Juízo final
Amanda Drumond*
Liberada a entrada do público que se ajeita nas poltronas nomeadas.
Tocaram as três badaladas, entra o cavalheiro, filho do dono do teatro, com a placa na mão, juízo final.
Em seguida, ele encontra seu lugar marcado na primeira fila, senta-se.
Atrasadas, as senhoras faladeiras, pedem licença e se acomodam ao lado.
O cochicho do público, que tema estranho, diziam que esse sensacionalismo iria trazer um dinheirinho para o teatro.
As senhoras ao lado, criticavam a roupa de quem se acomodava na orquestra.
Que demora, que calor.
Tantos quês, que o cavalheiro já estava receoso com o atraso do maestro.
No cenário quente, tons de inferno, no cenário divino, o frescor da brisa das asas dos anjos.
No centro do palco, reservado o lugar de Deus, uma cadeira esculpida em pedra, imensa e pesada, custara ouro.
A criança aflita chorava, ninguém sabia o que ela estava fazendo ali, afinal, era o juízo final.
A orquestra começou com os solistas, logo entra Deus , enorme, senta-se no trono.
Ele sorri, como somente Deus pode fazer, então começa o espetáculo celestial.
Entra a musa, esvoaçante, vestida de azul, os antigos, comentam que ela se diverte tirando a roupa na coxia.
O cavalheiro, fica hipnotizado ao encontrar sua musa inspiradora, subitamente lembra da sua queda de cavalo na infância, isso lhe gerara insegurança, ao mesmo tempo, lembrava também do seu desejo de ser maestro, coisa que escondera da família, também por conta da queda.
Era o juízo final.
Deus sentado no centro, ouvia o som puro do violonista espanhol que ali estava ao lado dos anjos.
O toque do coração do cavalheiro, se ouvia junto com as ânsias que o tema do espetáculo propunha.
Ele achava ali que era real, tudo que via.
Seu ego destruía sempre seus sonhos amorosos, isso lhe fazia temer a musa.
Ele não sabia reger o que sentia, o que sairia dos seus lábios, eram assuntos como economia.
Cego ele estava, confessava a esse Deus a sua frente toda a sua vida. Sua musa se retirou, ela era sua elegia. Enfim, sua redenção.
É o juízo final,
Tantos assuntos, sons e o clímax aproximaria.
De repente, Deus com sua voz única, fala alto: – dez mil e seiscentas crianças executadas, quem aqui me explicaria?
A autora, não quis participar do espetáculo, pois sabia que esse tema ali chegaria.
O silêncio, o temor e a covardia se posicionavam, os tons do inferno se aqueciam.
A plateia apavorada, todos cientes da sua hipocrisia.
Acabou o juízo final. E para casa todos enfim retornariam.
*Amanda Drumond é artista-plástica, escritora, poeta brasileira contemporânea, conhecida por sua escrita sensível e marcante. As suas poesias, crônicas e contos abordam temas como amor, feminilidade, empoderamento e autoconhecimento, muitas vezes explorando a dualidade entre força e vulnerabilidade.