com ou sem moderação, beba-se e poetize, seja seguindo os blocos no pré e no carnaval, “pois não há pecado do lado de baixo do Equador”. Com ou sem poesia, carnaval é tudo isso, brincadeira e arte do encontro e da alegria com muita animação.

A chegada triunfal de Madalena

O mestre carnavalesco Tobias foi homenageado pelo bloco no pré-carnaval de 2020: um ano depois ele faleceu (Foto: Gustavo Linhares)

Pois foi assim, inspirada em uma caixa de isopor abarrotada de cerveja gelada que surgiu Madalena, mostrando desde o início a sua força de arregimentação de foliões e folionas, sempre evoluindo ao ponto de transformar nessa potência que se viu no cortejo deste ano.

O bloco começou a sair às ruas no pré-carnaval de 2015, mas foi só em 27 de janeiro de 2018 que Madalena desfilou pela primeira vez pelas ruas de Itabira, esbanjando alegria na forma de uma boneca gigante de 3,2 metros, vinda diretamente de Olinda.

Naquele ano, a boneca e os foliões homenagearam Nilo Almeida, dono do mais badalado boteco da cidade, onde foram revelados grandes talentos artísticos e etílicos de Itabira nas décadas de 1970 a 1990.

Na sua chegada triunfal em 2018, Madalena arrastou mais de 2 mil foliões, segundo estimativa da Polícia Militar, ao ritmo de marchinhas e frevos com a banda Mistura e Manda, formada por músicos itabiranos e de cidades vizinhas, sob o comando do maestro Nonoca, filho de Tobias, pioneiro de blocos carnavalescos percussivos no município com a batida da lata, literalmente, ainda na década de 1960, com a Gente Humilde de Itabira.

José Caetano Belisário (1930-2021), o Tobias, foi outro homenageado pelo bloco Madalena Não Gosta de Poema no pré-carnaval de 2020. Nascido no povoado dos Gomes, em Santa Maria de Itabira, Tobias foi um garrucheiro e sambista que popularizou o ritmo na cidade.

Com o seu velho banjo, que comprou quando trabalhava na mina de Morro Velho, em Nova Lima, ele compôs memoráveis sambas para o carnaval e jingles para campanhas eleitorais.

Tobias foi o fundador da primeira bateria (batuque) da cidade, que depois se transformou na escola de samba Gente Humilde de Itabira. Sua contribuição para o carnaval itabirano é inestimável, e a homenagem foi um reconhecimento por tudo que ele representa para a história do carnaval da cidade.

Consolidação do bloco

Assim que chegou a Itabira, Madalena gostou da animação e efusiva recepção que teve, prometendo fixar residência na cidade e participar de todos os pré-carnavais. “Madalena chegou para fixar residência em Itabira. E adorou a cidade e o seu povo alegre e divertido”, anunciou na ocasião o seu porta-voz, Herbert Rosa, pioneiro do moderno pré-carnaval de rua em Itabira.

Foi assim, com Madalena, que o pré-carnaval itabirano renasceu com força, depois de muitos anos suplantado por bailes carnavalescos em clubes fechados, sem a presença do povão, e pelo carnaval de massa com os axés-musics importados da Bahia.

Por muitos anos, Itabira viveu esse marasmo carnavalesco, situação que só começou a reverter quando, em 2015, quando surgiu o bloco Madalena não Gosta de Poema, ainda sem a boneca, mas simbolizada pela célebre caixa de isopor de Herbert Rosa – e às próprias custas, sem apoio oficial.

Hoje o bloco é referência no pré-carnaval de Itabira e arrasta a cada ano uma multidão maior, com muitos foliões vindos de outras cidade e estados, só para acompanhar Madalena não Gosta de Poema.

Outros blocos

O bloco Altamente foi o primeiro percussivo no pré-carnaval da cidade (Foto: Carol Veloso/Ascom/PMI)

Além do bloco Madalena não Gosta de Poema, Itabira conta com outros blocos que estão transformando o pré-carnaval da cidade como um dos melhores do interior de Minas Gerais.

Entre eles estão o bloco Altamente, o primeiro com percussão própria, criado em 2018, liderado pelo percussionista Juninho “Ibituruna”, a partir das oficinas de percussão do coletivo homônimo.

O Bloco Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos homenageou Elza Soares; no ano passado a homenageada foi Rita Lee (Foto: Carol Veloso/Ascom/PMI)

O bloco Altamente estreou nas ruas de Itabira em 2019, consolidando-se como um dos mais representativos da cultura carnavalesca de rua na cidade, abrindo caminho, juntamente com Madalena, para novos blocos pré-carnavalescos na cidade.

Depois vieram os blocos Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos, conhecido também como Bloco do Cemitério, famoso por seu tema inusitado e suas performances únicas, sempre trazendo um toque de humor e irreverência, homenageando grandes interpretes da música brasileira, como Rita Lee e Elza Soares – e bloco Calanngolu, formado por universitários da Unifei, com suas animadas batidas percussivas, também garantia de diversão para todos os foliões que o acompanha.

O bloco E agora, Môfi? também arrastou uma multidão pelo centro histórico de Itabira (Foto: Carol Veloso/Ascom/PMI)

Outro bloco de sucesso é o E Agora Môfi?, que também arrastou grande público no pré-Carnaval Haja Amor em Itabira. Com o nome, o bloco faz uma provocação com um questionamento irônico refletindo sobre a conjuntura atual que o país vive. “Môfi” é uma gíria regional que se refere a delinquentes, marginais ou infratores.

Bloco Dinossauros Rock: todo dia é dia de rock ‘n’ roll (Foto: Aguinaldo Ferry/Reprodução/Instagram)

Dinossauros Rock é outro bloco de sucesso, com característica única: toca rock em pleno pré-carnaval itabirano.

Desfilou também neste pré-carnaval em Itabira o bloco Filhos de Nandy, uma homenagem ao músico e produtor cultural Nandy Xavier, falecido recentemente, deixando um legado musical de grande valor para a cena cultural itabirana.

Bloco Filhos de Nandy, homenagem a um cantor e compositor itabirano, falecido recentemente (Foto: Filipe Augusto/Ascom/PMI)

Outro destaque no pré-carnaval itabirano foi o bloco Alegria de Viver, atraindo público de todas as idades.

Destaque ainda para o bloco Unidos do Samba, com as batucadas e sambas-enredo contagiantes, perfeito para quem ama sambar e se divertir ao som de ritmos brasileiros.

Foi o que apresenotu também o bloco da Banda Euterpe, com os seus dobrados executando marchinhas de antigos carnavais.

O bloco da banda Euterpe também animou a festa com os seus dobrados carnavalescos (Foto: Filipe Augusto/Ascom/PMI)

É assim também o bloco Amigos do Carnaval, que como o próprio nome diz, é formado por um grupo de amigos apaixonados pelo carnaval. Tem ainda o bloco Folia de Rua dedicado a manter viva a tradição dos antigos carnavais de rua, com marchinhas e fantasias clássicas.

Pena que não teve continuidade o bloco Carnavalesco República de Zé Bandarra da Rua de Baixo, que no pré-carnaval de 2020, ainda sem o isolamento com a Covid-19, retornou às ruas de Itabira. No tempo de Bandarra, contou a este site o memorialista e carnavalesco Marconi Ferreira (1952-2024), o carnaval itabirano marcou época também na região onde viveu o carnavalesco, na antiga rua de Baixo, no antigo Ponto de Briga.

Nos tempos do carnaval de Zé Bandarra a festa momesca acontecia com muita animação no centro histórico (Foto: Acervo Marconi Ferreira)

“O carnaval começava na rua dos Operários, onde era a zona boêmia da cidade. Os mascarados saiam de lá em cortejo até o bar do Mundico (ficava na mesma rua, já próximo de onde hoje é a avenida Daniel Grisolia). “

“Naquele tempo, quem era alegre e divertido era chamado de Zé Bandarra”, contou Ferreira, recordando de um parente antigo, que marcou o carnaval itabirano de prisca era. “Ele era um festeiro contumaz, morador da rua de Baixo (atual rua dos Operários)”, contou um dos fundadores da Escola de Samba Mocidade Independente da Belinha, do bairro Bela Vista.

 

 

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3 Comentários

  1. Eu de cá fico a pensar: se estas multidões carnavalescas comparecessem as manifestações políticas o país estaria muito melhor.
    Que sejamos felizes por um mês e no resto do ano enfrentemos a realidade, a folia da fome.

    Amém, já dizia a mãe do Arp Procopio

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