Julgamento com base na LSN do jornalista Carlos Cruz, do Cometa, na IV Auditoria Militar, em Juiz de Fora, completa 42 anos
Em destaque, da esquerda para direita, sentados no banco dos réus estão os jornalistas Hélio Fernandes Filho, Hélio Fernandes, e Paulo César Branco, da Tribuna da Imprensa, e Carlos Cruz, do Cometa. E atrás, no banco dos advogados, estão Arutana Cobério Terena, José Carlos Dias e Evaristo Moraes
Fotos: Reprodução/ Ilustração: Genin O Cometa
Em 27 de julho de 1983, há 42 anos, numa segunda-feira gelada em Juiz de Fora, o jornalista Carlos Cruz, então diretor e repórter do jornal O Cometa Itabirano, foi absolvido por unanimidade pela IV Auditoria Militar da cidade. O processo havia sido movido pelo ex-ministro das Minas e Energia, César Cals de Oliveira (1926–1991), com base na Lei de Segurança Nacional (LSN).
A ação, fundamentada em uma lei de exceção ainda vigente nos últimos suspiros do regime militar, teve origem após o jornal publicar denúncias sobre corrupção envolvendo a concessão de lavra das esmeraldas de Oliveira Castro, em Itabira.

No mesmo julgamento, os jornalistas Hélio Fernandes, Hélio Fernandes Filho e Paulo César Branco, da Tribuna da Imprensa, também foram absolvidos como co-réus. Todos enfrentaram acusações de subversão da ordem com base na LSN, por denunciarem abusos cometidos por ministro no exercício do cargo.
Antes da decisão, o processo passou por um longo inquérito conduzido pela Polícia Federal (PF), marcado por episódios de repressão, como a invasão da redação do Cometa em Itabira por agentes sem mandado judicial, em busca de documentos que comprovassem a autoria das denúncias.

Um dos papéis foi levado pelos agentes da repressão, contendo declaração do garimpeiro Eliezer “Leitão” Chaves Souto, que confirmava a veracidade das denúncias. Esse documento, “misteriosamente”, desapareceu.
Um frasco vazio de lança-perfume, usado como ilustração da capa no Carnaval de 1981, também foi levado pelos agentes da PF como “prova” que o Cometa, além de difamar o ministro, estava também fazendo apologia de substância tóxica proibida — uma tentativa deliberada de impor medo e autocensura ao jornal.

O escândalo das esmeraldas e a denúncia que incomodou o ministro
O jornal sustentou a denúncia contra o então ministro, que esteve em Itabira, entre 23 24 de julho de 1981, para conceder alvará de exploração de uma lavra de esmeraldas em Oliveira Castro. Foi quando apropriou-se do mostruário das pedras apresentado aos visitantes.

A esposa do ministro, Marieta Cals, também recebeu de presente um valioso colar, ofertado pela mulher do fazendeiro contemplado com a concessão, em área onde garimpeiros já atuavam. A legislação determinava que esses trabalhadores teriam prioridade — como o próprio ministro afirmou em palestra no antigo escritório da Vale, no Areão.

A reportagem, assinada por Carlos Cruz, hoje editor deste site Vila de Utopia, denunciava caso de corrupção ativa e passiva, em uma investigação jornalística que teve repercussão nacional. A concessão de lavra aconteceu em prejuízo aos garimpeiros que já bamburravam na fazenda em Oliveira Castro.

A publicação incomodou o ex-ministro, que processou o jornalista com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), acusando-o de atentado à segurança do Estado, como se o Estado fosse ele.
Após a denúncia do Cometa Itabirano ganhar destaque também na Tribuna da Imprensa, o ex-ministro César Cals declarou à imprensa que as pedras eram escórias e o colar, um mero mimo sem valor. Afirmou que todo o conteúdo precioso recebido em Itabira teria sido doado a um hospital do interior do Ceará.

Por coincidência, esse hospital tinha como provedora uma irmã de Dom Mário Gurgel, então bispo de Itabira, que confirmou em precatória o recebimento das pedras preciosas e do colar.
E informou que, com o valor obtido, foi construída uma ala de maternidade e obstetrícia na instituição. Ou seja, validou as denúncias publicadas pelo jornal quanto ao alto valor das pedras preciosas e do colar de esmeralda recebidos em Itabira.
Com as provas do recebimento das propinas e da veracidade dos fatos, Carlos Cruz e os demais jornalistas foram absolvidos em 27 de julho de 1983. Antes da sentença, em seu pronunciamento que deveria ser de acusação, o próprio procurador militar reconheceu indícios claros de corrupção passiva por parte do ex-ministro e de corrupção ativa pelo fazendeiro envolvido no caso.
E solicitou que os autos fossem enviados à Procuradoria-Geral da República para abertura de processo contra Cals no Supremo Tribunal Federal. Como frequentemente ocorria à época, o caso foi arquivado — e a corrupção, mais uma vez, ficou impune.
Na ação judicial-militar, o jornalista Carlos Cruz foi representado pelo advogado Arutana Cóberio Terena. Já os profissionais da Tribuna da Imprensa contaram com a defesa dos advogados José Carlos Dias e Evaristo de Moraes Filho (1914–2016), ambos renomados juristas e defensores de perseguidos políticos durante a ditadura militar. Coube a Evaristo Moraes realizar a defesa oral de todos os acusados no julgamento realizado em Juiz de Fora.
O Cometa Itabirano e seu papel na resistência jornalística na ditadura militar

Fundado em 1979, O Cometa Itabirano tornou-se um marco da imprensa alternativa brasileira, mesmo sendo do interior. Denunciava irregularidades e tratava temas sociais e ambientais com humor e crítica contundente.
Sob liderança de Lúcio Vaz Sampaio — falecido recentemente aos 69 anos — e outros na época jovens itabiranos, o jornal floresceu como símbolo de resistência nos últimos anos da ditadura militar, inspirado pelos movimentos estudantis da década de 1970 e na luta pela redemocratização.
Carlos Drummond de Andrade, poeta e ilustre filho de Itabira, elogiava o jornal, chegando a afirmar que ele próprio era “uma invenção do Cometa”. Millôr Fernandes e Ziraldo também admiravam seu espírito crítico e criativo.
O jornal abordava temas como a degradação causada pela mineração da Vale, abrindo espaço para debates que ultrapassavam os limites locais.
Em 1989, o jornalista Marcelo Procópio de Oliveira assume o jornal como editor, permanecendo até os últimos anos da publicação, mantendo a linha crítica e o compromisso com a verdade.
Encerrado na primeira década deste século, o Cometa permanece como exemplo de coragem e compromisso com a democracia, inspirando gerações e iniciativas da imprensa alternativa.
Em tempos recentes, com a tentativa frustrada de golpe pelo ex-presidente Jair Bolsonaro — abortada pela ausência de apoio do Exército e da Aeronaútica — o exemplo do Cometa Itabirano serve de alento e esperança, ao mostrar que, mesmo em tempos sombrios, é possível resistir e defender a democracia contra os que atentam contra ela. O jornal simboliza a força da imprensa livre na vigilância do poder.
Grande Carlos, quase gramou cadeia por causa das esmeraldas do Borba Gato. E a mina deveria ser explorada pela Prefeitura e não por um único dono. Triste fim!
Senhor editor,
Pouco tempo depois do caso do ministro César Cals em Itabira, o ex-ministro Abi-Ackel foi pego em flagrante na alfandega com contrabando de esmeraldas, obtidas em garimpo de Goiás. Humordaz, Millôr Fernandes não perdoou e publicou charge no JB, tirando sarro dos dois ministros dos militares. Na arte, o guarda alfandegário perguntou: “E aí ministro, vai viajar”? E o Abi-Ackel respondeu: “Aprendi com César Cals em Itabira, enquanto descanso carrego pedras”.
Como se observa, os ministros na ditadura militar tinham predileção por pedras preciosas.
O Cometa fez história e precisa ser mais estudado por quem se interessa pela comunicação no país, talvez tenha sido um dos poucos exemplos de imprensa nanica, independente e crítica ao regime militar no interior de Minas Gerais.
Um forte abraço a todos da redação da Vila de Utopia, que segue linha editorial que muito lembra o nosso valente Cometa, como a ele se referia o nosso Carlos Drummond de Andrade.
Ats,
José Inácio de Freitas Gutierrez
Grande Carlos Cruz. Sempre na defesa da cidade.