Interesses privados impedem a conclusão e instalação do restaurante popular
Lenin Novaes*
A proposta de transformar a construção inacabada do Restaurante Popular de Itabira, em Minas Gerais, em farmácia deve estar esperando ventos favoráveis para se concretizar. É o que tudo indica com o silêncio dos vereadores e a impassibilidade de considerável parcela da população. A justificativa dos defensores da proposta é tão absurda tanto quanto a incapacidade ou falta de interesse (camufladas) da Prefeitura em concluir a obra.
A questão de fundo para abortar o projeto, que teve orçamento de mais de R$ 1,5 milhão, podendo ultrapassar R$ 2 milhões para ser finalizado, é o forte lobby de empresários do setor de alimentação. E isso foi escancarado pelo chefe do poder Executivo, o prefeito Ronaldo Lage Magalhães, há alguns meses, e ganhou o coro e cumplicidade de um dos vereadores. Enfim, é evidente o desinteresse do poder público em não concluir a obra, pois não tem preocupação com as bocas abertas dos itabiranos que gritam por comida.

Nesse sistema capitalista selvagem (nunca deixou de ser), dentro da desastrosa conjuntura política brasileira (atualmente e desde sempre), sobreviver continua sendo uma grande aventura. Portanto, a ação do poder público em oferecer refeições em restaurante popular, a baixo preço, se torna uma alternativa para a maioria dos trabalhadores que recebem salário mínimo. Nos centros das grandes metrópoles, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Belo Horizonte, boa parcela de trabalhadores dorme nas ruas, debaixo de marquise dos prédios, para economizar dinheiro com despesa de passagens de transportes, pois trabalham em regiões bem distantes de suas casas.
E, prezados leitores do Vila de Utopia, a cidade de Itabira – berço natal do poeta e jornalista Carlos Drummond de Andrade – poderá ter novas eleições. É que com menos de quatro meses de gestão, final de abril, o prefeito Ronaldo Lage Magalhães (PTB) e a vice-prefeita Dalma Helena Barcelos Silva (PDT) tiveram os mandatos cassados por decisão da juíza Fernanda Chaves Carreira Machado, da 132ª Zona Eleitoral, acusados de irregularidade na prestação de contas da campanha. As irregularidades são de doações feitas por cheques em valores superiores ao previsto pela Resolução do TSE 23.463/2013; origem oculta dos recursos doados para a campanha e falta de capacidade financeira do candidato. Com 30.018 votos, Ronaldo e Dalma venceram as eleições em outubro do ano passado.

A juíza Fernanda Machado, que aceitou a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais e decidiu pela cassação, determinou novas eleições. Ela declarou Ronaldo Magalhães e Dalma Silva como inelegíveis por oito anos (a partir das eleições de 2016) e determinou a devolução dos valores recebidos de forma irregular (por meio de cheque acima do montante de R$1.064,10) ou vedada (por pessoa jurídica) que somam a quantia de R$ 395.850 aos doadores, bem como o valor de R$ 200.000,00 ao Tesouro Nacional (sem comprovação de origem lícita e de fonte não identificada), no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado. A decisão é de primeira instância e os advogados dos cassados recorreram.
Histórico de uma obra inacabada
A Prefeitura de Itabira e a Construtora Nativa Ltda. assinaram em 26 de janeiro de 2016 a ordem de serviço para o início das obras do restaurante popular, licitado por meio da concorrência nº 008/2015. O valor apresentado pela empresa foi de R$ 1.569.515,45 e o projeto teve o empenho pessoal do então prefeito Damon Lazaro de Sena, auxiliado por servidores do Escritório de Projetos da PMI e sob a coordenação das secretarias de Agricultura e Ação Social.
A proposta de construção do restaurante foi fruto de convênio da Prefeitura de Itabira e do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, visando a compra de equipamentos e utensílios, e devendo funcionar na Avenida das Rosas, em terreno com 766,21m². A previsão era que depois de inaugurado, a administração ficaria sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Ação Social (SMAS).
De acordo com a planilha apresentada ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome seriam oferecidas, inicialmente, 1.000 refeições diárias, podendo ser estendido até 2.000, incluindo café da manhã, almoço, café da tarde e jantar. A previsão de conclusão da obra era de 10 meses. E já se passaram quase dois anos.

Por ocasião da posse dos integrantes do Conselho de Segurança Alimentar, no dia 18 de setembro de 2015, criado dois meses antes, um dos 56 conselheiros, Maria Aparecida de Oliveira, disse que “há muitos anos a gente está tentando implantar este conselho, mas não tivemos apoio. Agradeço a Prefeitura por estar criando este conselho”. E falou da ação que iria favorecer a segurança alimentar em Itabira: a construção do Restaurante Popular. “A gente que trabalha na área da saúde sabe da importância, da necessidade deste restaurante. Agradeço à gestão do Damon que está realizando isso também”. Ela e outros conselheiros reconheceram a atuação do vereador Sebastião Ferreira Leite, o Tãozinho, autor do projeto de lei aprovado na Câmara Municipal em 2011 para consolidar o restaurante.
À época da cerimônia, o presidente da Rede Leste de Banco de Alimentos (Relba), João Paulo de Paiva Ramos, fez questão de parabenizar o município, afirmando que “Itabira está tendo uma evolução muito rápida com as questões agrícolas e, principalmente com a agricultura familiar. A criação e posse do conselho em tempo recorde é uma prova disso. Muitos municípios ainda não conseguiram implantar. A criação do conselho é critério primordial para a liberação de recursos estadual e federal para projetos de segurança alimentar nos municípios”.
Damon Lázaro de Sena lembrou que “as discussões para construção do Restaurante Popular em Itabira começaram em Betim, quando eu e Alexandre Banana estivemos com Patrus Ananias, em 2008. Na época ele era ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Naquele encontro começamos a discutir a construção do restaurante. O vereador Tãozinho foi importante nesse processo porque, em 2011, apresentou um projeto de lei. Quando assumimos a Prefeitura descobrimos que os recursos para a obra já estavam depositados em conta desde 2011, mas não houve vontade para levar o projeto adiante. Tivemos um grande trabalho para destravar alguns empecilhos”.
O ex-prefeito destacou que “a agricultura familiar pode ser uma das grandes beneficiadas com a construção do restaurante, fornecendo produtos para ele. E o Conselho de Segurança Alimentar terá papel preponderante, pois uma das atribuições dele é ajudar a definir as diretrizes da política e do plano municipal de segurança alimentar e nutricional a serem realizadas”.
Como diz o poeta Drummond em Resíduo: “E de tudo fica um pouco/Oh! abre os vidros de loção e abafa o insuportável mau cheiro da memória”.
E também, cabe recitar no ritmo do trem (pode ser do trem que carrega o minério de ferro de Itabira) o poema Tem gente com fome, de Solano Trindade.
Trem sujo da Leopoldina
Correndo, correndo parece dizer
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
De novo a dizer
De novo a correr
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas, Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria, Ramos
Bonsucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
Trem sujo da Leopoldina
Correndo, correndo
Parece dizer
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tantas caras tristes
Querendo chegar
Em algum destino
Em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
Correndo, correndo parece dizer
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Tem gente com fome
Só nas estações
Quando vai parando
Lentamente começa a dizer
Se tem gente com fome
Dá de comer
Se tem gente com fome
Dá de comer
Se tem gente com fome
Dá de comer
Mas o freio de ar
Todo autoritário
Manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu
*Lenin Novaes, jornalista e produtor cultural. É co-autor do livro Cantando para não enlouquecer, biografia da cantora Elza Soares, com José Louzeiro. Criou e promoveu o Concurso Nacional de Poesia para jornalistas, em homenagem ao poeta e jornalista Carlos Drummond de Andrade. É um dos coordenadores do Festival de Choro do Rio, realizado pelo Museu da Imagem e do Som – MIS. É Assessor de Imprensa do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Fruto de convênio firmado com a CAIXA, portanto dinheiro público e de um investimento que beneficiaria parte da população itabirana, tem neste empréstimos as suas obrigatoriedade. Dentre estes senões, encontra-se a parte que cabe a PMI e a parte da CEF. Todas com seus quantitativos aprovados e alocados.
Uma das clausulas deste contrato está previsto o ressarcimento à Instituição Bancária do valor investido, ou seja, devolução do dinheiro com juros e correção monetária.
Quem vai pagar este empréstimo? Como sempre o cidadão.
Uma vergonha!
Outra vergonha foi o Damon ter demorado tanto a iniciar a construção e depois não teve tempo de concluí-la.