Luís Camillo de Oliveira Netto, um educador de formação clássica
Luís Camillo e sua mulher Elza Malheiro de Oliveira
Fotos: Reprodução/BN
Por Hélio Póvora
Equilíbrio, bom senso e imaginação compunham o perfil de Luís Camillo de Oliveira Netto. Estudioso e pesquisador por excelência, desconfiava da opinião feita, do julgamento preestabelecido. Foi homem de ideias. Exercitando o pensamento com espirito critico paciente e analítico, veio a se pronunciar e algumas vezes de forma profética, sobre problemas de educação, previdência social, historiografia.
Em quase todos os aspectos, um símbolo de mineiridade: a participação discreta, porém moderadora e vigilante, na investigação de crises e no encaminhamento de soluções. Menos em uma coisa, quando se deixou, então, arrastar por um transbordamento emotivo: o combate ao Estado Novo.
O itabirano conspirou para a restituição da legitimidade ao país. Segundo os testemunhos, o Manifesto dos Mineiros, de 1943, foi praticamente elaborado em sua casa. José Américo de Almeida conta que Luís Camillo não descansou enquanto não o fez conceder a entrevista que, estampada no Correio da Manhã, contribuiu para desfechar um dos golpes de misericórdia na ditadura.
Pouco depois, encerrada a longa noite do regime de 1937, o país estava em eleições, no quadro dos bons auspícios trazido pelo fim da guerra com a renovação de esperanças democráticas.
Na luta contra a censura estado-novista, Luís Camillo correu riscos. Mandou compor e distribuiu pessoalmente, em forma de folheto, a aula inaugural do prof. Aliomar Baleiro, que então se iniciava na vida pública com aquela mesma convicção com que viria, recentemente, a despedir-se do Supremo Tribunal Federal, na condição de ministro aposentado: pregando o retorno do estado de direito.
Por isso, os depoimentos sobre Luís Camillo, prestados generosamente por seus contemporâneos, alimentam a ambivalência, ou seja, de um lado a discrição, de outro o fervor de combatente.
Aliomar Baleeiro viu-o sob esta ultima faceta: “Era um homem inteligente, culto, terrivelmente ativo, seco, magro, todo nervos, entregava-se de corpo e alma à Nação, enfrentando quaisquer perigos e obstáculos”.
Aliás, o amor ao país, em Luís Camillo, assentava sobretudo na devoção ao espírito de sua gente, à ambivalência geográfica. Se Lorca não podia viver fora dos limites de Espanha, o mineiro de Itabira não trocaria a pequena cidade do interior brasileiro, na pacates de sua moldura histórica colonial, pelo aparato industrial dos Estados Unidos, onde sentiu a perda da individualidade.
A personalidade desse homem e cidadão que não deixou obra no sentido convencional da realização literária, pois que sequer escreveu um livro, foi preservada pela família. História, Cultura & Liberdade é uma antologia de suas páginas dispersas, completada por numerosos testemunhos.
Umas e outras dão bem a medida de uma atuação que se processou discretamente, nos bastidores, em meio a livros e documentos, e que raramente se aproximou do proscênio.
Professor, diretor de um estabelecimento bancário, historiógrafo e historiador, e também ensaísta, literário, Luís Camillo deixou quase sempre no que fez, ou no que apenas esboçou, a marca da originalidade, da compostura, do talento que não se deixava seduzir pela improvisação.
Jamais exerceu cargo de representação popular. No entanto, à sua maneira descompromissada, foi uma reserva de sabedoria. Sua atividade política, acima de partidos e contingencias da classe politica, inscreve-o nas lutas pela modernização institucional do país.
De igual maneira, como servidor publico, manteve-se à distância da burocracia. Entendeu de economia e praticou-a sem se tornar tecnocrata. Sua experiência de pedagogo não o inscreveu tampouco no rol dos técnicos e especialistas em educação. Tudo isso, somando agora, define Luís Camillo como um educador no sentido mais amplo.
Seus pareceres sobre educação reportam de observações pertinentes. Preocupou-se com a predominância do currículo cientifico sobre o currículo clássico em nossos programas de reforma do ensino.
Entendia que o curso secundário devia prestar-se a formação da inteligência, sem absorver, portanto um sentido de terminalidade. E já aquela época testemunha a degradação do ensino de Português.
Não poderia ser de outra forma, em se tratando de homem de formação clássica, sensível às humanidades e que, em suas atitudes publicas, pautou-se pela linha do humanismo e do liberalismo, palavras hoje desgastadas, quem sabe irremediavelmente.
O preito à memória de Luís Camillo justifica-se. Não fosse o carinho da família e sua passagem pela vida brasileira dos anos de 30 e de 40, abreviada pela doença que o consumiu e a qual ele se resignou com verdadeira humildade cristã, seria hoje de difícil reconstituição.
Preservaram-lhe, no entanto, os livros raros, os documentos. Recorreram a memória de amigos. E fica recompensado assim, em História Cultura & Liberdade, o retrato de uma personalidade poderosa no seu poder de projetar luz própria.
Nesse sentido Luís Camillo de Oliveira Netto foi feliz, encontrou entre os seus contemporâneos, dentro e fora do circulo familiar, quem zelasse por sua permanência. Ele que identificou e localizou, no exterior, documentos relativos ao nosso período colonial.
Ele que deixou bibliografia básica para estudos históricos sobre a formação do país. Ele que preservava a documentação como história dinâmica, a ser eventualmente reescrita e reinterpretada, e que sobre a autoria das Cartas Chilenas, deitou a pá de cal definitiva, atribuindo-a a Tomas Antonio Gonzaga, mercê de um cuidadoso estudo de comparação de textos.
[Jornal do Brasil (RJ), 17/12/1975. BN-Rio. Pesquisa: Cristina Silveira]
E bão de tudo é que o prefeito da Cidade, Marco Antônio Lage, confirmou publicamente que irá instalar em algum lugar de Itabira uma estátua ou monumento de no mínimo 5 metros, de Luís Camillo de Oliveira Netto. Um compromisso de interesse nacional.