José Saramago em centenário universalista
Montemor-o-Novo, local onde Saramago escreveu o romance Levantado do chão
Fotos: Mauro Moura
Veladimir Romano*
Desde o primeiro dia de novembro, na Espanha, em particular nas ilhas Canárias, se comemora nascimento do escritor português José Saramago (1922-2010), Nobel da Literatura (1998).
Antes de descobrir a veia literária, Saramago percorreu um longo caminho, sofreu rejeição sistemática e teve passagem por outras profissões como serralheiro, mecânico, escriturário, mais tarde tradutor, além de vários outros desempenhos até ao jornalista contestado pelos critérios definidos no preconceito, ainda hoje na pobreza mental de certos alguns.
Para José Saramago, Portugal, desde o antes dos tempos fascistas ao depois da madrugada que conduziu a vida nacional à liberdade, nada foi simples ou fácil desde o seu primeiro livro: Terra do Pecado (1947) que, passando despercebido aos leitores lusitanos, não deixou de oferecer assanhamento assombrado aos membros da polícia política [PIDE] do regime.
Descrever todo o aventureiro processo para a edição desse primeiro trabalho de José Saramago, a velhinha Editorial Minerva, criada pelo então anarquista Manuel Rodrigues em 1927, marco editorial em fuga para a frente; pois, jamais o editor entendeu dever qualquer submissão aos serviços da Censura.
Saindo ao mercado, horas seguintes, sem dó, as instalações foram assaltadas pelas forças policiais. Entretanto, os originais, ainda hoje permanecem debaixo da grande laje de pedra que cobre o chão da histórica tipografia, coberta pela máquina mais pesada da sala com uma tonelada.
Com muitos exemplares recolhidos pela PIDE, poucos são os portugueses que conhecem este momento na vida de José Saramago, quando o dia 16 de novembro devia ser dia de festa nacional nas escolas, bibliotecas, associações culturais, até nas redações da imprensa.
Mas, não, Portugal, é realmente muito diferente da Espanha onde o amor tanto pela escrita, humanismo, inteligência, personalidade e valores, não enganam e até Israel com recente governo instalado à direita coligado a uma extrema direita, se desligou do preconceito de ser José Saramago, ele a seu tempo ter-se declarado “comunista”.
Israel, com menor população do que Portugal, contudo mais de três milhões de leitores israelenses amam José Saramago, comparando com os vergonhosos milhares de leitores lusitanos.
Muita coisa durante anos ficou esclarecida porque em Portugal nem sempre a teoria do “esforço é proveito” funciona. Não fica difícil encontrar um motorista de táxi em Barcelona ou Haifa, que não tenha lido José Saramago.
Entretanto, em Lisboa ou no Porto, nem na conversa de quinze minutos a gente aprende alguma novidade, mas críticas maldizentes e dolorosa ignorância. Não surpreende tamanho infortúnio, incompreensão das razões que levaram o país ao sentimento submisso da ditadura ter prolongado por absurdo meio século.
Depois do 25 de Abril, compreender a emigração de José Saramago para Espanha a tempo sincrônico também chegou a diacrônico como sucessão temporal de uma antagônica na qual a sociedade lusa amordaça infortúnios, desordem, alguma ontogenética acidental margem de chavões e vaidade provinciana.
Em Portugal não existe promoção de verdadeiros valores nem se procura certificar festejos no sentido genial sobre qualquer desenvolvimento, dádiva ou aprendizagem… afinal, nem todos os ditos populares obedecem ao real sentido.
Quando o português afirma que “da Espanha não vem bom vento nem santo casamento”; engana-se. Foi desde a vizinha Espanha que Cármen Pilar soube na sua humildade inteligente, separando águas, exercendo generosidade, serviu de apoio àquele lusitano da escrita poderosa e assustadora contra arcaicos preconceitos lusitanos.
Quem deixou obras primas como Levantado do Chão, Memorial do Convento, O Evangelho Segundo Jesus Cristo; teatro, poesia, ensaio… mete respeito, amedronta, perturba pela força magnífica desta energia positiva sempre atenta contra um mundo negativo, esse que alguns portugueses foram criando para entreter a liberdade e uma democracia defeituosa que não procura aceitar virtudes.
William Shakespeare dizia que “O céu faz conosco como nós com as velas, que para darem luz, precisam que as acendamos”. Num país feito de trapos e remendos, profana fica toda a luz que procura brilhar.
*Veladimir Romano é jornalista e escritor luso-cabo-verdiano.