Itabira, fez-se luz Drummond

Solar da família Drummond de Andrade (Fotos: Mauro Moura) 

Por Cristina Silveira

Do Oiapoque ao Chuí, em outubro de 1982, Carlos Drummond de Andrade foi lembrado, com seus 80 anos comemorados vivamente. No Rio, o tímido poeta foi “lambuzado” de afeto, banhado por uma onda cariocamente azul de amor em carne e osso.

É hábito meu frequentar assiduamente os Suplementos Literários da hemeroteca da BN-Rio. Por esses caminhos não encontrei outro escritor tão agraciado, admirado e respeitado – entre as várias camadas da sociedade – como o poeta Drummond.

Os grandes jornais das capitais, além da cobrir com notado prazer as homenagens, principalmente publicaram artigos assinados por grandes escritores. Mas, foi Itabira que se destacou na celebração de aniversário com uma crônica do poeta no Cometa, o Salão de Humor, a desdrummondização da avenida e o baú de prendas diversas que foi oferecido ao poeta.

Em 1982, o Cometa comemorava três anos de vida na Itabira sufocada por partículas venenosas de minério em suspensão no ar. A edição de n. 35, 31 de outubro de 1982, a capa estampa um desenho de Genin Guerra: Drummond diante de um bolo confeitado com as lombadas de seus livros. E bem no centro do saboroso bolo, duas velas, um 8 e um 0, observados pelo azul cristalino dos olhos do poeta.

Para as duas páginas centrais, o Cometa fez um passeio na ilha drummondiana e encontrou, “Notícias Municipais… Chegaram notícias de minha cidade natal…”. A crônica narra a história da sociedade da Cidadezinha, se faz especial entre as publicações dos jornalões, porque é ilustrada com fotos inéditas de Brás Martins da Costa, uma curadoria de Altamir Barros, itabirano de fina cultura e arte.

Avenidas e salão

Todos ao Salão! Todos às urnas no dia 15! O I Salão Nacional de Humor de Itabira ofereceu o prêmio Carlos Drummond de Andrade aos melhores desenhos sobre o tema: O Brasil e as Eleições. Foi o maior acontecimento nacional para louvar Carlos Drummond de Andrade.

A desdrummondização da Av. Carlos Drummond de Andrade, uma Procopada inusitada, isso nunca aconteceu em lugar nenhum do mundo.

Em 1967, o escritor Renato Sampaio ocupava uma cadeira na Câmara de Vereadores de Itabira. Sensível e culto o então parlamentar encaminhou pra votação um projeto lei destinado a dar o nome do poeta a uma avenida.

Em carta assinada em 13 de março de 1967 o poeta agradece ao Renato e considera: “confesso-lhe que nunca, nem em sonho, pensei tornar-me nome de rua, menos ainda de avenida, que é rua com penacho”. [O Cometa Itabirano, n. 29, maio de 1982].

Passados 15 anos o poeta pede embaixada ao Arp Procópio e ao Cometa para trocar a placa com o seu nome para o nome de seu pai, Carlos de Paula Andrade.

A Procopada fascinou o escritor e compadre por duas vezes, Cyro dos Anjos. E também o bibliografo Plinio Doyle. Aconteceu a desdrummondização por meio de um projeto de lei assinado pela vereadora Nitinha Drummond. Mas a lei só pegou na oficialidade: em Itabira ainda o povo não se refere à avenida CPA e sim avenida CDA.

Mas isso é democrático, o povo decide por onde quer andar, permanecendo o espirito das últimas palavras do artigo do Renato Sampaio no Cometa n. 29: “que esta avenida se estenda, se estenda até encontrar o coração enternecido do maior poeta do nosso século, Carlos Drummond de Andrade”.

Prendas diversas

O baú com prendas diversas foi um presente especial. Somente Itabira podia oferecer as prendas itabiraníssimas. Esse baú foi ideia de uma das “namoradas” itabiranas do poeta, a Malu Sampaio, assessora de relações públicas da Prefeitura. Malu é a “namorada” itabirana que mais assediou o poeta. Com frequência ela visitava, com cartas e mimos, o sétimo andar do n. 60, da rua Conselheiro Lafayete, dado que o moço não ia a Itabira.

O “namoro” foi tão intenso que teve até uma mentira. A Malu ligou pra dizer que ia visitá-lo e o Carlos de cara lambida marcou outra data alegando viagem ao sítio do neto. Mas “namorada é namorada” e desconfia. E ela descobriu que ele mentiu e quem contou a treta à Malu foi o neto Pedro Drummond.

Malu, elegante e sofisticada, cuidava dos interesses do “namorado” com zelo e firmeza. Quando a Escola de Samba da Mangueira desfilou No Reino das Palavras (1987), ela veio ao Rio conferir as fantasias e viu que faltava brilho num carro alegórico.

Arregaçou as mangas e construiu compridos tapetes cobertos de pellet-feed (obrigada Tim, Francisco de Oliveira Filho), aquele minério fininho, fininho, reluzente como as estrelas e ofereceu à Mangueira.

Foi assim que a cuica o tamborim o pandeiro reverberaram a força do samba da Praça Onze, com alegria geral no Sambódromo, até Itabira, até a Malu. E tudo foi lindo demais!

O poeta Drummond agradece o Baú com prendas diversas com o seguinte telegrama:

À Assessora de Relações públicas da Prefeitura, Maria Luiza Sampaio

Nem sei como exprimir minha emoção ao receber terna visita de Itabira através de suas palavras carinhosas e inúmeros presentes que atestam altos valores criativos e sentimentais da nossa gente. Peço aceitar meu profundo agradecimento dividindo-o com todos generosos conterrâneos que me distinguiram com lembranças tão deliciosas. Apertado abraço, Carlos Drummond de Andrade

Todos às urnas no dia 15! Todos ao Salão!

Vale lembrar: ainda da edição 35 do Cometa, um encarte, uma carta aberta da médica Izabel de Oliveira Horta – que lutou como uma mulher, – na defesa da boa saúde pública em Itabira.

Na carta, Izabel pede o voto pra chapa do PMDB: Para governador: Tancredo ou 5 – Senador: Itamar ou 50 – Prefeito: Virgílio Gazire ou 56 – Deputado Federal: Cássio Gonçalves ou 579 – Deputado Estadual: Jairo Magalhães ou 5243 – Para vereador: Carlos Cruz ou 5689.

Todos se elegeram, menos o amigo Carlos Cruz, editor da Vila de Utopia.