Itabira vive o crepúsculo da mineração e precisa urgentemente se preparar para o futuro
Fotos: Carlos Cruz
Com produção em queda e arrecadação em declínio, município precisa rever estratégias para enfrentar o fim gradual da mineração e garantir sustentabilidade econômica para além de 2041
Itabira, pioneira na produção de minério de ferro em larga escala no Brasil desde 1942, com a criação da Companhia Vale do Rio Doce, enfrenta um momento decisivo. Com a produção em queda e a arrecadação de royalties em declínio, o município precisa se planejar com urgência para um futuro em que a mineração deixará de ser o carro-chefe da economia local.
Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), Itabira arrecadou R$ 12,6 milhões com a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) em setembro deste ano, ocupando a 9ª colocação no ranking nacional.
O município, que por décadas figurou entre as três maiores arrecadações no país dessa compensação financeira, vê sua posição, já há algum tempo, ameaçada por municípios em expansão, como é o caso de São Gonçalo do Rio Abaixo, que arrecadou R$ 11,4 milhões no mesmo período, ficando em 10ª colocação, e que deve ultrapassar Itabira nos próximos relatórios. O motivo é claro: enquanto Itabira enfrenta uma tendência de queda, o vizinho município vive um viés de alta com a expansão da mina Brucutu.
Já a produção de Itabira, que foi de 32 milhões de toneladas ano (Mta), em 2024, deve se estabilizar em torno de 25 milhões Mta nos próximos anos, mesmo com a ampliação das cavas das minas do Meio e Conceição. Essa produção menor representa 50% da capacidade produtiva do complexo minerador local.
A paralisação da usina Cauê em 2024, por seis meses, agravou a tendência de queda, o que reflete também o empobrecimento do minério extraído – o chamado itabirito duro, de menor qualidade e mais difícil beneficiamento, que se transforma em pellet-feed, com alta demanda no mercado internacional.
Impactos fiscais e dependência econômica
É assim que a queda na produção já afeta diretamente a arrecadação da Cfem, calculada com base na produção trimestral anterior.
Embora o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ainda não tenha sentido o impacto, por considerar a média da produção dos dois anos anteriores, a tendência é de retração também a partir de 2026.
Isso se deve à metodologia de cálculo do Valor Adicionado Fiscal (VAF), que considera operações de venda e transporte de mercadorias, mesmo que a produção seja majoritariamente exportada e isenta pela Lei Kandir.
Horizonte de exaustão e necessidade de planejamento
A exaustão das minas de Itabira está oficialmente prevista para 2041, conforme relatório da Vale enviado à Bolsa de Nova Iorque. No entanto, pesquisas geológicas em andamento podem ampliar esse horizonte, convertendo recursos em reservas lavráveis e postergando o descomissionamento das operações no complexo mineradora local – ainda sem data definitiva e sem discussões prévias sobre esse ato final.
Apesar dessa possível extensão de prazos, o município já enfrenta os efeitos da redução gradativa na produção mineral, o que impacta diretamente a arrecadação da Cfem e, futuramente, do ICMS — ou do tributo que vier a substituí-lo com a reforma tributária. A tendência é de queda persistente nos repasses, refletindo o empobrecimento do minério e o aumento dos custos de extração e beneficiamento, repita-se à exaustão.
Diante desse cenário, Itabira precisa se antecipar com planejamento estratégico, corte de gastos e investimentos em diversificação econômica. O tempo extra que a mineração ainda oferece deve ser aproveitado para preparar o município para um novo ciclo, menos dependente da atividade mineral e mais sustentável a longo prazo.
Ranking Cfem por municípios – Setembro de 2025

Minas Gerais lidera arrecadação estadual
No rateio estadual da Cfem referente ao mês de setembro de 2025, Minas Gerais manteve a liderança nacional, tendo arrecadado R$ 45,48 milhões, o equivalente a 45,91% do total destinado aos estados e ao Distrito Federal. O estado superou o Pará, que recebeu R$ 36,96 milhões (38,12%), segundo dados da ANM.
Essa diferença se explica pelo maior número de municípios minerados em Minas Gerais, além da diversidade de substâncias exploradas, como ferro, ouro, bauxita, zinco, pedras preciosas e calcário. O estado também concentra operações de beneficiamento e logística que ampliam o VAF, refletindo diretamente na arrecadação.
Do total de R$ 512 milhões arrecadados com a Cfem em setembro, R$ 410,2 milhões foram destinados aos municípios minerados, enquanto R$ 102,5 milhões ficaram com os estados e o Distrito Federal.
Minas Gerais, portanto, não apenas lidera entre os estados, mas também concentra grande parte dos municípios que figuram entre os maiores arrecadadores do país, como Congonhas, Conceição do Mato Dentro, Mariana, Nova Lima, Itabirito e Itabira.
Esse desempenho reforça o papel estratégico da mineração na economia mineira, mas também acende o alerta para municípios como Itabira, onde a tendência é de queda na produção e, consequentemente, na arrecadação.
Itabira Sustentável e o desafio da transição econômica
Itabira ainda tem tempo para repensar seu modelo econômico, mas os recursos provenientes da mineração serão cada vez mais escassos. O desafio está posto: planejar com inteligência, diversificar com urgência e preparar a cidade para um futuro pós-mineração, o que é inevitável, ainda que possa ser adiado por avanços geológicos.
A principal aposta da gestão do prefeito Marco Antônio Lage (PSB) para enfrentar esse cenário é o projeto Itabira Sustentável, lançado oficialmente em 30 de novembro de 2023, em parceria com a mineradora Vale. O plano foi elaborado pela consultoria internacional Arcadis, especializada em desenvolvimento urbano sustentável, e prevê ações estruturantes para curto, médio e longo prazos.
Apesar da solenidade de lançamento e da criação de um comitê tripartite de monitoramento, envolvendo Prefeitura, Vale e sociedade civil, o projeto ainda enfrenta dificuldades para sair do papel.
Até o momento, poucas entregas foram realizadas. Entre elas, destaca-se o repasse de recurso pela Vale à Funcesi, para a implantação do curso de Medicina.
Outra iniciativa relevante foi o repasse adicional de R$ 60 milhões pela Vale, somando-se aos R$ 100 milhões já alocados anteriormente pela mineradora, como parte do acordo de repactuação para viabilizar a conclusão dos três novos prédios do campus da Unifei, localizado no Distrito Industrial Maria Casemira Andrade Lage.
A proposta é transformar Itabira em um polo regional de educação, saúde, turismo e saúde, reduzindo a dependência da mineração e ampliando a oferta de serviços especializados.
Entre os 61 projetos previstos, distribuídos em 15 áreas estratégicas, destacam-se, e ainda pendente de acertos, a duplicação das rodovias MG-434 e MG-129, reestruturação do transporte público coletivo e programa de conexão interdistrital e intermunicipal.
Novo Distrito Industrial e transposição de água do rio Tanque

Destaque também para a promessa, ainda não concretizada, de criação de um novo Distrito Industrial na área da antiga Fazenda Palestina.
A proposta remonta ao governo do ex-prefeito Damon Lázaro de Sena (2013–2016), quando a área chegou a ser doada pela Vale ao município. No entanto, diante do descumprimento da finalidade original, a mineradora retomou a posse do terreno, e desde então o projeto permanece em compasso de espera.
A retomada dessa iniciativa é considerada estratégica para a diversificação econômica de Itabira, especialmente associada à transposição da água do rio Tanque, proposta como solução definitiva (sic) para a histórica crise hídrica da cidade. Como se sabe, a escassez de água na cidade está diretamente ligada ao quase monopólio das outorgas de captação pela própria Vale, o que limita a expansão de atividades industriais e urbanas na cidade.
Essas duas ações, o novo distrito e a segurança hídrica, são apontadas como pré-condições fundamentais para atrair empresas de base tecnológica, serviços especializados e indústrias de menor impacto ambiental, criando um novo ciclo de desenvolvimento para o município.
Expectativas
Em setembro deste ano, o prefeito Marco Antônio Lage se reuniu com o presidente da Vale, Gustavo Pimenta, para discutir a aceleração desses projetos e reafirmar o compromisso da mineradora com a transição econômica de Itabira.
“Estamos propondo um planejamento histórico, não só pela necessidade, mas pela capacidade de transformação que ele representa”, afirmou Lage.
O sucesso do programa Itabira Sustentável depende, sobretudo, da execução efetiva das ações propostas, da transparência na governança e do engajamento da sociedade civil, principalmente de empresários com disposição e capital para investir em novas atividades produtivas.
Isso para que não se repita o fracasso do projeto Itabira 2025, lançado pela Acita no início da década de 1980, com promessa de apoio da Vale. A proposta previa a diversificação da economia local, de modo que o município deixasse de depender exclusivamente da mineração até este ano em que vivemos – horizonte que, à época, já era projetado como o marco da exaustão inevitável das minas locais.
O tempo agora é curto, e o futuro de Itabira exige urgência, planejamento e investimentos robustos para romper com a dependência mineral.
É preciso demonstrar que, embora a mineração não seja sustentável a ponto de garantir as mesmas riquezas para as gerações futuras, ela pode – e deve – servir ainda de alicerce para uma transição econômica sólida e duradoura.
Transformar Itabira em um caso de sucesso é mais do que uma necessidade local. É uma oportunidade estratégica para que a cidade se torne vitrine de boas práticas e convença outras comunidades, em territórios que ainda serão ocupados pela própria Vale, de que é possível construir um legado positivo com a mineração.
Sem isso, no caso de o exemplo de Itabira se consolidar como um insucesso, que município aceitará a mineração como alternativa de desenvolvimento?
Fontes consultadas
- Agência Nacional de Mineração (ANM) – Arrecadação da CFEM:
https://sistemas.anm.gov.br/arrecadacao/extra/relatorios/arrecadacao_cfem.aspx - Relatório de Arrecadação de Cfem no mês de setembro: anm rateio da cefem em setembro.pdf
- Vila de Utopia – Queda na produção e no preço do minério afeta arrecadação e acende alerta para futuro incerto em Itabira:
https://viladeutopia.com.br/queda-na-producao-e-no-preco-do-minerio-afeta-arrecadacao-e-acende-alerta-para-futuro-incerto-em-itabira/
Espero que quando a Vale for embora, leve com ela a poeira.