Futura ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, é contra religião afro, diversidade sexual e feminismo
Rafael Jasovich*
“Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta” (Chico Buarque e Francis Hime)
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL-RJ) prega uma peça nos brasileiros justamente às vésperas de o mundo celebrar os 70 anos de Declaração dos Direitos Humanos, nesta segunda-feira (10).
O capitão reformado do exército irá nomear para o Ministério dos Direitos Humanos, turbinado com a Fundação Nacional do Índio (Funais) e a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança, a pastora Damares Alves, que tem reiteradas vezes se posicionado como uma crítica dessa declaração universal. Ela se opõe também à religião afro, diversidade sexual e feminismo.
Pastora e ex-assessora parlamentar do senador não reeleito Magno Malta (PR-ES), Damares Alves passou os últimos anos batendo cartão em templos, especialmente no Nordeste, pregando sobre o papel “missionário” da Igreja Evangélica na “restauração da Nação” e na evangelização das crianças, que “começa na barriga”. Para ela, trata-se de uma missão divina e decorrente da “falência das instituições”.
Damares também é pessoalmente contra as feministas, contra qualquer referência a religiões de matriz afro em sala de aula e contra a diversidade sexual. Confirmada a sua indicação para o cargo, ela diz que “se preciso for” estará nas ruas com “as travestis” e nas portas das escolas pelas “crianças que são discriminadas por sua orientação sexual”. Mas o seu discurso nem sempre foi este.
Ela diz que crianças não devem pensar que não é “legal” nem natural o relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo. E afirma expressamente que “a homossexualidade é aprendida no berço, na forma que se lida com a criança, mas ninguém nasce gay.” Torna-se, portanto, evita-se.
Indicada para ministra nessa quinta-feira (6), ela já antecipou à imprensa as duas prioridades de sua gestão: as mulheres “invisíveis” – a “a indígena, a ribeirinha, a catadora de siri, quebradora de côco”, etc – e a “questão da infância”.
“O objetivo é propor à Nação um pacto de verdade pela infância. Conversando com os demais ministros, a infância vai ser preferência neste governo. É a intenção do presidente e o presidente está motivado.”
Não é preciso muito esforço para descobrir as motivações da Damares, ao menos enquanto pastora.
A meta, visível na repetição do que apresenta nos cultos, é plantar e cultivar nos fiéis a sementinha do interesse em pautas que, curiosamente, os parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica escolheram trabalhar nos últimos anos.
Templos
Damares costuma fazer referência, por exemplo, a Magno Malta e uma lei aprovada na Câmara dos Deputados, sob a presidência de Eduardo Cunha, que obriga o governo federal a retirar crianças indígenas das aldeias. O motivo? “Há povos que sacrificam quem nasce com deficiência.”
Quando não está falando da evangelização de indígenas – ela sonha em ver Jeová louvado em 300 línguas nativas – Damares dá atenção especial aos assuntos que circundam a Escola Sem Partido, sob o pretexto de que crianças estão sendo sexualizadas e abusadas com “essa história de ideologia de gênero”.
“O único lugar seguro para as crianças no Brasil é o templo. Não existe outro lugar no Brasil mais seguro para as crianças que a igreja”, afirma.
“Todas as instituições que defendem crianças faliram e falharam na proteção da infância no Brasil. A escola falhou, não é mais um lugar seguro para as crianças. Os clubes não são seguros. Nem os consultórios médicos são mais seguros. Não existe lugar seguro. Todos falharam. Só há um lugar seguro: a igreja, o templo”, insiste.
Na comunicação com mulheres evangélicas, Damares costuma dizer que “acabou a brincadeira na igreja”. O tempo de se preocupar com casamento, filhos e trivialidades cedeu lugar ao tempo de guerra. A igreja tem uma missão, a de restaurar a Nação, e precisa formar soldados com urgência.
“A sua missão é treinar crianças para governar sobre esta terra. Estão nas suas mãos os príncipes e princesas que vão herdar e governar esta terra porque todas as instituições faliram. É hora de treinar as crianças para governar essa Nação. (…) O Brasil vai se curvar diante do deus das nossas crianças.”
Aborto
O fim do aborto é o outro tema de discussão obrigatória, mas não é tratado como questão de saúde pública e tampouco relacionado aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Quando o assunto é interrupção da gravidez, não há que se falar em qualquer direito da mulher.
“‘Mas pastora, é direito da mulher abortar’. É Mentira! ‘Mas pastora, as feministas estão falando ‘meu corpo, minhas regras’. Olha aqui, ministério infantil, fale para elas: ‘o seu corpo é seu, faça o que você quiser com seu corpo, venda para quem quiser, dê a quem quiser. Mas o que está dentro da sua barriga não é seu corpo, é outro corpo, é vida, e você não pode decidir por outra vida.”
Ensino afro
Por volta de 1 hora de um vídeo em que a futura ministra se dirige a fiéis de sua ingreja, Damares, em tom alarmante, entra na discussão sobre as leis federais que obrigam o ensino da cultura afro e indígena nas escolas.
“Estou preocupada, irmãos, com a questão do satanismo e do ensino afro em sala de escolas.”
“Eu sou a favor, a lei é perfeita, e tem que ensinar a cultura afro para acabar com o preconceito, e a cultura indígena, para as crianças entenderam a formação do nosso povo. (…) Mas sabe o que estão ensinando para nossas crianças? A religião afro. Há diferença entre cultura afro e religião afro. Não se pode falar da Bíblia e de Jesus, mas eles falam de orixás.”
“Estão confundindo nossas crianças na sexualidade e na religiosidade.”
Assim falou a futura ministra dos Direitos Humanos em “defesa” da mulher, dos homossexuais, do negro, do índio, da criança e do Adolescente. Valha-nos todos os santos, babalaôs e orixás. Amém.
*Rafael Jasovich é jornalista e advogado, membro da Anistia Internacional