Itabira está muito atrasada na diversificação de sua economia, diz Kleber Guerra, responsável pela vinda dos chineses
O engenheiro Kleber Carvalho Guerra, ex-gerente da área de Energia, Telecomunicações e Engenharia de Manutenção Preditiva da então CVRD, foi um dos principais articuladores e mentores, junto com o ex-reitor Renato Aquino, pela instalação do campus avançado da Unifei em Itabira, em 2008. Ele saiu da Vale nesse mesmo ano para assumir a direção da área de mineração da Bucyrus Internacional no Brasil .
Juntamente com o professor Aquino, eles idealizaram também o Parque Científico e Tecnológico, ideia que só agora retorna com força, com a parceria que busca obter recursos financeiros com os chineses. Além da expansão do campus universitário, a parceria inclui a instalação do Parque Científico e Tecnológico, além de um aeroporto de cargas, em uma área próxima do Distrito Industrial. Leia mais aqui.
Para isso, a Prefeitura de Itabira está negociando um empréstimo de cerca de US$ 100 milhões com a empresa Chalieco (China Aluminum International Engineering Co. Ltd), subsidiária da gigante chinesa Chinalco (Alumínio Corporation of China Ltd.), maior produtora mundial de alumínio.
Na entrevista a seguir, Kleber Guerra fala com empolgação desses novos projetos, considerados imprescindíveis para Itabira sair da crise em que se encontra. Isso principalmente depois que foi oficializado, por via indireta, que o minério de Itabira deve mesmo exaurir em 2028, confirmando projeções anunciadas desde a década de 1980 pela Fundação João Pinheiro (leia aqui).
Confira a entrevista a seguir:
Em um primeiro momento, causa estranheza essa ideia de se instalar em Itabira um aeroporto industrial de cargas, em uma região onde a produção é basicamente de minério de ferro, que é transportado por ferrovia e grandes navios. Como é que entra esse aeroporto na estratégia de diversificação da economia local?
– Itabira tem uma localização que pode ser transformada em polo logístico de toda essa região, que subindo para o nordeste chega até a Bahia. O município tem essa vocação logística que até aqui não foi bem explorada ao longo dos anos. Até então é fim de linha, mas o município tem esse potencial de escoamento logístico que precisa ser explorado economicamente.
E o transporte aéreo hoje compete com o ferroviário. Para ter ideia, o transporte de rolamentos via aéreo sai mais barato que o rodoviário, que tem de contratar batedores para evitar assaltos ao longo do trajeto. É também competitivo para o transporte de cargas com alto valor agregado, da mesma forma, em decorrência também da situação de insegurança que o país vive.
Por que o aeroporto surge como projeto acoplado ao Parque Científico e Tecnológico?
O parque tecnológico está sendo projetado para produzir bens de consumo de alta tecnologia. Veja bem: um container com celulares da Apple tem o mesmo valor da produção mensal de minério de ferro da Vale em Itabira. O que se projeta é que o parque de Itabira irá gerar produtos com alto valor agregado. A proposta do aeroporto é para dar mais competitividade às empresas que aqui podem se instalar – e até mesmo atrair empresas âncoras. Esse é um dos motivos do aeroporto, mas não é o único. Mas, convenhamos, é um motivo muito forte.
A instalação imediata do aeroporto, na medida em que a região ainda não dispõe de uma produção diversificada que demande transporte aéreo, não estaria passando o carro na frente dos bois?
Não, são empreendimentos que precisam sair em paralelo. A empresa para se instalar no parque irá olhar os fundamentos que o parque tem para torná-la competitiva. O aeroporto industrial tem uma legislação específica. As empresas que estão no entorno do distrito industrial têm benefícios tributários de exportação e importação. O que torna as empresas muito competitivas.
Portanto, o aeroporto é fundamental para dar competitividade a essas empresas que não competem localmente, mas no mundo. Elas irão agir e produzir localmente, mas competem globalmente.
Que tipo de empresas podem se instalar no Parque Científico e Tecnológico?
Empresas, por exemplo, na área de energia. Eu estava conversando há pouco com o professor Marcel (Parentoni, vice-reitor da Unifei) sobre isso. A China é um país muito forte em tecnologia e essa parceria que Itabira está fazendo ajuda muito nesse sentido.
Uma das possibilidades (de atração de indústrias tecnológicas) está ligada ao carro elétrico. Não estou falando de uma montadora, mas de uma fábrica de bateria. Não se trata da bateria auxiliar dos carros comuns, mas de baterias para carros elétricos. Isto é, estamos falando do combustível que faz o carro elétrico se mover.
Outro segmento que a China é muito forte é de produção de suporte à vida. São fabricantes de equipamentos para tomografia computadorizada, ressonância magnética, próteses. São empresas que requerem alta tecnologia. O parque tecnológico pode ser o berço dessas empresas em parceria com a Unifei.
Outro segmento é o da biotecnologia. A Unifei já tem pedido para instalar em Itabira uma faculdade de Medicina, protocolado no Ministério da Educação. A sua instalação deve ter prioridade assim que o governo federal liberar a abertura de novos cursos nas instituições federais. O projeto pedagógico da Faculdade de Medicina de Itabira está na frente com o protocolo da Unifei.
O curso de medicina protocolado tem esse viés forte em tecnologia. O curso tem de ter o currículo básico da clinica médica, mas o que se pretende é ter uma faculdade de medicina que tenha esse viés forte em tecnologia, voltada também para o desenvolvimento de novos equipamentos, de próteses.
Vejo com o otimismo essa vocação para o Parque Tecnológico na área de saúde, como também de energia, de desenvolvimento de softwares. Por isso são importantes os programas de startups que irão para dentro do parque. Com uma boa infraestrutura, que inclui o aeroporto industrial, empresas graduadas, que são âncoras, podem ser atraídas para o parque.
Itabira não corre, mais uma vez, o risco de tudo isso virar mais uma frustração, mais uma perda incomparável, como ocorreu com as anunciadas como certas instalações das montadoras da Hynday, da BMW, fábrica de MDF (aglomerados)?
Pelo lado chinês essa garantia é de 100%. Pelo lado brasileiro eu não vejo essa dificuldade de relacionamento do governo federal com a China.
Isso mesmo com a opção preferencial e declarada do presidente Bolsonaro pelos Estados Unidos, que mantêm relações conflituosas com aquele país?
Não, não vejo. A China é um pais hoje considerado ultra capitalista. É o pais que mais produz novos milionários no mundo, inclusive mais que os Estados Unidos.
E tem um nível de competição muito grande. A economia de mercado na China é violenta. Dentro de um mesmo grupo, como Chinalco, as empresas concorrem entre si.
O que depende para tudo isso ser aprovado. O governo federal tem que dar o aval?
Tem que aprovar porque o financiamento internacional de uma entidade pública precisa do aval do governo federal. E o avalista deve ser o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
A Cfem (Compensação Financeira pela Exploração Mineral) que Itabira arrecada já está comprometida em grande parte como custeio do Hospital Municipal Carlos Chagas e com a limpeza urbana. Como então pode ser dada como garantia para o empréstimo?
A Cfem não é garantia para os chineses. É garantia para o BNDES. A garantia que o município irá dar para a União, que vai ser avalista por meio do BNDES, é a Cfem. Já a garantia para os chineses que farão o empréstimo será dada pelo BNDES.
Quanto tempo pode durar essas negociações?
Isso vai depender dos trâmites em Brasília. O momento é propício. O país precisa de investimentos externos e Itabira está saindo na frente.
Pelo modelo de parceria anunciado, além do empréstimo a empresa chinesa irá construir a infraestrutura. Como fica isso diante da legislação brasileira de licitação?
Esse é o modelo EPC+F(Engineering, Procurement, Construction mais Financiamento), que será tratado com o governo federal. Quando se tem o EPC+F, a taxa é vinculada e é mais baixa que outros empréstimos internacionais, com juros que saem entre 5% a 6% ao ano. Pelo EPC+C a taxa é de 2% ao ano.
Mas explica melhor: os chineses é que irão executar as obras?
Não, eles não irão executar diretamente, mas irão contratar as empresas. Para isso terá que haver aval do governo federal para fazer uma licitação diferenciada, pela formula EPC+F. E irão contratar empresas brasileiras. Isso será tratado também com o governo federal, que é a possibilidade de fazer uma licitação de EPC+F.
Existem balizamentos internos com relação a preços de execução. Há uma prática internacional de se ter empresas de notório conhecimento, que são empresas que já fazem isso para a iniciativa privada, comparando preços internacionais, sem precisar passar pela legislação da licitação.
Como foi impressão dos chineses depois da visita a Itabira?
Eles ficaram muito bem impressionados com a Unifei. Repetem sempre que a alternativa de Itabira, ao optar pela educação como um dos segmentos a ser desenvolvido para diversificar a economia, foi a opção assumida pela China para fortalecer a economia e se tornar o principal país do mundo em produção tecnológica. Eles também acreditam que é esse o melhor caminho.
Qual é a sua relação com a Prefeitura de Itabira? Você é consultor?
Eu não tenho relação comercial nesse caso. Sou um cidadão itabirano preocupado com o futuro do município. O meu único objetivo é acender mais uma lanterna, clarear os passos frente à exaustão. O tempo está muito curto. Itabira está muito atrasada nesse processo de diversificação de sua economia.
já faz décadas. Foi nos anos 1990. Foi quando a Vale decidiu vender a Esplanada da Estação. A ideia primeira, ainda incipiente naquele momento, foi de um condomínio privado e fechado, com portaria, etc.
Me lembro que Milton Bueno, então presidente do Metabase de Itabira, sindicato dos trabalhadores em mineração, propôs que naquela área fosse instalada um parque de indústria eletrônica, uma variação do Vale do Silício.
Justamente análoga ao que se propõe agora nessa possível e difícil parceria com os chineses.
O Jornal O Cometa também entrou em campanha contra o lugar virar um condomínio para poucos e privilegiados, ao invés de ser um parque de indústria fina, a de tecnologia do futuro. Futuro naquela época.
Perdemos.
Pena que a proposta de agora não seja de desenvolver novas tecnologias próprias. Política que nunca existiu no Brasil. Aqui não se fabrica nem liquidificador legitimamente brasileiro.
A proposta é fabricar peças e componentes para produtos finais chineses fabricados na própria China.
Mas, sendo sincero e conformista: melhor que nada. Muito melhor.