Itabira, apenas uma fotografia na parede

Mina do Cauê, Itabira-MG, 1961.

Fotos: Revista Joia-Rio
Pesquisa: Cristina Silveira

[A dívida histórica do Estado Brasileiro para com Itabira é impagável, mas precisa ser cobrado também da mineradora gulosa que já levou quase tudo – MCS]

Revista Joia – Rio, 1/7/1961 – Esse Drummond que traz oitenta por cento de ferro na alma e um alheamento que na vida é porosidade e comunicação. Esse Drummond cuja vontade de amar, que lhe paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. Esse Drummond cujo hábito de sofrer, que tanto o diverte, é doce lembrança itabirana.

Esse Drummond que nos entrega, subcolor de poesia, um São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval, um couro de anta estendido no sofá da sala de visitas, seu orgulho, sua cabeça baixa. Esse Drummond que transformou Itabira do Mato Dentro em sangue e poema. Que tornou Itabira talvez mais lírica e mais nobre que Cachoeiro de Itapemirim, mesmo tendo esta seu Lord Chico Sapo e seu Orlando Sapateiro.

Estudantes de Itabira na mina Cauê, Itabira-MG, 1961. Foto: Revista Joia-Rio)

“Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!” – exclama o fazendeiro-do-ar, Carlos Drummond de Andrade, que teve ouro, teve gado, teve fazendas e hoje é funcionário público, (exemplar com horário biquíni e tudo, zelando pelo ameaçado patrimônio histórico e artístico do Brasil). Esse Drummond que alguns anos viveu em Itabira sendo, por isso, triste, orgulhoso de ferro.”

Não é somente por ter um filho ilustre como CDA que Itabira se liga à nossa melhor literatura. Ali viveu alguns anos da infância um dos maiores romancistas brasileiros: Cornélio Penna. Na página 1367 de suas Obras Completas (Edição Aguilar, 1958), lê-se, em relação a Cornélio Penna e sua família, que estes “voltam para Itabira” (já lá haviam estado três anos antes), “onde duas recordações” fixam-se na memória do romancista: o cometa Halley e o enterro de Maria Santa, personagem de Itabira que se tornou a figura principal do seu primeiro romance”. Neste (Fronteira), como nos outros, dos mais estranhos e profundos que a literatura deste país já conheceu, surpreende-se, como pano de fundo, aquela atmosfera angustiada por um calor de ásperas montanhas, “sem horizonte”, como quer CDA.

Rua Dom Prudêncio: A igreja da Saúde, da antiga Confraria do Cordão de São Francisco, Itabira-MG, 1961. Foto: Revista Joia-Rio.

Mas Itabira, ela mesma, que será?

O que, de saída, impressiona o visitante são as grotas da cidade. Delas dizem duas coisas lisonjeiras. Primeiro: se fossem exportadas, em lugar do minério, renderiam muito mais divisas; Segundo: acompanham a topografia, sendo cheias de curvas e altos e baixos. A verdade é que elas, como o resto do povo, não vivem com a opulência que a riqueza do solo faz acreditar possível. Contam apenas com um cinema de classe inferior e o passeio na calçada. Estudam na escola do comércio ou no ginásio.

Este está instalado num casarão de mais de 120 anos, de pau a pique, já desmoronando, com falta de salas e precariedade de instalações sanitárias. A diretora, D. Inês Torres da Costa, teve de recusar estudantes, mesmo desdobrando os horários e dando aulas até às 24 horas. Sente-se orgulhosa das meninas estudiosas de fato. Mas ratazanas passeiam pelas carteiras, causando até desmaios. Mas os alunos da noite estudam à luz de velas, pela falta de energia elétrica. Mas dois alunos já foram mordidos por escorpiões.

Nesta velha casa solarenga Drummond abriu os olhos para a poesia. Foto Revista Joia-Rio

Este está instalado num casarão de mais de 120 anos, de pau a pique, já desmoronando, com falta de salas e precariedade de instalações sanitárias. A diretora, D. Inês Torres da Costa, teve de recusar estudantes, mesmo desdobrando os horários e dando aulas até às 24 horas. Sente-se orgulhosa das meninas estudiosas de fato. Mas ratazanas passeiam pelas carteiras, causando até desmaios. Mas os alunos da noite estudam à luz de velas, pela falta de energia elétrica. Mas dois alunos já foram mordidos por escorpiões.

Apesar de tudo, o povo é feliz e sente-se vaidoso de sua cidade. Um terço da população, que é de 45 mil habitantes, gira em torno da Companhia Vale do Rio Doce. Esta deixa, de retorno ao Município, Cr$ 100 milhões, de um Fundo de Melhoramento e Desenvolvimento do Vale do Rio Doce, “só isso”, insuficiente para que este se desenvolva.

Considera-se o melhor do mundo o minério de ferro aí produzido e suas jazidas são também as mais ricas do mundo. Exportado, o minério rende, em divisas, mais que 17 Estados brasileiros, separadamente. Entretanto, Itabira não tem produção agrícola. Quem não depende, direta ou indiretamente, da Companhia, vive do comércio.

Daí ser a grande aspiração dos itabiranos mudar para lá a sede da Vale do Rio Doce, o que, quando menos, renderia à cidade maior assistência social e melhores estabelecimentos escolares. A luta é dos estudantes, secundados pelos operários. Estes ameaçam, caso não fossem atendidos, deita-se nos trilhos da estrada de ferro, juntamente com suas famílias. Cumpriram o prometido. Virão os resultados?

Mina do Cauê, Itabira-MG, 1961. Foto: Revista Joia-Rio

A estrada de ferro Vitória-Minas é a mais bem aparelhada do gênero, na América do Sul. Sua abertura foi calculada em 250 contos de réis o quilometro (numa extensão de 598), perfazendo o total aproximado de 144 mil contos, acrescidos de outros 45 mil para estações, oficinas, escritórios e material rodante geral. O primeiro minério exportado teve o preço de 100 mil-réis a tonelada e foi para os EUA.

O preço atual é de 11 dólares (minério de alto teor, com 68,5%, no mínimo) ou 8 dólares (minério fino, produzido na extração da hematita compacta). Em 1959, a Companhia exportou 3.200 mil toneladas de hematita (minério de alto teor) e muito pouco minério fino. No ano seguinte, 3.300 mil de hematita e 700 mil de finos, lucrando Cr$ 6 bilhões. Para 1961, o programa é de 4 milhões de toneladas de hematita e 2 milhões de finos.

Por essas razões, resolveram os itabiranos, em 1954, capitaneados pelo Dr. José Hindemburgo Gonçalves, fazer uma série de reivindicações, contidas em diversos itens, que, efetivados, tornaria Itabira uma das mais prosperas cidade do Brasil, alimentando-se de sua própria riqueza e tendo condições mais humanas de vida. A campanha mereceu o apoio de mais de 300 Câmaras Municipais, inclusive as de Belo Horizonte e Rio. Agora, os estudantes ampliaram o programa de reivindicações.

Desejam eles a sede administrativa da Companhia em Itabira, segundo dispõem os próprios estatutos desta; uma justa redistribuição do Fundo de Melhoramento e Desenvolvimento do Vale do Rio Doce; construção de mercado Municipal, matadouro, hotel de turismo, estação rodoviária, rede de esgotos, ampliação da rede de água; canalização do Córrego da Penha até fora da cidade, a fim de evitar os danos causados pelos finos de minério; reorganização e ampliação da Siderurgia Vatu acelerando-se sua instalação para aproveitar melhor o fino de minério, transformando-o em ferro-esponja, com um capital inicial de 600 milhões de cruzeiros.

A Siderurgia Vatu, acelerando-se sua instalação para aproveitar melhor o fino de minério, transformando-o em ferro-esponja; organização e instalação, urgente, da Cia Benita, com o fim de concentrar o itabirito (minério com teor aproximado de 47%), cujas reservas em solo itabirano sobem à casa do bilhão de toneladas; construção imediata das instalações para funcionamento do escritório central em Itabira, bem como residências para seus funcionários; melhor ajuda ao ensino, construindo-se prédios para os cursos secundário e médio, que funcionam em locais adequados; construção de uma praça de esportes; melhor assistência social aos empregados da Companhia e sua participação nos lucros.

Por enquanto, nada disso passou ao plano da realidade. Fundada em 1772, pelos bandeirantes Irmãos Albernaz, para extração de ouro de aluvião; feita cidade em 1848; tendo suas primeiras fábricas (duas, de tecidos) em 1888; ganhando luz em 1915; mudando o nome, na ditadura, para Presidente Vargas, e voltando ao primitivo em 1947, no governo Milton Campos, Itabira é hoje muito menos do que desejam os itabiranos.

E agora Drummond?

[Joia – Revista Feminina Quinzenal (RJ), 1/7/1961. Hemeroteca da Biblioteca Nacional Rio – Pesquisa: Cristina Silveira]

Nota da Redação

*”Siderurgia Vatu, refere-se à Companhia Siderúrgica Vatu, a primeira subsidiária da CVRD, fundada na década de 1960. A empresa tinha como objetivo o beneficiamento de minérios e a fabricação e comercialização de ferro-esponja, com um capital inicial de 600 milhões de cruzeiros. A Siderurgia Vatu, representa um marco na história da siderurgia brasileira, sendo pioneira em algumas atividades específicas”.

*”A Companhia Benita foi outra subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), criada em 1961. A CVRD, hoje conhecida como Vale, foi fundada em 1942 e originalmente focada na exploração de minério de ferro em Minas Gerais. A Benita, como subsidiária, provavelmente estava envolvida em atividades relacionadas à mineração ou beneficiamento de minérios, mas foi liquidada em 1968 devido a orientações governamentais.”

 

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