Impactos da mineração nas águas e nos territórios são recorrentes em todas as minas de Minas Gerais
Além do risco das barragens, cada vez mais presente nas cidades mineradas, outro ponto comum são os impactos que a extração de minério provoca por onde se instala.
Em Itabira, por exemplo, o morador do bairro Penha, Anselmo José Vieira, dono de um lava-jato, lembrou como as fontes existentes em Itabira secaram com a extração de minério, principalmente depois que foram abertas as chamadas Minas do Meio.
Ele deu o seu testemunho no I Encontro das Comunidades de Resistência à Mineração (ECRM), realizado neste fim de semana em Itabira, no ginásio coberto do bairro Bela Vista.
“Primeiro sofremos com o rebaixamento do lençol freático (aquífero) que secou as nascentes que tínhamos em nosso bairro. Depois que a Vale parou com o bombeamento, as nascentes voltaram e a água está se perdendo”, disse ele.
Depois que ocorreu o rebaixamento, Vieira teve de recorrer à água tratada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), sendo que antes ele tinha água própria para tocar o seu lava-jato. “Passamos a pagar caro pela água tratada.”
O empresário lembrou ainda que muitas casas foram construídas no local, acreditando que as nascentes não mais voltariam. Mas elas ressurgiram e hoje é também um problema para muitos moradores. É que com as infiltrações, muitas casas estão tendo as suas estruturas danificadas. “A Vale não reconhece esse impacto. Diz que a culpa é dos moradores.”
Serro
Outro que está preocupado com a mineração é o morador Valderes Quintino Silva, da comunidade quilombola de Queimados, no município do Serro.
Segundo ele, muitas nascentes do alto do rio Jequitinhonha correm risco de secar, a exemplo do que ocorreu com vários cursos d´água em Itabira.
A preocupação, nesse caso, é com a mineradora Herculano, que detém alvará de lavra para implantar um projeto de mineração na região, onde existem sete comunidades rurais, todas reconhecidas pela Fundação Palmares como quilombos, patrimônio afro-brasileiro.
Para o início da mineração na região já foi obtida a carta de anuência da Prefeitura.
“O pessoal da Herculano já chegou dizendo que vão tocar a mineração mesmo se a gente for contra”, relatou Valderes Quintino, que espera reverter essa situação antes que o estrago aconteça e se torne irreversível como mais uma perda incomparável.
“A nossa região tem vocação para o turismo e não para mineração”, afirmou, citando também como sendo áreas de riscos os distritos de Milho Verde, São Gonçalo do Rio das Pedras e Três Barras, onde está a cachoeira Tempo Perdido, todos ameaçados pela mineração.
“Serro é uma região de nascentes e muitas podem acabar diante de uma mineradora que chega e impõe o que é de seu interesse, sem se importar com o que os moradores pensam e querem para a região.”
Barra Longa
E mesmo cidades que não têm mineração em seus territórios sofrem os impactos da mineração, seja pelo rebaixamento dos aquíferos, como também com os mais de 80 milhões de toneladas de rejeitos que atingiram o rio Doce, com a ruptura da barragem de Fundão, da Samarco em Mariana, em 5 de novembro de 2015, deixando um rastro de destruição na bacia, além de 20 mortos e mais de 3,2 milhões de habitantes afetados.
Se não bastasse essa tragédia humana e ambiental, em 25 de janeiro de 2019 outro desastre de proporção ainda maior causou a morte de 279 pessoas, entre trabalhadores, moradores e turistas, com a ruptura da barragem 1 da mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho.
“Assim como muitos em Itabira, os moradores de Barra Longa não sabiam que estavam na rota da lama”, contou Sergio “Papagaio” Fabio do Carmo, editor do jornal A Sirene, que “nasceu para dar voz aos atingidos pela lama da barragem de Fundão em Barra Longa”.
“Descobrimos a mineração e o risco das barragens na madrugada de 6 de novembro quando a lama chegou em nossa cidade com a força destruidora.”
Daí em diante, relatou, os moradores tiveram de aprender a conviver com esse impacto que é permanente em suas vidas. “Estamos a 70 quilômetros da mineração e até então nada sabíamos sobre barragens e os riscos que elas representam”, contou.
“Barra Longa foi invadida pela lama e teve muitas de suas casas trincadas com a passagem incessante de caminhões que invadiram a cidade para fazer a limpeza. E a Fundação Renova (criada pela Samarco para “reparação dos danos”) não reconhece esse impacto”, protestou.
Pontal
Moradora do bairro Bela Vista, Elce Anunciação Horta também contou que o medo e a apreensão são constantes no bairro, principalmente depois que ficaram sabendo que muitos moradores terão de deixar as suas casas para a Vale construir um muro de contenção.
A mineradora sustenta que se trata de medida preventiva para conter eventual vazamento de rejeitos durante as obras de encerramento do cordão Nova Vista e do dique do Minervino, ambos na barragem do Pontal.
“Não temos mais sossego, só incertezas”, testemunhou a moradora no Encontro das Comunidades de Resistência à Mineração. “É muito triste viver em um bairro e saber que podemos ter de sair, mesmo não sendo a nossa vontade.”
A aposentada Maria Inês Alvarenga afirmou que essa é também a situação de muitos moradores do bairro Nova Vista. “A Vale esconde as informações, não tem transparência. Nem a Prefeitura sabe o que vai acontecer com os moradors.”
“Diz que ainda está estudando e cria toda essa situação de tristeza e depressão entre os moradores do Nova Vista que já sofreram com a remoção da Camarinha, onde viviam antes de serem levados para o novo bairro, ao lado do rejeito da barragem do Pontal.”
Presente na abertura do encontro, o vereador Júlio “do Combem” Rodrigues (PP) lembrou que os impactos da mineração foram denunciados pelo poeta Carlos Drummond de Andrade desde que a Vale deu início à exploração do minério de ferro de Itabira, em 1942.
“O meu compromisso enquanto vereador é estar ao lado de vocês. Deixo aqui as palavras do poeta registradas no jornal O Cometa Itabirano, que fez eco às suas palavras e muito denunciou em suas páginas os impactos da mineração em nossa cidade”, afirmou o vereador, para em seguida ler o poema Lira Itabirana, publicado no tabloide itabirano em dezembro de 1983. “O rio é doce, a Vale amarga, ai antes fosse mais leve a carga (…).”
Leia mais aqui https://viladeutopia.com.br/drummond-denunciou-a-mineracao-predatoria-e-a-vale-em-versos-e-cronicas/
Força e resistência
O ativista Leonardo Reis, do Comitê dos Atingidos pela Mineração em Itabira e na Região, fez um balanço positivo do encontro.
Segundo ele, fortaleceu o movimento de resistência ao modelo predatório de mineração existente no país e fez crescer a certeza de que é preciso muita união para se fazer frente aos desmandos e às ocupações dos territórios à revelia dos moradores.
“Saímos mais unidos e mobilizados para enfrentar esse modelo de morte que é a exploração mineral no país.”,
Leia a íntegra do manifesto aprovado no encontro:
CARTA DE ITABIRA
Por um futuro para as comunidades atingidas pela mineração
O I Encontro das Comunidades de Resistência à Mineração, realizado em Itabira nos dias 23 e 24 de outubro de 2021, foi um momento histórico para a luta das atingidas e atingidos pela mineração no Estado de Minas Gerais. Este encontro reuniu representantes de diversos municípios impactados pela ação minerária, assim como movimentos sociais, organizações, mandatos e entidades que defendem os atingidos.
O evento teve como objetivo retomar a articulação destes grupos e movimentos, que foi comprometida pelo isolamento social causado pela pandemia do COVID-19, e também criar um espaço de troca de experiências e estratégias de luta contra as violações de direitos promovido pelas empresas mineradoras em conivência com o poder público.
O contexto deste encontro é peculiar, pois ocorre no mesmo ano em que, por um lado, foi aprovada a Lei estadual 23.795/2021 que institui a Política Estadual de Atingidos por Barragens, como uma vitória da luta pelos direitos dos atingidos. E, por outro lado, o governo Zema realiza um acordo bilionário com a Vale, retirando dos atingidos pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão o direito à reparação e cede à empresa o controle sobre a execução de parte deste recurso, excluindo, mais uma vez, os atingidos.
Tem-se, ainda, o aumento do preço do minério de ferro no mercado de commodities, o que impulsiona o processo de expansão das mineradoras sobre os territórios, como relatado pelos representantes das comunidades presentes no encontro.
Localmente, é um ano que marca a luta dos atingidos de Itabira, pois a Vale iniciou o processo de descaracterização de várias das suas barragens, todas localizadas extremamente próximas da área urbana, o que coloca em risco centenas de famílias. Esta situação se tornou trágica quando a empresa anuncia que, para continuar estas obras, teria de construir um muro de contenção, passando dentro dos bairros Bela Vista e Nova Vista, o que significará a expulsão de centenas de famílias.
O terror da “lama invisível” é uma estratégia empresarial que tem sido utilizada em diversos territórios para a expansão da área de controle das mineradoras, a construção de muros para ‘proteger’ a comunidade de possíveis rompimentos é a justificativa para impor condições injustas aos moradores.
Os interesses das mineradoras são impostos de forma extremamente violenta e impune devido à minero-dependência criada pelas empresas nos territórios que ocupam, criando um clima de medo pelo risco de desemprego, ou de redução da arrecadação dos municípios. Itabira está na iminência da exaustão das suas reservas minerais, com a mina do Cauê e das Minas do Meio já exauridas e o fim do minério apontado para o ano de 2031, o que colapsaria economicamente a região.
Tendo por base este pano de fundo, os participantes do encontro discutiram dois eixos temáticos: 1) Direitos e Meio Ambiente; 2) Juventudes, os quais trouxeram as seguintes reflexões.
1) Eixo Direitos e Meio Ambiente.
O debate sobre os direitos e o meio ambiente perpassa por defender a autonomia dos povos nos seus territórios, tanto para decidir sobre o seu modo de vida, quanto sobre o uso dos recursos naturais. O acesso às Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) é um direito dos atingidos, garantido pela Política Estadual de Atingidos por Barragens.
Elas não seriam necessárias se não houvesse um processo violento e de força desproporcional das mineradoras contra as comunidades, com a conivência do poder público. Mesmo em contexto de pandemia, em que todo o povo brasileiro passava por uma das suas maiores dificuldades de saúde pública, as mineradoras atingiram lucros recordes enquanto disseminavam o COVID19 entre seus trabalhadores e nas cidades em que operam.
Com o acordo feito pelo governo Zema e a empresa Vale sobre o crime de Brumadinho, as atribuições das ATIs na bacia do Paraopebas se tornaram ainda mais restritas. É necessário regulamentar a Lei da Política Estadual dos Atingidos por Barragens, ampliando estas atribuições e a autonomia dos povos atingidos em usar esta ferramenta na sua luta pela reparação integral dos seus territórios – mesmo que vidas e bacias hidrográficas inteiras não possam ser recuperadas -, para que não se restrinjam a ser apenas facilitadores do cumprimento de condicionantes pelas empresas. Estamos vivendo um momento de crise climática, impactando diretamente ao acesso e qualidade da água.
O setor minerário precisa da água, pois é um insumo vital ao beneficiamento e transporte do minério. Mesmo neste contexto de escassez, enquanto munícipios inteiros precisam se organizar no esquema de rodízio, não falta água para a mineração. Isso porque as métricas definidas pela outorga privilegiam o uso indiscriminado deste bem natural, sem o cuidado com a preservação e manutenção da vida.
Diante desses fatos, exigimos a revogação de outorgas de água para uso na mineração que ameaçam a segurança hídrica de municípios inteiros; a consolidação da Assessoria Técnica Independente para o munícipio de Itabira-MG, por reconhecermos que todo o município é cercado por barragens, com milhares de moradores nas zonas de alto risco de morte, sendo também atingidos e atingidas; a regulamentação da lei 23.795/2021 da Política Estadual dos Atingidos por Barragens através de audiências públicas e outros mecanismos que garantam o direito à participação popular; a atualização das condicionantes da Licença de Operação Corretiva da Vale no município de Itabira-MG.
Face a esta lógica extrativista de morte, que gera lucro para as mineradoras através da destruição dos territórios de forma criminosa, como maiores exemplos as bacias do rio Doce e do rio Paraopebas, reafirmamos nosso compromisso com a luta das atingidas e atingidos.
E, é exatamente por isso, que não podemos desistir. Seguiremos exigindo que seja garantido o direito à participação e pelo protagonismo de toda a comunidade nos processos de reparação e tudo que envolve as decisões para e sobre o território.
2) Eixo Juventudes
As juventudes atingidas pela mineração reclamam o direito de permanecerem em seus territórios, o acesso à cultura e comunicação e o respeito às diversidades, processos que são roubados pela lógica do capital. Jovens, adultos e as crianças expressam seus medos, desejos, anseios e sonhos sobre como suas comunidades são impactados por grandes empreendimentos econômicos e como gostariam que fosse o modo de vida nestes territórios.
O terrorismo de barragem e a violência policial são situações que as juventudes estão expostas cotidianamente. Assim, convidamos a toda a sociedade para refletir sobre as dimensões simbólicas e materiais da luta contra os impactos da mineração. É através do ritmo, da música e das poesias que queremos ver nossos territórios reconhecidos e não pelas destruições causadas pela mineração.
A juventude é o nosso futuro, e é para ela que lutamos por um futuro onde as comunidades atingidas pela mineração sejam tratadas com dignidade, interrompendo esse ciclo de violações dos direitos humanos e de destruição da natureza nos nosso territórios.
Funk de Itabira
O povo de Itabira cultivando a resistência União de moradores contra a Vale violência
Dinheiro não paga o valor de uma vida (3x)
Vaza, se liga, Vale genocida (3x)
Participaram desse encontro representantes dos seguintes municípios, organizações, grupos e movimentos sociais:
– Bairro Bela Vista (Itabira)
– Bairro Nova Vista (Itabira) – Itabira (outros bairros e comunidades)
– Barra Longa – Brumadinho – Santa Bárbara – Barão de Cocais – Catas Altas – Congonhas – Mariana – Serro – Conceição do Mato Dentro – Ocupação Cidade de Deus (Brigadas Populares – Sete Lagoas)
– Ocupação Dandara (Brigadas Populares – Belo Horizonte) – Ocupação Rosa Leão (Brigadas Populares – Izidora/Santa Luzia) – Bloco Arrasta Favela – Comitê Popular da Zona Rural de Brumadinho distrito de Piedade do Paraopeba
– Fórum de atingidos (as) pelo Crime da Vale em Brumadinho – Comissão do Tejuco – Brumadinho – CPT (Governador Valadares) – CPT (Brumadinho) – Comitê Popular dos Atingidos pela Mineração de Itabira e Região
– Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela – Vereador de Itabira Júlio da Comben – Vereadora de Belo Horizonte Bella Gonçalves e mandato – Mandato da Deputada Estadual Andréia de Jesus – Mandato da Deputada Federal Áurea Carolina
– Diocese de Itabira/Coronel Fabriciano – Articulação Internacional das Atingidas e Atingidos pela Vale – Brigadas Populares – PCB – Unidade Classista – UJC – Revolução Solidária – PSOL – Primavera Socialista – PSOL – MAM
– Cáritas Diocesana de Itabira – Cáritas Regional Minas Gerais – AEDAS – GUAICUY – NACAB – Jornal “A Sirene” – Gabinete de Crise da Sociedade Civil – ENEP: Escola Nacional de Energia Popular – FLAMA – Frente Mineira de Luta dos atingidos e atingidas pela mineração – ORGANON (UFES) – OCDOCE – Observatório de Conflitos Rurais do Alto e Médio Rio Doce (UNIFEI) – ADUFOP – SINASEF – Garimpeiros Tradicionais do Alto Rio Doce.
Eis a minha utopia: a africanização do Brasil. De alguma forma já começa quando aqui na Vila leio que uma e um jovem pretos’ estão na Rua lutando por direitos que é de todos’ independente da cor da pele. A pequena burguesia branca tá nem aí’ tudo passivo e ignorante. Eu me curvo e beijo os pés de Elce Anunciação (nome simbolico) e do Valderes Quintino. Saúdo e louvo essa juventude resiliente.