Itabira decreta emergência hídrica em meio à seca prolongada e queda na vazão dos mananciais
Crise hídrica de agora repete o ocorrido em anos anteriores, conforme se viu no ano passado e que tem sido agravada ano a ano
Foto: Thamires Lopes/ Ascom/Saae
Medida é preventiva e busca garantir o abastecimento em todos os bairros, sendo necessário também o uso racional da água pela população para evitar o colapso do sistema hídrico municipal
Como tem sido recorrente nas últimas décadas, Itabira enfrenta mais uma vez uma severa crise hídrica, agravada pela ausência de chuvas significativas desde o fim do verão, sem que se tenha sequer respingos neste mês de agosto, segundo o Clima Tempo. A precipitação acumulada no mês não ultrapassa os 16 mm, valor muito abaixo da média esperada para a região, o que confirma a estiagem prolongada que assola o município e boa parte do estado de Minas Gerais.
A estiagem está associada à atuação da chamada Alta Subtropical do Atlântico Sul (ASAS), sistema de alta pressão que inibe a formação de nuvens e impede a entrada de frentes frias, que são as principais responsáveis pelas poucas chuvas do período. A umidade relativa do ar em agosto variou entre 68% e 74%, com picos de secura nos dias mais quentes.
Diante dessa escassez, a Prefeitura decretou situação de emergência hídrica, válida até 30 de novembro de 2025. A medida busca garantir o abastecimento mínimo à população, especialmente nos bairros mais afetados.
Os únicos bairros que não estão nessa situação, pelo menos até aqui, são os abastecidos pelas Três Fontes, com água subterrânea captada de poços profundos dos aquíferos, do “legado” que havia sido prometido pela Vale para o abastecimento na cidade com a exaustão das Minas do Meio – e que está sendo soterrado por estéril e rejeito de minério, o que é mais uma perda incomparável para a cidade, dentre tantas já ocorridas e outras que certamente virão.
Racionamento e responsabilidade coletiva
Com o decreto, fica proibido o uso de água potável para lavar carros, calçadas e áreas externas. Além disso, o Saae recomenda banhos curtos, reaproveitamento de água sempre que possível para irrigar as plantas e uso consciente em atividades domésticas. “Estamos diante de um cenário crítico, que demanda responsabilidade coletiva”, afirma o presidente da autarquia, Valdeci Luiz Fernandes Júnior.
Sem reforço imediato da Vale, que, segundo o TAC firmado com o Ministério Público de Minas Gerais, deve garantir no mínimo 160 litros por segundo ao sistema público, que precisa ser ampliado – e sem a colaboração da população, o risco de colapso é iminente mesmo com o racionamento e uso racional pela população.
Gatos e Pureza em colapso
Na Estação de Tratamento de Água (ETA) dos Gatos, a capacidade produtiva caiu de 80 litros por segundo para uma vazão média de apenas 30 litros por segundo. Daí que a Prefeitura teve que recorrer a caminhões-pipa para reforçar o sistema e atender residências em situação emergencial.
Já a ETA Pureza, responsável pelo abastecimento de cerca de 60% da população, opera com vazão média de 50 a 55 litros por segundo, metade do que já foi considerado normal. A água, além de escassa, chega barrenta e exige tratamento pesado para se tornar potável – e não é de classe especial como a que é utilizada pela mineração.
Monopólio das águas
É assim que a crise hídrica em Itabira não é apenas climática, é estrutural. A mineradora Vale é a maior responsável pela escassez, por ter destruído mananciais históricos como as fontes do Pará, a água superficial das Três Fontes, Bicão, Penha, Camarinha e Borrachudo, que antes abasteciam a cidade.
Além disso, a empresa detém o quase monopólio das outorgas de uso das águas superficiais e subterrâneas no município, o que compromete o abastecimento público em favor do uso industrial.
Enquanto a população sofre com torneiras secas, a água dos aquíferos é usada pela Vale para lavar minério e controlar poeira nas vias de acesso às minas.
O consumo hídrico da empresa chega a ser três vezes maior que a demanda urbana, segundo o Saae.
Transposição de água do rio Tanque tem atraso de 25 anos
A solução considerada definitiva para resolver a escassez hídrica na cidade, isso se a fonte não secar no curto prazo, já que medidas ambientais não têm sido adotadas, como a recomposição de mata ciliar, é a transposição da água do rio Tanque, o que deveria ter ocorrido desde o ano 2000, quando foi aprovada a Licença de Operação Corretiva (LOC) do Distrito Ferrífero de Itabira.
Só agora, por força de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público em 2020, a obra começou a sair do papel. O cronograma prevê conclusão apenas em 2026, embora muitos na cidade duvidem que será cumprido.
O TAC é decorrente do Código das Águas, que prioriza o consumo humano, e também pela promessa frustrada de que o acesso aos aquíferos seria “o grande legado da mineração” após a exaustão das Minas do Meio, conforme foi divulgado no jornal Vale Notícias, house-organ da mineradora que circulou na cidade até 2015.
Entretanto, esse legado ficou para as calendas gregas, com a decisão de ocupar as cavas exauridas por rejeitos e estéril, inviabilizando o uso futuro das águas subterrâneas como solução para o abastecimento urbano.