Itabira e seus necessários adventícios: “é urgente refletir sobre o fechamento das minas e agir”, sugerem pesquisadores da FEI, de São Paulo
Foto: Vila de Utopia
Carlos Cruz
Feliz é Itabira que tem os estrangeiros, os adventícios, como os chamava o embaixador Antônio Camilo, itabirano e um dos fundadores do Instituto Rio Branco, escola de formação de diplomatas do Brasil. São aqueles que não vêm, ou vieram, para explorar o subsolo, mas, sobretudo, para trazer outras visões da realidade.
Foi o que fez o professor Laboriau, citado por Drummond na crônica Vila de Utopia, ao alertar os incautos itabiranos fascinados com “o seu bilhão e 500 milhões de toneladas de minério com um teor superior a 65% de ferro, que darão para ‘abastecer quinhentos mundos durante quinhentos séculos’, conforme garantia o visconde do Serro Frio”.
Como confirmou e advertiu o professor Labouriau, “os números que exprimem a quantidade de minério de Itabira são astronômicos: de tão grandes tornam-se inexpressivos”.
Pois mais uma vez, após oito décadas de exploração ininterrupta em larga escala do minério de ferro em Itabira, no começo a hematita com mais de 65% de ferro, agora o que resta dos itabiritos duros, que precisam ser moídos antes de virarem pellets-feed, foi preciso aparecer novos adventícios para advertir a cidade sobre o óbvio ululante, a derrota incomparável que já bate às portas com o fim inexorável.
Letargia e desmobilização
“Itabira precisa cobrar da Vale o Plano de Fechamento das Minas e a sua execução, antes que seja tarde”, é uma das sugestões apresentadas por pesquisadores paulistas que estivem em Itabira no ano passado, agora de volta para apresentar as conclusões de suas teses de doutorado: Rodrigo Silva Barreto e Adriano Augusto França Pimenta, orientados pelo professor Jacques Demajorovic.
Suas teses de doutorado, intituladas “Engajamento com stakeholders no fechamento de minas” e “Governança territorial e os aspectos sociais no encerramento minerário”, destacam a necessidade urgente de Itabira se preparar para o futuro pós-mineração.
Daí que suas teses precisam ser esmiuçadas e recebidas como contribuições necessárias para os itabiranos saírem da letargia predominante na cidade há mais de oito décadas.
Barreto e Pimenta são pesquisadores do Centro Universitário da Fundação Educacional Padre Saboia de Medeiros (FEI), de São Paulo. Eles vieram a Itabira para, em um trabalho de campo, descobrirem o que os itabiranos pensam sobre o futuro fechamento das minas locais.
Eles alertam para o fim inexorável, que, segundo relatórios fictícios da Vale encaminhados à Bolsa de Nova Iorque, será em 2041. Antes, a exaustão mineral ocorreria já em 2025, data que deu nome a projeto da Acita, a associação comercial local, que prometia alavancar investimentos para diversificar a economia local, mas resultou em nada.
Na devolutiva à sociedade itabirana das pesquisas e conclusões de suas teses de doutorado, os prognósticos dos pesquisadores paulistas não são alentadores. “Itabira não está preparada para viver sem a mineração e pouco tem feito para reverter esse quadro de estagnação.”
Repetem, com outras palavras, o que já advertia Carlos Drummond de Andrade, na mesma crônica Vila de Utopia, há mais de 90 anos, diante da letargia itabirana frente à riqueza monumental que existia no pico do Cauê. Segundo ele, tamanha riqueza acaba sendo um grande mal para Itabira. “A cidade é paralítica, não avança nem recua.”
Comunicação nada transparente
Estranham os pesquisadores a falta de comunicação transparente da Vale com os seus stakeholders (influenciadores, que são também afetados pela atividade e pela futura exaustão) sobre o iminente fechamento das minas locais, sendo que Cauê exauriu em 2003, sem sequer ter ocorrido, por parte da Vale, um comunicado oficial à cidade.
“Não há uma discussão ativa da Vale com a comunidade itabirana. As poucas informações (para as pesquisas) foram obtidas de forma indireta, como os dados apresentados à Bolsa de Nova Iorque, variando a cada ano, sobre a data da exaustão. Essas informações deveriam estar disponíveis com todos os dados em Itabira”, criticou o pesquisador Adriano França.
Desde 2013, a Vale é obrigada pela agência reguladora da mineração a atualizar a cada cinco anos as informações do Plano Regional de Fechamento Integrado das Minas de Itabira (PRFIMI), elaborado pela Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria.
Este plano é o único que até hoje se tornou público, mas oficiosamente com a publicação neste site, sem que a Vale tenha desmentido ou confirmado sua autenticidade. Conheça a sua íntegra aqui.
Questionada, a mineradora simplesmente boquifechou-se. Deve ter sido apresentado à agência reguladora, na época o DNPM, só para “inglês ver”, quer dizer, os acionistas de Nova Iorque – e para cumprir uma legislação vaga e cheia de lacunas.
Ecoparque Cauê e outras propostas
No plano, consta a proposta do Ecoparque Cauê, cujo “driver indutor” deve ser a produção de insumos terapêuticos para hospitais e indústria farmacêutica, com cultivo de plantas medicinais nas pilhas de estéril dispostas nas cavas exauridas – e também no platô da pilha Convap.
Recentemente, este repórter sugeriu ao Conselho Municipal de Meio Ambiente (Codema) a instalação de um grupo de estudo para discutir com a Vale o Plano de Fechamento das Minas.
A sugestão foi acatada pelo conselheiro Sydney Almeida e aprovada, inclusive com o voto do conselheiro da mineradora. Mas a Vale, em lacônica e evasiva declaração, negou-se a participar desse necessário e urgente debate.
Drummond e a falta da visão crítica à mineração
É assim que a mineração em Itabira vai chegando ao fim, ainda com o minério seguindo no “trem maior do mundo, que um dia não voltará, pois nem terra nem coração existem mais”, como advertia Drummond em O Maior Trem do Mundo, publicado pela primeira vez no jornal O Cometa Itabirano.
Isso acontece paulatinamente sem que a Vale apresente o que será do futuro de Itabira depois de exaurir a última frente de lavra viável no município.
Pois foi essa ausência da visão crítica e contundente na cidade, por parte do prefeito, dos vereadores, da sociedade civil organizada e mesmo desorganizada, a falta da necessária crítica ao modelo de mineração, e agora, por consequência, ao próprio processo de fechamento de mina, que os pesquisadores constataram em Itabira.
“O que vai ser de Itabira quando as minas fecharem? O que será feito dos atuais empregos?”, perguntaram os pesquisadores aos presentes nas reuniões na Interassociação e no Rotary. “Cadê o plano de empregos para o depois da mineração?”, perguntaram na reunião com lideranças comunitárias na Interassociação e com os rotarianos de Itabira.
A pergunta ficou sem resposta porque, pelo menos por enquanto, quase não há uma preocupação mais contundente, convincente e perturbadora em relação à “ordem natural” da mineração, que ocorre há décadas no município sem que a Vale se digne a abrir informações para a sociedade local.
Assim como os pesquisadores, também o poeta Drummond, para quem “tanta riqueza em potência vem sendo, talvez, um grande mal para a Vila de Utopia”, continua sem respostas às suas pertinentes e históricas indagações:
– Itabira, onde estão tuas trinta fábricas de ferro do tempo do barão de Eschwege, com seus cadinhos dotados de trompas e martelos hidráulicos, os seus fornos e as suas oficinas de armeiro, que antecederam e suplantaram em eficiência a real fábrica do Morro do Pilar?
– Onde estão, Itabira, os escravos e os faiscadores de João Francisco de Andrade e do capitão Tomé Nunes, varejando os regatos e as encostas de Santana e da Conceição e produzindo mais de 7 mil oitavas de ouro, quando já a mineração declinava no Brasil?
Diálogo ou resistência
Antes, até havia um certo respeito da Vale com Itabira, mas foi por pouco tempo. Após a privatização em 6 de maio de 1997, quando o governo brasileiro vendeu a maior parte de suas ações da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) pela bagatela de US$ 3,3 bilhões, os presidentes da Vale, a exemplo do embaixador Jorio Dauster e seus sucessores, vinham a Itabira para vivenciar a cidade.
Eles até “auscultavam” a população da “boca da mina”, caminhavam pelo centro histórico e visitavam o gabinete do prefeito. Roger Agnelli (1959-2016), que presidiu a Vale de 2001 a 2011, fez inúmeras dessas visitas ao prefeito da época em seu gabinete.
Hoje, no entanto, a situação é diferente. Quando o presidente da Vale, Gustavo Pimenta, visitou a “boca da mina” em 25 de novembro, ele não se dignou a procurar o prefeito em seu gabinete para iniciar um diálogo próspero e transparente.
Veio apenas para “dialogar” com seus empregados, simbolicamente no complexo Cauê que será paralisado por dois meses no início do ano. Voltará a funcionar? A Vale responde, peremptoriamente, que sim. Afinal, ela não é boba de abandonar esse ativo importante para a produção em Minas Gerais.
Na ocasião, foi o prefeito Marco Antônio Lage que saiu de seu gabinete e se dirigiu até a mineradora para se encontrar com o presidente da Vale e apresentar o projeto Itabira Sustentável, lançado em 30 de novembro de 2023 em parceria com a mineradora com inúmeros projetos, que praticamente até então não saiu do papel, exceto a faculdade de Medicina, do UNIFuncesi.
Já os vereadores, ora esses nem chegaram perto, não foram convidados para o encontro com o presidnete da Vale. Afinal, eles quase não questionam a mineradora, salvo uma ou outra exceção, daí que nem se fazem notar, pelo menos nesta atual legislatura, como ocorria também anteriormente.
Mineradora precisa retornar o diálogo
Os pesquisadores confirmam o que há muito é sabido: a Vale controla o discurso sem estabelecer um diálogo aberto com Itabira.
“As informações chegam sempre de forma incompleta ou indireta, de acordo com os interesses da empresa. Não dá oportunidade de sanarem dúvidas ou questionarem diretamente a empresa,” criticou o pesquisador Rodrigo Barreto.
Conforme manifestou o engenheiro ambiental Claúdio Guerra, outro adventício da vizinha Nova Era, que volta e meia dá oportunos pitacos sobre as urgentes questões ambientais pendentes em Itabira, convém Itabira ouvir o que dizem os pesquisadores da universidade paulista.
“São dois pesquisadores, um dedicado mais à área de economia, diversificação econômica e desenvolvimento; o outro, às questões sociais. O orientador é um sociólogo experiente. O resultado de suas pesquisas deve estar muito interessante”.
Para Guerra, ativista ambiental conhecido por seu trabalho pioneiro na pesquisa e conservação da bacia do Rio Piracicaba, Itabira deve urgentemente tomar conhecimento das teses de doutorado desses pesquisadores sobre o iminente fechamento das minas locais.
Talvez seria o caso de Itabira promover um seminário, à semelhança do que fez em 1984, com o Fórum de Debates das Alternativas de Itabira, que antecedeu o I Encontro Nacional de Cidades Mineradoras.
“O futuro é agora”, já diziam as autoridades naquela ocasião, 44 anos atrás. Pois o futuro já está virando passado. E nada, ou quase nada, ainda aconteceu para mudar esse quadro que se avizinha de derrota incomparável.