As empresas mais multadas nas unidades de conservação da Amazônia
Levantamento inédito mostra que Usina Hidrelétrica de Jirau e Salobo Metais S/A, subsidiária da Vale, estão entre as maiores infratoras da última década
Por Ciro Barros, Rafael Oliveira
Agência Pública – Nas unidades de conservação (UCs) federais da Amazônia, grandes empresas também estão por trás de vultosos desmatamentos e outras ações responsáveis por destruir a floresta. Somadas, três delas já receberam um total de R$ 130,8 milhões em multas aplicadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entre 2009 e 2021.
São elas: Salobo Metais S/A, ligada à Vale, Energia Sustentável do Brasil (ESBR) S/A, concessionária da Usina Hidrelétrica de Jirau, e a Floraplac, que produz chapas de MDF, ligada ao Grupo Concrem, gigante do setor madeireiro na Amazônia.
Além das empresas, a análise realizada pela Agência Pública com base em dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) pela Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas, revela que são cerca de 10,5 mil autuações lavradas pelo ICMBio na região ao longo do período analisado.
O órgão é responsável pela gestão e fiscalização das 334 UCs federais espalhadas pelo Brasil — protegendo cerca de 10% do território nacional.
A reportagem selecionou as 132 UCs federais do bioma amazônico, tanto de proteção integral quanto de uso sustentável, administradas pelo ICMBio. Essas 132 UCs concentram 9.400 multas com valor especificado, totalizando mais de R$ 3 bilhões. Não é possível saber quantas foram pagas. Fontes afirmam que raramente são quitadas.
A partir dessas informações, foi possível verificar quais são as UCs mais visadas e quem são as pessoas físicas responsáveis pela destruição da maior floresta tropical do mundo. A análise a seguir destaca as empresas mais infratoras.
Infrações afetaram UCs do Pará, Amazonas, Rondônia e Maranhão
Quem está na liderança da lista de maiores infratores entre as empresas é a Salobo Metais S/A, que é subsidiária e a maior operação de cobre da Vale — companhia que obteve lucro recorde de R$ 121,2 bilhões em 2021. A subsidiária já recebeu um total de R$ 52,6 milhões em multas e é a quinta com maior valor em infrações quando se consideram pessoas físicas e jurídicas.
Ela foi multada em três ocasiões por infrações no interior da Floresta Nacional (Flona) de Carajás, na região de Marabá (PA). Próxima à mina onde o cobre é extraído, a Flona foi criada em 1998 e atualmente possui cerca de 350 mil hectares. Da base analisada, a unidade de conservação é a 13ª com maior valor em multas, com R$ 52,8 milhões, sendo a Salobo responsável por 95% delas.
No ano passado, em outubro, a subsidiária da Vale recebeu multa milionária de cerca de R$ 35 milhões por “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana e na mortandade de animais” na Flona de Carajás.
Em setembro de 2014, foi multada em R$ 50 mil por causar danos à Flona de Carajás e também à Área de Proteção Ambiental (APA) do Igarapé Gelado, na mesma região. A infração está relacionada ao “derramamento de 12.900 litros de óleo diesel em igarapé após acidente com caminhão tanque”. Anos antes, em 2012, a empresa foi multada em R$ 15 milhões por destruir ou danificar mil hectares no interior da UC.
Além das três multas na UC em questão, a Salobo já recebeu multa de R$ 10 mil por conta do derramamento de óleo diesel na Flona do Tapirape-Aquiri, também em Marabá. Uma das barragens da empresa, localizada no interior da Tapirape-Aquiri, tem capacidade para armazenar mais de 70 milhões de metros cúbicos de rejeitos, mais de dez vezes o volume da barragem de Brumadinho. A empresa, que acumula outras acusações de crimes ambientais, auxilia na administração de algumas das UCs da região.
A segunda empresa da lista com mais multas é a concessionária da Usina Hidrelétrica de Jirau, a Energia Sustentável do Brasil (ESBR) S/A, que ostenta a sexta colocação entre todos os maiores multados nas UCs federais da Amazônia entre 2009 e 2021. Com uma multa no valor de R$ 48,5 milhões, recebida em março de 2017 por “danificar 4.047 hectares de floresta nativa”, é a empresa com maior valor em autuações no Parque Nacional (Parna) Mapinguari.
Localizado entre o Amazonas e Rondônia, nas proximidades de Porto Velho, o Parna Mapinguari é o nono com maior valor em multas no período analisado, com R$ 108,4 milhões. O Parna está nas proximidades das rodovias BR-319 e BR-364, tem cerca de 1,7 milhão de hectares e foi criado em 2008. A multa recebida pela ESBR, que desde janeiro de 2021 passou a se chamar Jirau Energia, representa quase 45% do total aplicado na UC em questão.
Quarta maior usina do país em geração de energia, a Usina Hidrelétrica de Jirau está localizada a poucos quilômetros do Parna Mapinguari, no rio Madeira. Uma das principais obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ela foi leiloada em 2008 e começou a operar parcialmente em 2013, passando a funcionar integralmente em 2016.
Tocada paralelamente à Usina Hidrelétrica Santo Antônio, também em Rondônia, a construção da usina de Jirau foi alvo de críticas de organizações sociais e ambientalistas por causa do impacto socioambiental que poderia gerar na floresta e nas populações tradicionais da região.
A empresa que gere a usina e foi multada pelo ICMBio se configura como uma “Sociedade de Propósito Específico” (SPE), tendo atualmente quatro acionistas: a ENGIE Brasil Participações, controlada pelo grupo franco-belga Engie, segundo maior do mundo em geração de energia e com participação do governo francês; a Mizha Participações, que é uma das subsidiárias da Mitsui & CO, gigante multinacional de origem japonesa; a Eletrobras CGT Eletrosul e a Eletrobras Chesf, ambas ligadas à estatal brasileira Eletrobrás.
Fechando a lista das três maiores empresas infratoras está a Floraplac, que produz chapas de MDF e é a segunda maior empregadora privada de Paragominas (PA). Ela é ligada ao Grupo Concrem, gigante do setor madeireiro na Amazônia. A empresa já recebeu cinco autuações por infrações ambientais no interior da Reserva Biológica (Rebio) do Gurupi, no oeste do Maranhão, próxima à fronteira com o Pará.
As duas multas, com valor definido, foram aplicadas em setembro de 2011 e envolvem a danificação de 2.580 hectares de floresta e a extração seletiva de 100 hectares de madeira no interior da Rebio. Somadas, as multas ultrapassam R$ 32,1 milhões.
De propriedade de Vitório Sufredini Neto e da família D’Agnoluzzo, a Concrem acumula processos ambientais e há reportagens que relacionam a empresa a crimes ambientais desde os anos 2000. Há ainda um processo judicial em tramitação que tem como réus parte das empresas do grupo, os sócios e Emerson e Anderson Gineli, que também foram multados em mais de R$ 32 milhões no interior da mesma UC.
Segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), eles integrariam “um amplo esquema criminoso voltado à sistemática extração clandestina de produtos florestais no interior da Reserva Biológica do Gurupi e da Terra Indígena Caru”.
No ano passado, o nome da empresa ganhou destaque depois de reportagem do Fantástico ter revelado que a maior multa recebida pela Floraplac, na casa de R$ 30,9 milhões, teve o processo reaberto. Segundo a apuração do programa, a cúpula do ICMBio teria tido influência na reabertura, ocorrida mesmo após tramitação nas duas instâncias administrativas dentro do órgão.
Em resposta aos questionamentos da Pública, a empresa afirmou utilizar madeira 100% reflorestada, negou que tenha cometido a infração ambiental e negou interferência da diretoria do órgão na revisão do processo.
Governo Bolsonaro adicionou “etapa de conciliação”
Em abril de 2019, o governo Bolsonaro instituiu uma nova etapa no processo de julgamento de multas aplicadas pelo ICMBio. Até então, a autuação era feita, o infrator, notificado e a infração, julgada em duas instâncias no órgão ambiental.
A partir do Decreto nº 9.760, assinado por Jair Bolsonaro e pelo então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, a “conciliação ambiental” foi introduzida — com a mudança, que afetou também o Ibama, órgão ambiental e infrator devem realizar audiência de conciliação para tentar fechar acordo.
A mudança passou a valer em outubro de 2019, mas dez meses depois, em agosto de 2020, a ONG Observatório do Clima revelou que nenhuma audiência havia sido feita pelo ICMBio e apenas cinco foram realizadas pelo Ibama.
A modificação pelo atual governo fez com que o processo de fiscalização do órgão, que já é historicamente lento e raramente resulta no pagamento das multas, se tornasse ainda mais intrincado. “O governo não tem interesse nenhum em impressionar, em fazer com que os mecanismos administrativos cheguem até o final pela cobrança dessa multa. São bilhões. Imagine se esses recursos fossem destinados para as próprias unidades de conservação, para infraestrutura, para equipes, para fiscalização… Essas unidades teriam um outro status de implementação, garantindo proteção, tendo equipes de campo”, aponta Antonio Oviedo, assessor do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental (ISA).
Na visão de José*, analista ambiental do ICMBio que lavrou autuações contra vários dos maiores infratores, muitas das multas são “impagáveis”, mas a atuação administrativa do órgão ambiental pode gerar “repercussão na esfera jurídica”. “Como o órgão judicial é mais poderoso, tem mais força para agir contra aquela pessoa, as sanções são mais pesadas. Então, quando chega na esfera judicial, se existem provas robustas contra aquela pessoa, aí sim ela vai sentir o peso do que fez, de ter desmatado. Não vai ficar tão impune assim”, diz.
Para Oviedo, uma maior proteção das UCs passa pelo fortalecimento dos órgãos ligados à fiscalização e gestão das unidades, que vêm sofrendo desmonte nos últimos anos. “A gente tem no INPE sistemas supersofisticados de detecção do desmatamento, como o sistema *DETER, que foi responsável pela redução em mais de 80% no desmatamento durante as fases 3 e 4 do PPCDAm [Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal] entre 2004 a 2012. A gente sabe como reduzir o desmatamento, como reduzir a ilegalidade nas unidades de conservação”, afirma.
Outro lado
As empresas citadas na reportagem foram procuradas, assim como o presidente do ICMBio, Marcos Simanovic. Jirau Energia e o mandatário do órgão ambiental não deram retorno até a publicação.
Após a publicação da reportagem, a Vale/Salobo esclareceu por meio de nota que:
“A Salobo Metais exerce suas atividades em atendimento aos requisitos previstos pela legislação ambiental aplicável, incluindo o desenvolvimento de ações voltadas à conservação da flora e fauna da região. A companhia ressalta, ainda, que realiza constantes investimentos visando a evolução contínua dos sistemas de controle e monitoramento de suas operações e que as multas recebidas estão sendo discutidas nos respectivos processos administrativos.
A Vale, dona da Salobo Metais, apoia o ICMBIO na proteção das unidades de Conservação de Carajás. Atualmente são mais de 800 mil hectares, o equivalente a mais de 800 mil campos de futebol, de floresta Amazônica preservados. Cabe ressaltar que a atividade de mineração desenvolvida pelo grupo ocupa menos de 2% do total da área de conservação citada.
Para tanto, são mantidos acordos de cooperação para a execução conjunta de ações ambientais que potencializam importantes projetos desenvolvidos nas unidades de conservação que apoiamos.
Como exemplo, destacamos as ações desenvolvidas na Floresta Nacional do Tapirapé-Aquiri, onde incentivamos a implantação de sistemas agroflorestais (SAFs) e de conservação da castanheira, que geram alternativas de renda para as comunidades que vivem no entorno dessa unidade, além de incentivar práticas sustentáveis.“
* A fonte preferiu não se identificar por temer represálias internas.
*Colaboraram: Beatriz Carneiro e Bianca Muniz