Garimpo, do ferro ao ouro em Itabira
Professor Omar Fürst*
No início do anos 80, ficou constatado a presença de ouro no rejeito de minério de ferro. A partir deste momento surgiu em Itabira a corrida do ouro, um garimpo na região denominada grota do Minervino, do complexo Pontal.
Biboca Ambiental – O caminho histórico de Itabira do Mato Dentro teve seu início com a exploração de recursos minerais. Primeiro o ouro e depois o ferro.
O nome de origem na língua Tupi, significa “pedra que brilha”, de itá (“pedra”) e bira (“que brilha”). Entre o final do século XVIII e começo do século XIX, a mineração do ouro entrava em declínio, e a exploração das jazidas ferro começava a ganhar impulso.
No século XX o município ganha o título de cidade do ferro. Em 1911, a Itabira Iron Ore Company foi autorizada a explorar e exportar minério de ferro das jazidas de Itabira por concessão do Governo Federal e em 1942 é criada a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atual Vale S.A.
O pico do Cauê se elevava a 1385 metros acima do nível do mar, mas atualmente, após anos de mineração, sua altitude decresceu cerca de 200 metros, transformando-se numa imensa e profunda cava cercada por um talude de terra explorada. Deixando a paisagem triste, agressiva e ameaçadora.
Em meados dos anos 80, com a mineração em grande escala o pico já estava bem reduzido em sua altura e a lavra de minério de ferro atingiu o nível das antigas minas de ouro, escavadas séculos antes no sopé do Cauê.
Esse encontro aliado ao processo de lavagem do minério de ferro levou ao descobrimento de ouro no leito por onde escorria a água e rejeito, causando uma corrida ao ouro, levando cerca de 8.000 garimpeiros a iniciarem a exploração atrás de ouro.
Após a concentração e lavagem do minério na usina do Cauê, o rejeito era lançado na grota do Minervino. Era a sobra de minério.
Ainda no início dos anos 1980, alguns desempregados da cidade descobriram que havia ouro no rejeito descartado para o complexo Pontal. Resolveram ciscar a lama despejada pela Vale, na grota do Minervino.
Chegaram aos poucos, primeiro, os desempregados nativos. Ainda sem saber como batear, iam separando, aos poucos, as partículas de ouro incrustado no restos ferro. Com esse minguado ouro em pó, garantiam um dinheiro para a sobrevivência, para comer e pagar as contas, até sobrava algum dinheiro. O comércio voltou a crescer.
A descoberta do ouro foi pouco a pouco se espalhando. Mais desempregados de cidades vizinhas, começaram a chegar, afinal o garimpo é livre. E assim se formou uma grande frente de trabalho.
E a grota do Minervino virou um grande garimpo a céu aberto. A notícia se espalhou rápido como fofoca de vizinho. E vieram mais garimpeiros de toda parte do Brasil, e alguns estrangeiros. E claro, como todo aglomerado humano, gente do bem e do mal.
No início, a Vale desdenhou do garimpo. Achava que não ia durar muito tempo. Os desempregados e futuros garimpeiros não quiseram saber – e continuaram bateando, bateando.
A cidade não tinha esses profissionais, os que vieram de fora ensinaram os daqui a usar carpetes que retinham o metal, dragas, bancas de lavagem, bateias e tantas outras técnicas rudimentar de garimpagem.
E assim foram extraindo os grãos de ouro, uma farinha amarela que ficava no fundo das bateias, após extenuante trabalho. Aprenderam a garimpar pela necessidade.
No auge do garimpo, calcula-se que algo em torno de 8 mil garimpeiros, tal qual formigueiro, bateavam na grota do Minervino. As condições de trabalho eram insalubres e muitos armaram barraca de camping, construíam barracos de lona, plásticos e tapumes. Fizeram da grota seus lares e passaram a viver por lá.
A CVRD quis reprimir duramente, queria de todo jeito que a Prefeitura chamasse a tropa de choque da PM para expulsar os garimpeiros. O prefeito da época, não concordou. Argumentou que ali era uma frente de trabalho onde amenizava a vida de muita gente desempregada.
E o garimpo prosseguiu…
Para os humildes o “ouro caiu do céu”, tudo que é bom tem origem no onipotente, o resto fica por conta da falta de sorte. Começou a “chover ouro” nos arredores da cidade.
Milhares de homens, mulheres, crianças, famílias inteiras garimpavam as migalhas para sobrevivência. A labuta durava longas e cansativas horas, fazia sol ou chuva.
Na verdade, o ouro de Itabira não caiu das nuvens; simplesmente vem incrustado no minério de ferro explorado por uma grande estatal, a Companhia Vale do Rio Doce.
A empresa sabia do ouro e estudara a fundo a possibilidade de explorá-lo economicamente. Concluiu que não era rentável, e deixou-o rolar serra abaixo, depois de montar uma usina destinada a elevar o teor ferrífero do itabirito, última reserva de minério a substituir a hematita exaurida.
A grota do Minervino virou uma serra Pelada, onde desembarcaram milhares de garimpeiros e desempregados. Faltava de tudo em termos de saneamento, segurança e higiene.
As precárias condições de trabalho, o esgoto das instalações da Vale do Rio Doce, a insalubridade ocasionada pelos produtos químicos utilizados na lavagem do minério. Além da própria aglomeração de milhares de pessoas ocasionando inúmeras doenças, destacando a pneumonia e a gonorreia.
A Vale, em nome da defesa da propriedade, delimitou a área onde os garimpeiros poderiam continuar faiscando as migalhas de ouro. Só podiam ficar na grota. Os garimpeiros reivindicavam uma área mais ampla no Pontal. Mas a Vale os confinou em uma pequena área.
Conflitos…
E surgiram os conflitos entre os garimpeiros e os trabalhadores vigilantes da empresa. Após vários atos violentos, ocorreu a primeira passeata de protesto, depois do garimpeiro José Doroteia Barbosa ter sido covardemente atingido por um balaço disparado por um segurança da CVRD. Exigindo providências e punição do culpado pelo tiro contra o garimpeiro.
Mas o certo foi que o clima ficou cada vez mais acirrado no garimpo, mesmo tento a mineradora recuado, depois da passeata e da tentativa de homicídio contra Doroteia.
Pesou também o fato de parte da opinião pública, que via o garimpo como um perigo. Assaltos, furtos e roubos cresciam assustadoramente na cidade, principalmente na região próxima, nos bairros Bela Vista e Campestre.
Outros aventureiros aproveitaram da situação e desembarcaram em Itabira. A região próxima do garimpo virou o “velho oeste americano”, era tiroteio a luz do dia, no meio da rua, balaços voando, pessoas morrendo, brigas constantes, emboscadas armadas para roubar os garimpeiros.
Bancas de compra e venda de ouro surgiam nos passeios das ruas e na área central do garimpo. Algumas ruas e praças dos bairros foram tomadas por barracas. A paisagem urbana parecia uma zona de refugiados. Cada um sobrevivia ao seu modo.
Para conseguir o rejeito mais concentrado, garimpeiros invadiam o subterrâneo da usina do Cauê, fazendo um trajeto de até 500m dentro de tubulações que variam de 20 a 80cm de diâmetro com altura de 1,30m.
Equipados de carpete, pregos, marreta, lanterna, vela e isqueiro, esses desbravadores costumavam ficar até duas semanas acampados nas galerias, armando carpetes nas bocas de escoamento.
Enquanto os destemidos garimpeiros encontravam-se dentro das tubulações, do lado de fora, outros recebiam porcentagem do ouro apurado, para abastece-los com uma ração de farofa, cigarro, café e água, vez ou outra um frango assado.
O risco era muito grande, pois além das descargas de rejeitos dentro das galerias, a corrosão do concreto coloca à vista pontas de vergalhões que podem matar uma pessoa caso perfurasse o corpo.
Vários garimpeiros foram resgatados perdidos dentro das galerias, machucados. Depois de resgatados, eram detidos, açoitados, acorrentados, e amarrados.
Após a seção de torturas eram levados para delegacia de polícia, onde eram obrigados a lavar as viaturas tanto da polícia quanto da ronda da CVRD. Garimpeiros eram levados para fora da cidade e deixados feridos e seminus a beira de estradas a mais de 30km do garimpo.
Quando não estavam no subterrâneo, eles adentravam nas calhas (sistema de transporte de rejeito por gravidade). Quebravam a proteção de madeira e tela de arame, armavam o carpete dentro delas.
Esperam a descarga de rejeitos. As vezes faziam talhos rasos nas borrachas que revestem o sistema. Assim que a descarga era fechada, esperava algumas horas.
Após a secagem raspavam a borracha ou recolhia o carpete, e levava para área de batear. Consta que um carpete de 1,20 x0,50m rendia até 40 gramas de puro ouro.
A vigilância era composta por 64 vigilantes armados e quatro carros de ronda. Apesar de toda segurança, ocorria invasão a todo momento. Dificilmente um garimpeiro ficava preso por invasão, somente detido por algumas horas.
Mortes acidentais eram comum nas calhas e na usina. Garimpeiros morriam entalados nas tubulações, soterrados pelo rejeito, perfurados por vergalhões, intoxicados por gases, ou mesmo carregados pela força da água no momento da descarga.
Os garimpeiros também corriam risco de morte entre si. Visto que alguns invadiam as tubulações só para roubar os próprios colegas. Tiros, facadas, machadadas, pauladas, brigas corpo a corpo, qualquer objeto virava arma de defesa e ataque.
O garimpo passou a ser dominado por gangues de diferentes facções e ideologias, cada um tentava a seu modo, impor terror, medo e poder. Delimitar áreas de trabalho, contratar pessoal de apoio, rapazes para batear, carregar material, mulheres para cozinhar e homens para “leão de chácara”. A lei imposta pelas facções separavam os fortes e aventureiros dos fracos.
A tensão foi aumentando….
Aliado ao garimpo, surgiu o comércio ambulante, vendendo de tudo. Desde alimentos a ferramentas. Mulheres de “vida fácil” desembarcavam em busca de romance, sexo, luxúria e dinheiro. Bandidagem, tráficos de armas, drogas era corriqueiro em qualquer esquina dos bairros próximos ao garimpo.
Relatos constam que os garimpeiros não tinham liberdade pra chegar ao local de trabalho autorizado. Quando detidos pelos seguranças da mineradora ou das facções, sofriam diversas formas de agressão física.
Eram amarrados sem roupas nos postes, e chicoteados. Ficavam por vezes amarrados por mais de 24 horas sem comer e sem beber. Alguns vigilantes da VALE mais exaltados praticavam métodos de tortura.
“Pau de arara”, cortavam seus cabelos com facão e os espancavam com cabos de marreta, machado, cabos de energia e martelos de borracha. Depois eram soltos, muitas vezes distante do garimpo, seminus, feridos com fome e sede.
Mesmo com todos os riscos os garimpeiros insistiam no trabalho. Era trivial as brigas de rua, quando um garimpeiro encontrava o vigilante que o espancou. “A VALE pode mandar lá na usina, mas na rua quem manda é nós. Ocê vai sentir tudo que passei.” Assassinatos, espancamento, torturas, eram comum pelos dois lados.
Acontecia também de garimpeiros serem presos nas instalações da VALE com algum ouro recolhido nos carpetes. E por lá, dizem as boas e as más-línguas, o ouro desaparecia, escafedia, ninguém sabe, ninguém viu. Se aparecia, era o mínimo, muito aquém do que havia sido aprendido com o pobre “bandeirante”.
Sempre havia a esperança, nunca realizada, pela maioria, de enriquecer. Com o passar do tempo, o ouro foi diminuindo, com a decisão da justiça local, os garimpeiros foram expulsos da barragem do Pontal e a frente de trabalho improvisada na grota do Minervino acabou extinta.
Hoje
Em 1983/84 tinha aproximadamente 8 mil garimpeiros. O ouro foi escasseando, a área permitida para o garimpo foi diminuindo. Já no ano de 1991, havia menos de 100 garimpando diariamente.
Em 1994 já não mais existiam garimpeiros morando na “praia do Bela Vista ou Praia do Minervino”. Em 1997 poucas pessoas arriscavam a vida nas canaletas e galerias em busca do ouro. Hoje tem somente resquício de um garimpo.
Já sem aparência de formigueiro humano que marcou os anos iniciais de garimpo. A grota do Minervino não chove ouro como naquela época, mas sabe-se que ainda há muito ouro incrustado no itabirito e no rejeito da barragem do Pontal.
O rejeito, já anunciou a Vale, começa a ser retirado para ser concentrado, mesmo tendo teor de 24% de ferro. Novas tecnologias, novos tempos. E o ouro? Inacessível a nós, que tivemos gados e fazendas, vimos nossas casas e terras sendo destruídas, nossos vales transformados em barragens de rejeitos, nossas nascentes sendo destruídas. Hoje nada irá nos restar?
A barragem do Pontal chega a ter 30 metros de altura em alguns pontos. Após novos estudos e mais de quarenta anos depois, chegaram à conclusão que lá é uma grande reserva de minério.
E o ouro? Mais pesado, sedimenta-se no fundo do vale. São mais de 230 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério. Quanto de ouro pode existir neste volume? Para onde vai? Se a barragem estourar como aconteceu em Mariana e Brumadinho, será que novamente vai haver uma corrida do ouro?
Finalizando…
Se plantar um punhado de minério logicamente nada germina. O minério não dá duas safras. Itabira nunca lembrou deste detalhe. Ao ver seus recursos naturais exaurindo a catástrofe econômica é certa. Como uma criança que ensaia os primeiros passos rumo ao corte do cordão umbilical, Itabira tem de se ressignificar.
Referências
literariovirtual.blogspot.com
impactos ambientais consequentes do extrativismo mineral no município de Itabira – 1998.
Rogério de Alvarenga – Segunda Safra do Ferro -1ª ed. 1980
*Professor Omar Fürst (1966/2020), contador, geógrafo, especialista em educação, máster em Gestão, foi idealizador e gestor do projeto Unidos para ensinar e aprender.
Eu ainda tô na briga