Itabira vai ter centro de reeducação contra a misoginia
À semelhança do que já ocorre em Belo Horizonte com o Instituto Albam (http://albam.org.br/), uma ONG fundada em 1998 e que tem como principal eixo temático o desenvolvimento de projetos ligados às questões de gênero, Itabira também pode, em breve, contar com um grupo de reflexão voltado para reeducar homens autores de violência contra a mulher.
Esse grupo de reflexão terá como missão colocar em prática um dos dispositivos da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, e que obriga o agressor participar de programas de reeducação afetiva e de convivência civilizada com a diferença de gênero, além de cumprir as penas cabíveis.

A informação é da delegada de polícia Amanda Machado Celestino, responsável pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, que está na Comarca de Itabira desde a sua instalação, em março de 2013.
“Temos em Itabira uma rede especializada de proteção e assistência à mulher em situação de violência doméstica, mas falta esse grupo de reflexão previsto na lei e que obrigue o agressor a participar das reuniões para se reeducar e quebrar a sua cultura misógina e machista”, explica a delegada. “Nas cidades onde já existem esses centros de reeducação, o índice de reincidência dos casos de agressão à mulher tem caído significativamente.”
Segundo a delegada, reeducar o agressor é uma forma de quebrar a cultura misógina (a repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres) e que provoca essa disparidade entre os gêneros. “O objetivo desse centro de reflexão é voltar os olhos ao agressor, investigar o porquê de tanto ódio e comportamento agressivo contra a mulher. E por meio da reflexão, mudar em definitivo esse comportamento desviante”, explica a delegada.

De acordo com Amanda Machado, o agressor é produto de uma ignorância cultural e social, historicamente definida e que o tem “legitimado” a usar a violência física e moral contra a mulher – uma cultura repulsiva que precisa e pode ser mudada.
Conforme ela explica, diferentemente do que imagina o senso comum, o agressor nem sempre vem de famílias em situação de vulnerabilidade social. Pode ser também, conforme se observa em muitas ocorrências, um homem bem-visto na sociedade, que tem uma boa posição social que garante o provimento da família e pode até ser um bom pai.
Ou seja, um típico membro da “sagrada família”, mas que não deixa de ser um misógino, o que provoca o desvio machista de comportamento, resultando na violência física e moral contra a mulher.
Essa cultura muitas vezes se manifesta não só na violência física, mas também na proibição de que roupa usar, de ir e vir, com quem a filha pode namorar e em outras formas de violência, como em uma ofensa verbal, psicológica, patrimonial, sexual. “São pequenos estigmas que contaminam a sociedade e faz propagar a distinção entre os gêneros, oprimindo a mulher”, define.
Ativismo
De acordo com uma pesquisa de 2010 da Fundação Perseu Abramo, cinco mulheres são espancadas a cada dois minutos no país. E mais: uma, em cada grupo de cinco mulheres, já sofreu algum tipo de violência de um homem, conhecido ou não, sendo que o próprio parceiro é responsável por 80% dos casos reportados. “A violência doméstica existe em todo lugar do país e Itabira não foge do padrão”, lamenta a delegada.
Como parte da mobilização permanente de enfrentamento da violência contra a mulher, Itabira irá participar de uma campanha internacional que se chama 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, uma mobilização anual, que ocorre desde 1991 (leia mais aqui http://www.compromissoeatitude.org.br/16-dias-de-ativismo-uma-mobilizacao-mundial-pelo-fim-da-violencia-de-genero/). A campanha será realizada entre os dias 25 de novembro a 10 de dezembro.
No ano passado, foi organizada uma bikeata e palestras em locais onde ocorre grande concentração da população masculina. “Para este ano, devemos ter algumas novidades e uma mobilização ainda maior”, promete a delegada, que participa ativamente da rede de proteção à mulher em Itabira juntamente com o Conselho da Mulher e a Comissão de Enfrentamento da Violência contra a Mulher.
A luta de Maria da Penha mudou a lei de proteção à mulher
A farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes não satisfeita com o acolhimento pela justiça brasileira dos sucessivos casos de agressão que sofreu, no início dos anos 1980, cometidos pelo marido, o professor universitário colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, recorreu às instâncias internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1998.

Em 1983, Maria da Penha levou um tiro de espingarda que a deixou paraplégica. Depois de receber alta no hospital, já em casa, foi eletrocutada na banheira pelo marido, o que quase a matou. Com a omissão da justiça, o Estado brasileiro foi condenado, em 2002, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos por negligência e tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres.
O marido agressor de Maria da Penha foi enfim condenado em 2002. E o Estado brasileiro, quatro anos depois, se viu obrigado a editar a lei e a adotar políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.
Mas só a existência da lei não se tem revelado suficiente para coibir essa violência. É preciso mudar toda uma cultura misógina e machista, que tem mutilado muitas mulheres e tem tornado a sociedade brasileira em uma das mais violentas em relação à diferença de gêneros.
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