Farra com dinheiro público em viagens pode ter ocorrido no passado; novidade é um vereador denunciar, diz ex-diretora da Câmara de Itabira
Fotos: Carlos Cruz/ Acervo Lúcia Cruz
Poucas pessoas conhecem tão profundamente os bastidores da política itabirana quanto Lúcia de Cássia Cruz Fonseca, 84 anos, aposentada.
Servidora pública por décadas, Lúcia Cruz acompanhou de perto as transformações da cidade, vivenciou momentos de crise e presenciou decisões que impactaram o rumo de Itabira.
Com um olhar crítico e uma memória afiada, nesta entrevista ela relembra sua trajetória – desde seu primeiro emprego na prefeitura, passando pela atuação na Câmara Municipal, tendo participado na administração municipal de três governos: Wilson Soares (02/1963 a 11/1964; 05/1965 a 07/1965; 03/1966 a 01/1967), Luiz Menezes (1989-92) e Li Guerra (1993-96).
Procurada pela reportagem para falar sobre as recentes denúncias envolvendo o legislativo itabirano, marcado por acusações de um vereador contra seus colegas pelo mau uso de verbas em viagens a Brasília, Lúcia, inicialmente, recusou-se a opinar, afirmando que não acompanhava os desdobramentos de perto.
No entanto, aceitou dar a entrevista para recordar fatos pitorescos e históricos do legislativo itabirano. Nesta entrevista ela conta episódios marcantes, como a turbulência política que culminou no suicídio do então prefeito Daniel Jardim de Grisolia, em 1970.
Atualmente, Lúcia Cruz dedica seu tempo ao espiritismo, ao “cuidado do espírito e do físico”, por meio de caminhadas e sessões de pilates.
Sua experiência na organização do Encontro Nacional de Cidades Mineradoras, em 1984, sua passagem pela Secretaria de Administração e sua atuação como coordenadora do Centro Espírita Manoel Soares também revelam um perfil de dedicação à cidade e às pessoas.
Confira a entrevista com minha querida e estimada tia, uma pessoa especial que admiro muito. (Carlos Cruz)
Quando e onde foi o seu primeiro emprego?
Foi na Prefeitura. Entrei em 1962 para fazer um trabalho de transferência de impostos que eram cobrados pelo Estado e passaram a ser cobrados pelo município.
Depois você foi para a Câmara?
Sim, em janeiro de 1963 surgiu uma vaga na Câmara. Fiz um teste interno, concorrendo com outras candidatas, e fui aprovada como auxiliar. Após dois anos, assumi um cargo maior, que na época era denominado chefe de secretaria, ficando responsável pela administração geral da Câmara.
Após dois anos como auxiliar, em 1965 assumi o cargo de chefia, tornando-me responsável por toda a parte administrativa. Geralmente os presidentes assumiam a parte política, e eu me concentrava na administração da Casa Legislativa.

E quando você assumiu o cargo de diretora da Câmara?
Foi em 1965 e fiquei até 1989, quando assumi a Secretaria Municipal de Administração a convite do prefeito Luiz Menezes. Na Prefeitura, fiquei até me aposentar, em 1992.
Na Câmara, mesmo exercendo cargo de primeiro escalão, não tínhamos vencimentos equiparados aos do primeiro escalão da Prefeitura.
E assim ficamos até 1982, quando assumiu a presidência o vereador José de Almeida Sana e, ao assinar a nossa folha de pagamento, questionou o porquê da não isonomia dos vencimentos dos servidores da Câmara com os da Prefeitura.
Foi informado que era por eu ser “mulher e casada”, o que ele achou absurdo. Depois disso, ele determinou uma reestruturação na Câmara, criando-se os cargos de diretor-geral, contador, tesoureiro, procurador jurídico e outros.
Com a reestruturação, passei a receber vencimentos compatíveis com o primeiro escalão da Prefeitura.
Os nossos vencimentos foram equiparados aos da Prefeitura após pareceres favoráveis das comissões técnicas da Casa, que pesquisaram as atribuições dos secretários municipais e decidiram pela justeza da proposição.
Isso ele fez com a autonomia da Câmara, não é mesmo?
Na verdade, foi depois dessa reforma que a Câmara passou a ter autonomia financeira da Prefeitura. Antes, se os vereadores não aprovassem os projetos do prefeito, os recursos eram bloqueados.
Muitas vezes eu tive de custear as despesas e pedir reembolso da Prefeitura, até da gasolina para o carro da Câmara e também para o cafezinho e outras despesas.
Então foi feita justiça com a isonomia funcional?
Até certo tempo. A valorização dos cargos de Diretor-Geral e Procurador durou exatamente 30 anos, até que, em 2012, o então presidente, sob alegação de controle de despesas, reduziu os vencimentos desses cargos na Câmara, desvalorizando o próprio legislativo itabirano. Foi um ato pequeno, indigno de um presidente de um poder legislativo.
E sobre o golpe militar de 1964, o que você se lembra? Houve muita repressão na cidade?
Sim, mas não sei de casos de prisões e torturas. Se houve, não fiquei sabendo. Um mês após a “revolução” (“põe aspas”, pede a entrevistada), por volta das 14h, a Câmara foi invadida por um contingente de militares fardados, cerca de 30.
Eles vieram à procura do então presidente da Câmara, Sebastião Arcanjo de Carvalho, e, na Prefeitura, do prefeito Wilson do Carmo Soares, em atendimento a denúncias de alguns vereadores apoiadores do movimento golpista, sob a alegação de que eles eram comunistas.
Esses militares permaneceram na Câmara à noite com a ordem para ninguém entrar ou sair. E assim permanecemos — uma funcionária de apenas 20 anos e eu — sem poder sair.
E os vereadores, por onde andavam?
Nenhum apareceu por lá. Pelo telefone, recebemos ordem para convocar uma reunião extraordinária para 19h, visando a cassação dos “procurados”: o prefeito e o presidente da Câmara.
Não houve quórum, e havia muita tensão entre os vereadores que compareceram.
Quase toda a cidade, que era pequena, se postou em frente para saber o resultado do processo de cassação. A expectativa era grande diante de um pelotão de soldados que veio para prender os “comunistas” de Itabira.
Por volta das 20h, os militares decidiram encerrar o espetáculo e retornaram para o Dops, em Belo Horizonte.
Quando lá chegaram, defrontaram-se com os dois comunistas procurados, já de saída para Itabira, livres, leves e soltos. Eles tinham ido espontaneamente para saber o motivo de estarem sendo “procurados”.
Após isso, no início dos anos 1970, o prefeito era Daniel Grisolia, e Itabira viveu um momento de muita turbulência. Lembra-se como foi a investigação contra ele?
Um vereador o denunciou ao CGI (nr.: Comissão Geral de Investigações, criada durante a ditadura militar no Brasil, após a “revolução” de 1964, com o objetivo oficial de combater a corrupção, mas que, na prática, se tornou um instrumento de repressão política e intimidação dos opositores ao regime militar).
Foi a partir dessa denúncia que vieram os investigadores da CGI. Da mesma forma como ocorreu após o golpe de 64, não apareceu um só vereador na Câmara, sumiram todos, só ficamos nós, os funcionários.
Os investigadores queriam saber de tudo, inclusive indagaram quem estava pagando o lanche que servimos a eles.
Ficaram vasculhando e recolhendo papéis. Foram embora e, poucos dias depois, Daniel foi chamado para depor em Belo Horizonte, se eu não me engano, no DOPS.
As denúncias eram de que Daniel estaria desviando material da Prefeitura para a construção da Degelândia, uma casa de show e restaurante que, por pouco tempo, funcionou no bairro Chapada.
Só o prefeito foi investigado pela CGI?
Não, o juiz da época também foi investigado.
Foram as denúncias de desvio de material da Prefeitura que levaram Daniel ao suicídio?
Sim. Como eu estava dizendo, Daniel foi chamado a Belo Horizonte para depor no Dops. Ao voltar de Belo Horizonte, conta-se que ele se dirigiu ao seu gabinete na Prefeitura (nr.: onde hoje é o Museu de Itabira), onde se matou.
Após esse triste episódio, os investigadores retornaram à Câmara e comunicaram que estavam encerrando o procedimento investigatório. E ficou por isso mesmo, sem que se soubesse o que tinha de verdade nas acusações contra Daniel.
Difícil entender como havia corrupção em Itabira nessa época, quando não havia recursos como hoje. A Vale não repassava nada, nem mesmo recursos do Fundo de Reserva, previsto no estatuto de criação da estatal por Getúlio Vargas.

A corrupção, se havia, era pequena se comparada com os tempos mais recentes, até porque não havia recursos. Vale começou a extrair minério em Itabira em 1942 e ganhou 25 anos de isenção de impostos.
Foi só no segundo mandato de Daniel Grisolia que começaram a entrar recursos do IUM (nr.: Imposto Único sobre Minerais, instituído em 1969 e extinto com a Constituição de 1988).
Pois isso é parte da dívida histórica que a Vale tem com Itabira.
O certo é que, antes do IUM, a Prefeitura não tinha dinheiro para quase nada. Quem ganhava muito na Prefeitura recebia, no máximo, dois salários mínimos.
Era uma penúria muito grande, muitos servidores ganhavam menos de um salário e, muitas vezes, eram pagos com atraso. Com isso, viam-se obrigados a vender as suas folhas de pagamento no comércio da cidade, trocando-as por mercadorias.

Assim que Wilson Soares assumiu a Prefeitura, em 1963, perguntei se ele podia autorizar o pagamento de cinco meses de meus vencimentos atrasados.
Ele respondeu que não, mesmo sendo amigo dos servidores – ele ia sempre tomar cafezinho com a gente:
“De jeito nenhum! Onde eu vou arrumar dinheiro para te pagar?”, ele quis saber. Eu respondi: “Mas é tão pouco.”
Ele perguntou quanto era devido. Quando revelei o valor que eu tinha a receber, ele falou: “Mas é só isso? Venha trabalhar comigo no sindicato.” Eu agradeci e rejeitei.
E você recebeu os salários atrasados?
Pouco tempo depois, Wilson fez um despacho e mandou Mazinho (nr.: Waldemar Alvarenga, chefe da Fazenda) fazer o acerto comigo. Mazinho então me disse que eu precisava esperar um pouco, até que entrasse algum dinheiro.
Fiquei um dia inteiro esperando para a Prefeitura me pagar todo o atrasado, que somava menos de cinco salários mínimos.
Já aproximando dos anos 1970, Itabira viveu momentos atribulados, ocorreu a demolição da Catedral pela incúria humana, e em manchete de revista nacional dizia que “o capeta andava solto em Itabira”. Lembra-se?
Sim, foi uma época de muita turbulência, uma história que ainda precisa ser apurada e contada pelos historiadores.
Com o suicídio de Daniel Grisolia, assumiu o vice-prefeito, Virgílio Gazire.
E depois, padre Joaquim saiu candidato pela Arena (nr.: partido que apoiava o regime militar) e venceu, derrotando Renato Sampaio.
Foi um prefeito honesto, mas governou por pouco tempo (nr.: padre Joaquim (1971-73) assumiu um mandato tampão, de apenas dois anos).

Como era a atuação dos vereadores? Eles tinham, realmente, um interesse público?
Alguns tinham, outros não. Como deve acontecer também nos dias atuais.
Pelo que sei, você ajudou a eleger a primeira mulher vereadora presidente da Câmara, Regina Maria Pinto Coelho. Confere?
Sim, confere. Foi em 1974. Wilson Soares e Virgílio Gazire me pediram que a apoiasse, e eu concordei, por ela ser um bom nome para colocar ordem na Casa, que estava muito desorganizada, funcionando precariamente na sede da Lifa (nr.: Liga Itabirana de Futebol Amador), depois que a Câmara antiga pegou fogo, em 1971, em um momento muito conturbado na cidade.
E não me arrependo. Além de ter sido a primeira e única mulher a assumir a presidência, aos 23 anos, Regina foi uma excelente gestora e conduziu muito bem as sessões legislativas.
Comparecia todos os dias para despachar comigo – e foi ela quem providenciou um novo local para a Câmara funcionar adequadamente, por onde ficou por muitos anos na rua Dom Prudêncio.

Em 1984, você se licenciou da Câmara ou foi cedida para a Prefeitura organizar o Encontro Nacional de Cidades Mineradoras. Como foi isso?
O então vereador Zé Celso era o presidente da Câmara e manifestou a intenção de que a Câmara realizasse um encontro nacional. Por vários motivos, a Câmara não tinha a mínima condição de organizar o evento.
Nessa mesma época, Zé Maurício já estava articulando o encontro com Carlito Andrade, que estava no Paraná, exercendo o cargo de secretário-adjunto da Indústria e Comércio no governo de José Richa, e continuava muito focado em Itabira.
Disso eu não sabia. Disse ao Zé Celso que a Câmara não tinha condições de organizar o encontro, mas poderia participar junto com a Prefeitura.
Assim, fui cedida por três meses para ajudar na organização do encontro nacional, que aconteceu em agosto de 1984. Formou-se uma comissão de trabalho, constituída por um grupo altamente capacitado, em ramos de atuação diversificados.
Foram três meses de preparativos. Nesse período, aconteceram palestras todas as semanas no Centro Cultural, com o Fórum de Debates sobre Alternativas para Itabira, abordando temas como a diversificação economica e outros relacionados e preparatórios para o Encontro Nacional.
O encontro foi um sucesso, com repercussão nacional. Foi criada a Associação Brasileira de Cidades Mineradoras, e teve continuidade em outras cidades do país (nr.: os encontros foram realizados em Criciúma, Santa Catarina; Poços de Caldas, MG; Campina Grande, Paraíba; e em São Paulo).

Você retornou para a Câmara depois?
Sim, retornei para o cargo de diretora-geral.
Sô Zinho era o “bicheiro” da cidade, dono de casa de prostituição e vereador. Como era a atuação dele na Câmara?

Muito discreto, mas sempre com atuação firme. Apesar de contraventor, não se envolvia em falcatruas. Ele tinha uma influência muito grande na Câmara.
Era muito estimado e respeitado por todos os funcionários e vereadores. E me respeitava muito, dizia que eu era como se fosse a filha que não teve.
Como era a relação entre os prefeitos e os vereadores? Era sempre na base do toma lá, dá cá?
Havia muito empreguismo, como ainda há. O apoio da situação ao prefeito sempre foi nessa base de levar vantagem em alguma coisa. Dizem que nada mudou, sempre foi assim. Será que ainda é assim?
Doutor Jairo, no final de seu governo, teve apenas um vereador apoiando seu governo, o Neftaly. Ele dizia que esse apoio custava caro, pois sua base na Câmara não tinha limites, estava sempre pedindo alguma coisa pelo seu voto, que nada mudava, pois era um só.
Neftaly surgiu como liderança comunitária, presidente da Associação dos Moradores do Bairro Água Fresca, muito ligado à Igreja Católica. Andava descalço até virar vereador… Ele era uma pessoa simpática, bonachão, se dava bem com os vereadores e funcionários.
Como você vê esse escândalo na Câmara, com o vereador Luiz Carlos de Ipoema acusando os colegas de fazerem farra com dinheiro público, inclusive contratando garotas de programa?
Não vai dar em nada, porque não vai ter como provar.
Isso também não é novidade, vai acabar em pizza…
A única novidade é que agora há um vereador denunciando, e isso é muito grave. Mas, pelo histórico que tenho da Câmara, daqui a pouco isso será esquecido.
Na sua época de diretora, havia essas “farras” de vereadores em outras cidades?
Eu me lembro de ouvir conversas de vereadores. Quando eu ia redigir os relatórios, eles contavam algumas proezas, que ficavam em “off”.
Que tipo de proezas? Eram semelhantes às “farras” de agora?
Os vereadores sempre viajavam para participar de congressos. Eu me lembro deles contarem que, em um desses congressos, um vereador teria namorado a mulher do prefeito de Manaus.
Eles contavam que se divertiam muito nessas viagens. Outro vereador, tido como beato, sumiu de repente. Foram encontrá-lo em uma casa de prostituição, bêbado, dormindo nos braços de uma mulher.
Você ficou na Câmara até que ano?
1989, quando, em junho, saí e assumi o cargo de secretária de Administração no governo de Luiz Menezes. Entrei no lugar de Antônio Valeriano, muito competente, mas que, por ser da iniciativa privada, não ficou seis meses no cargo, tamanha era a burocracia encontrada.
Luiz Menezes ganhou a eleição depois que obteve a concessão da rádio Itabira e com o programa diário, com Luiz Menezes defenestrando o governo de Zé Maurício…
O desgaste foi tanto que Zé Maurício não podia mais aparecer em público sem ser vaiado. Teve uma vez, no parque de exposições, que, quando ele foi falar, o público não deixou. Foi uma sonora vaia.
O governo de Luiz Menezes também acabou manchado com as denúncias de corrupção que Li apresentou assim que tomou posse. Diante das denúncias, o próprio Luiz Menezes pediu que se instalasse uma CPI do Armando Caetano, seu genro, que ocupou a Secretaria de Obras. Foi quando Li fez uma auditoria denunciando o cartel das empreiteiras, que definia qual empresa ia ganhar as licitações. Isso não a incomodava estando no governo?
Sim, incomodava e muito. Você mesmo denunciou no Cometa que não havia publicidade das concorrências, que eram todas de cartas marcadas, ao ponto de o edital obrigatório sair no jornal depois de aberta a concorrência e definido o “vencedor”, de acordo com o rodízio entre as empreiteiras.
Luiz Menezes não participava dessas falcatruas, mas terminou o seu governo com essa mancha em seu currículo. As pessoas amigas o advertiam, mas ele não acreditava – confiava muito em sua equipe de governo. E foi ele quem mais pagou a conta depois na Justiça, se é que houve alguma punição.
Você continuou na Secretaria de Administração no governo de Li?
Não, participei da comissão de transição e aceitei o convite para assumir a assessoria geral do gabinete, onde fiquei até o final do seu mandato.
Nessa época, você já estava aposentada?
Sim, eu me aposentei antes de terminar o governo de Luiz Menezes. Mas, com o convite de Li, acabei aceitando o cargo de assessora especial, mesmo já estando cansada do serviço público.
Pretendia ficar por pouco tempo, até as coisas se ajeitarem no novo governo. Mas acabei ficando até o final, participando da comissão que elaborou o novo plano de cargos e salários do servidor municipal, da reforma administrativa e do Regime Único dos Servidores.
Como você avalia o governo Li?
Muito justo e organizado, tinha planejamento. Li era muito humano, ouvia os clamores da população e atendia na maioria das vezes.
Abriu mão de seu subsídio como prefeito, que doava para instituições filantrópicas, inclusive para o nosso Centro Espírita Manoel Soares, colaborando na construção da nossa sede.
Luiz Menezes também era muito humano. Criou a “vaca mecânica”, que fornecia leite e pão de soja para as crianças desnutridas e para os servidores municipais. Depois mandou cultivar uma horta no Posto Agropecuário, distribuindo verduras e legumes aos servidores.
Uma crítica recorrente ao governo Li era ser muito subserviente à Vale. Dizia-se que Itabira tinha um prefeito de direito e o de fato, que era o superintendente Ricardo Dequech. Como você via isso?
Realmente, havia um certo exagero. Ele confiava muito no pessoal da Vale.
E como você avalia a política hoje em Itabira? Mudou alguma coisa?
Estou muito por fora do que está acontecendo. Quase não acompanho o noticiário. Mas acho o prefeito Marco Antônio muito inteligente e cheio de boas ideias, só que precisa colocar em prática muito do que ele vem prometendo.
Fica até parecendo que está em permanente campanha eleitoral. E, nisso, acaba nomeando muitas pessoas que não têm competência para assumir alguns cargos, gerando trocas constantes ao sabor das conveniências, valorizando mais a política que a competência.
Isso passa a ideia de desorganização, muito ao sabor dos interesses políticos eleitorais. Mas espero que ele faça um bom governo e melhore a nossa cidade, que está precisando de muitas melhorias.
Tem pendente a eterna demanda da diversificação econômica nunca resolvida. A prefeitura já investiu recursos do Fundesi (nr.: Fundo de Desenvolvimento Econômico de Itabira) em empresas que depois deram calote. Outras ainda estão no Distrito Industrial, na sua maioria prestando serviços à mineração.
Minério não dá duas safras, ouço dizer isso desde sempre. E nada de novo ainda aconteceu para mudar esse quadro de extrema dependência da mineração.
Marco Antônio Lage, desde o seu mandato anterior, continua acreditando na parceria com a Vale com o projeto Itabira Sustentável, que até hoje praticamente não saiu do papel.
Não deve dar em nada, como tantos outros projetos já lançados em Itabira para ser em parceria com a Vale.
Quando Eliezer Batista era presidente, os vereadores foram recebidos no Rio. Wilson Soares voltou encantado, ele conhecia Eliezer do tempo em que foi presidente do sindicato e prefeito de Itabira, enquanto Eliezer era ministro de João Goulart.
Na reunião, Eliezer disse aos vereadores que não precisavam nem fazer reivindicações, pois ele sabia de tudo que Itabira precisava. “Vamos transformar Itabira em uma cidade de 115 mil habitantes com muito desenvolvimento”, ele prometeu aos vereadores.
E o que foi feito? Nada, né?
A Vale instalou a usina de ferro-gusa no Distrito Industrial de Itabira depois de levar para Nova Era, terra natal de Eliezer Batista, uma usina de ferro silício (nr.: que tem maior valor agregado comparativamente ao gusa).
Pois é, deu a Itabira uma indústria muito menor. Depois, veio Francisco Schettino, que também não estava nem aí para Itabira.
A Vale nunca investiu de verdade em Itabira, nunca repassou recursos de vulto que mudassem as condições econômicas do município, que permanece tão dependente da mineração.
Tanto nada mudou que, com a queda do preço do minério e a redução do nível de produção em Itabira neste ano, já se fala em restrições financeiras na Prefeitura.
Imagina quando o minério exaurir de vez, com o município voltando a não ter recursos nem para pagar a folha de pagamento.
Vai ser muito complicado, é preciso agir rápido. Mas isso eu ouço há muitos anos, é o mesmo discurso de sempre há décadas.
Agora, eu também acho que Marco Antônio está certo quando diz que não vai trazer uma empresa de grande porte para Itabira, mas sim criar condições para que as empresas existentes possam se expandir.
Acho isso mais realista, até porque não temos nenhuma grande empresa querendo se instalar em Itabira.
Para terminar, você é católica e espírita?
Não existe católica e espírita. Sou espírita, sigo a doutrina cristã, filosófica e científica. Portanto, sem dogmas, rituais, ícones, hierarquia e nada que não seja entendido à luz da razão.
Todo o trabalho desenvolvido em uma Casa Espírita visa o amor ao próximo e a transformação moral de si próprio, o que requer disciplina, estudo constante e trabalho sempre.
Bela entrevista com uma pessoa muito importante na política de Itabira.
Saudações a senhora Lúcia Cruz.
Entrevista em tom de crônica.
Fiquei surpresa de saber que meu vizinho, Sr. Wilson, era comunista. Quem diria! Deve ser por isso que nos dava pipoca doce e balas no dia das crianças. rsrs
Meus cumprimentos a querida Lúcia Cruz, pela excelente entrevista…..
Parabéns ao Vila de Utopia pela publicação da entrevista. Aliás, excelente entrevista, “grande” Lúcia de Cássia Cruz Fonseca- “Lúcia da Câmara”. Como você mesmo disse, é uma das poucas pessoas que conhecem tão profundamente os bastidores da política itabirana. E, mesmo sabendo dos bastidores políticos, na entrevista ela agiu com ética, ponderação e discrição. Como colega de trabalho, Lúcia foi parceira e companheira, foi uma das fundadoras da ASSEPMI (Associação dos Servidores) e anos mais tarde, 1989, deu força e incentivou a criação do SINTSEPMI (Sindicato dos Servidores Públicos de Itabira).
Parabéns Lúcia pela entrevista. Muito séria, discreta.