Guerra dos Sexos em Itabira

Em homenagem ao Dia das Mulheres, reproduzimos três crônicas do Jornal de Itabira de 1931. Para se ver como essa “guerra” é antiga também aqui no Mato Dentro

Às moças

João Fernandes*

Minhas amáveis patrícias, esta secção é para vocês.

Feita especialmente para ser lida por olhos bonitos. Meus companheiros de sexo feio estão desde já dispensados de demarcar a atenção nestas linhas. Em razão da exclusividade, conto com uma boa meia dúzia de leitoras. Com o que ficarei muito honrado. Neste primeiro encontro, deixem-me fazer o programa do nosso “Jornal das Moças”. Não falaremos de cousas tristes. Nem de política, nem de crise, garanto-lhes. Só assuntos amenos, se Deus quiser. E a defesa dos ideais do sexo, está claro.

Porque eu sou um feminista ardente.

Mas noutro sentido. Detesto que a mulher venha com a gente nos negócios públicos. Havemos de fazer uma guerra tremenda no feminismo da dra. Elvira Komel. Fica desde hoje decretada a mobilização das itabiranas, não para entrar no batalhão feminino de Belo Horizonte, mas para combate-lo. Em seguida havemos de mover campanha sem tréguas para melhorar e embelezar a vida social itabirana. Para isso é indispensável o concurso de vocês todas.

Pois o papel da mulher neste mundo não é de suavizar a vida? Creio que o desejo das moças de Itabira será o mesmo que eu tinha aos 18 anos. Nessa quadra, além de um vago desejo de casamento, o que todos querem é divertir-se como pode. Há as rezas, o xadrez, as charadas, o baralho, as palavras cruzadas, o falar mal do próximo e o namoro. Mas há também os que morrem de tédio. Em socorro desses infelizes surge o nosso jornal.

Vamos pugnar para que haja algum divertimento público, algumas festas elegantes na nossa terra.

Havemos de ter cinema falado muito em breve, graças ao prestígio deste órgão. Verão. Teremos também automóvel Club (quando os ingleses vierem). Desde hoje, minhas conterrâneas, aí está o Jornal de Itabira.

Sim, o Jornal de Itabira, e anexo ao mesmo a livraria que Oscar Lage fundou. Aconselho a vocês uma visita a esta casa. Encontrarão papel diplomata para escreverem aos namorados e muito romance bonito de Alencar para os longos serões de inverno.

Até a vista.

João Fernandes.

*Publicado originalmente no Jornal de Itabira, 28 de janeiro de 1931; n.].

Aos homens

Nina Castilho*

Meu caro João Fernandes.

Muitas felicidades.

No tempo das lambretas e da brilhantina: rapazes de Itabira do Mato Dentro (Fotos Antigas de Itabira). No destaque, foto de Christophe Gagneux

Perdoe-me a ousadia de pretender fazer um reparo a sua crônica incerta em o primeiro número deste apreciado jornal.

Creia V. que a apreciei muito e que concordo em parte com o meu bom amigo.

Foi uma ideia magnífica a da fundação deste jornal e da abertura da livraria do Zinho, pois agora podemos nos bater pela emancipação da mulher itabirana, tão escravizada por vocês homens.

Você condena o feminismo da dra. Elvira Komel. Com isto não posso concordar, pois ela é a nossa líder. Porque, amável cronista, você vota tanta ojeriza à ilustre feminista? Será que ela já contrariou V. em alguma pretensão política ou … amorosa?

Não se assuste, meu caro João Fernandes, as mulheres são muito sensatas e inteligentes para não se intrometerem nessa embrulhada que vocês andam fazendo com os negócios públicos. Podem continuar a embrulha-los à vontade, que nós não lhes pediremos contas por isso.

Apenas queremos bater pela emancipação porque vocês, desculpe-me a franqueza, são muito egoístas, perversos e mal-agradecidos. Esquecem-se que somos nós que velamos por vocês pela vida a fora, desde o berço.

E é nos espezinhando, nos contrariando em nossas menores aspirações que V. agradece esses sacrifícios? Muito bem, meu caro João Fernandes, V. terá uma bela recompensa.

Cuidado com a polícia feminina. Ela já está em seu encalço. Se o descobrir será capaz de o levar para a cadeia (não se assuste) do … do matrimônio, para provar que os homens são bonecos que manejamos a nosso bel-prazer. Vou fazer ponto aqui; já te intriguei bastante, meu amável Joãozinho.

Até a vista… Não queira mal à sua admiradora.

Nina Castilho.

*Publicado originalmente no Jornal de Itabira, 12 de julho de 1931.

Feminismo

João Fernandes*

Como as mulheres estão mudadas, Santo Deus! No meu tempo, saudoso tempo de costumes patriarcais, as mineiras eram doces e tímidas.

Viviam em casa, da porta do meio pra dentro. Faziam costura, música, biscoitos. Não conversavam com a gente. Jornais não liam. Os poetas exaltavam-nas como criaturas divinas.

Mulheres itabiranas em passeata protestam contra o machismo de certos jornalistas da cidade

O mundo era ótimo, assim. Depois veio o feminismo. Elas começaram a imitar os homens. Desceram dos altares do romantismo, vieram pra rua, cabelo curto, saia curta. Ideias compridíssimas. Adeus poesia…. Agora é o que estamos vendo. Mulheres marcham do mais revolucionário batalhão.

Mulheres em congresso, arengando, discutindo, brigando. Mulheres lendo jornais, escrevendo neles, procurando polemica. Assim a bela senhorita Nina, na sua carta aqui publicada. Investindo contra mim em particular, contra os itabiranos em geral, permita minha gentil patrícia que eu levante agora o meu enérgico protesto.

Dizer que as mulheres da nossa terra vivem escravizadas, é – com perdão da palavra – uma mentira. (Se acham forte, vá “inverdade”). Não há no globo cidade em que as esposas dominem tanto os respectivos maridos. Itabira é a única cidade que possui este vasto e singular rebanho chamado “Clube dos Custódios”. Cada lar, aqui, é uma casa de Gonçalo em que a galinha canta mais que o galo…

Quanto às descomposturas e ameaças com que fui brindado, não mereço tanto. Não provoquei briga nenhuma. Na minha crônica inicial (velha como o Cauê, tem quase um mês), eu me declarei feminista. Feminista a meu modo, mas enfim, pelas mulheres. Será preciso fazer novas declarações? Faço-o para mim Mark Twaim, no seu elogia da mulher, que transcrevo para terminar.

“Onde quer que coloqueis uma mulher, ela é o ornamento da sociedade e o tesouro do mundo. Como bem-amada, nada lhe é superior. Como viúva casadoura, é cheia de encantos. Como parenta rica atacada de moléstia incurável, é extremamente preciosa. Como ama de leite, ela não tem igual entre os homens. ”

João Fernandes.

*Publicado originalmente no Jornal de Itabira, 19 de julho de 1931.

 

 

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