Laços de sangue e de crime em Itabira do Matto Dentro – Moeda Falsa 2

Muro na Al. Alexandrino, Santa Teresa, Rio

Foto e pesquisa: 
Cristina Silveira

[Palestina Livre do rio ao mar]

Moeda Falsa 2 – O Itabirense

Sr. redator. Constando-me que fora demitido do lugar de subdelegado de Itabira o meu amigo José Teixeira Lopes Guimarães, e que alguns indivíduos pouco cordatos acreditam ser esta demissão um justo castigo da falta de cumprimento de deveres da parte do dito meu amigo, como autoridade, me apresso a inserir em seu acreditado jornal estas linhas para fazer chegar ao conhecimento público toda a verdade.

José Teixeira Lopes Guimarães foi nomeado subdelegado de Itabira em 1854, e exerceu as funções de seu cargo até maio de 55, quando o passou ao Sr. Miguel Joaquim Heméterio, muito digno suplente daquela delegacia. Em abril deste ano tomou a si de novo o cargo que lhe pertencia, por ter concluído os negócios domésticos que o haviam impedido de residir no distrito, onde ocupara o lugar de subdelegado.

A esse tempo chegou àquela cidade Jeronymo Mauricio dos Santos, dizendo ter de seguir para o Serro. Descansou em um rancho perto da casa de meu amigo, e este último por espirito de mera hospitalidade, ofereceu-lhe pousada em seu domicilio, para que Jeronymo pernoitasse mais comodamente do que abrigado em um telheiro aberto; não aceitou, porém o oferecimento de meu amigo, protestando ter de vigiar a sua numerosa bagagem; esse procedimento é tão simples e natural, que não carece de comentários.

Aconteceu no entretanto dizerem do dito Jeronymo, que um Fonseca, do Serro dissera naquela cidade ter Jeronymo 400 contos em ouro falso, e pretender passa-los quanto ali chegasse.

Jeronymo, desgostoso com esse procedimento gratuito de Fonseca, resolveu-se a ficar na cidade de Itabira, temendo mesmo que, na ocasião de sua chegada na Conceição do Serro, pudesse algum de seus inimigos servir-se do boato falso divulgado por Fonseca, para incomodá-lo com prisões até que pudesse ele provar a sua inocência.

A vista dessa nova resolução tomada logo depois de sua chegada aí, alugou uma casa contigua a do seu amigo, e tratou de negociar em escravos e outros negócios lícitos e permitidos por lei a qualquer indivíduo.

Eis se não quando o gênio mau que procura por todos os meios a seu alcance desvirtuar e enegrecer qualquer procedimento o mais regular, as intenções as mais puras; lança mão de um pasquim, e no meio da mais injuriosa descompostura pede aos munícipes de Itabira que se ponham em guarda contra o comboio de nosso amigo e de Jeronymo; o veneno desta diatribe foi mais longe: disse que o sobredito meu amigo tinha reassumido o lugar de subdelegado para melhormente favorecer a passagem dos imaginários artefatos.

Quem não vê nesses meios covardes e pouco dignos de um cavalheiro a intenção malévola e danada de indispor a autoridade com os seus superiores? Todos por certo! No entretanto o Sr. Dr. chefe de Polícia de minha província, tendo conhecimento desse famoso pasquim, fez ciência ao juiz Municipal de Itabira para que ele procedesse conforme conviesse do serviço público.

O juiz Municipal daquele termo deu uma busca, e prendeu a Jeronymo e a uma mulher famula de nome Felicidade; o resultado dessa diligência foi nenhum, apesar de minuciosidade com que se procedeu essa busca em casa do indivíduo sobre quem recaíra a cumplicidade de semelhante crime.

Os pacientes continuaram a estar presos, e seguiram acompanhados de uma escolta para o Ouro Preto; no outro dia, porém com surpresa de todos os habitantes daquela cidade, viram entrar de volta o cadáver do infeliz Jeronymo, trazido pelos guardas que o tinham na véspera conduzido!

Está, leitores, os fundamentos em que se baseia essa falada demissão!

(Revista Fon-Fon, 7/1/1911)

Perversidade pasquineira

Resta-me agora responder a um argumento que a perversidade de algum pasquineiro pode formular ainda para destruir de todo a boa reputação do meu amigo, para cuja vida passada chamamos aos nossos concidadãos que atestem com o seu valioso testemunho, quais tem sido os fatos que autorizem agora semelhantes imputações.

Entremos na questão: pergunta-se por que o meu amigo não deu busca a casa de Jeronymo? Porque tinha certeza de que ali não existia semelhante contrabando; a prova disto é que, estando todos prevenidos contra Jeronymo por causa dos pasquins que desde a sua chegada começaram a aparecer, não houve, digo eu, quem se apresentasse a autoridade com algum daqueles artefatos que se dizia existirem em poder do infeliz Jeronymo; e seria fácil mesmo esconder e subtrair às vistas de tantos interessados na perda de meu amigo e de Jeronymo, uma tão grande porção de ouro falso? De certo que não.

E como se justificaria o meu amigo se farejasse a casa de Jeronymo sem uma denúncia formal, sem um, pelo menos, daqueles artefatos que, servindo de indício para a existência do crime, desculpasse o procedimento da autoridade?!

O governo de S.M.I. e o país querem a repressão do crime, mas não querem que a extirpação do crime seja um pretexto para se cometerem abusos contra a segurança individual! Como se prende um homem ou vareja-se uma casa sem uma denúncia assinada? Sem um testemunho autentico ou documento que que mais importe?

Não havia nada mais do que os inimigos de qualquer indivíduo chegarem a uma autoridade policial e dizerem; consta-me que não tem notas falsas; nós não queremos comprometer, V.S. portanto proceda sem tocar em nosso nome. E adeus segurança individual.

Finalmente os homens dos pasquins deviam assinarem o seu nome em uma denúncia e remete-la ao Sr. chefe de Polícia; isso seria mais leal, mais nobre, e inteiramente regular; do contrário puseram-se debaixo do capote só com o fim de denegrir a reputação de um homem de bem e muito conhecido de seus concidadãos; apesar de tudo, porém, creio que não consiga o seu fim esse infame denunciador.

E vós, denunciador, não vos doerá agora a consciência pelo fim trágico que teve esse infeliz Jeronymo Mauricio dos Santos, que a vós talvez seja devida a morte desse inocente e todos os seus sofrimentos?…

Não terá remorsos quando lembrares que aquele infeliz dormiu uma noite em um tronco de campanha?! Que esteve seis dias incomunicável?! Que negaram-lhe um tabelião?! E finalmente o balsamo consolador, a Confissão!!! Ó céus, onde existe a nossa segurança individual, pois é por uma denúncia infundada que se pratica tanto despotismo!?

Ó itabiranos, nunca passou-me pela ideia que lançasse-se aqui mão da injustiça, e que a tanto chegasse.

Quanto ao procedimento do Sr. chefe de Polícia, direi simplesmente que S.S. fará justiça às virtudes sociais e domesticas de meu amigo, e que somente para serem salvas as aparências de solidariedade policial, foi dada essa demissão, isso pouco importaria à honra de meu amigo.

Sou, Sr. redator, Itabirense.

[Diário do Rio de Janeiro, 12/10/1856. BN-Rio]

Posts Similares

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *