Famílias com crianças e adolescentes são mais afetadas pela pandemia no Brasil, diz pesquisa da Unicef

ONU Brasi – Brasileiros que vivem em domicílios com crianças e adolescentes foram os mais impactados pela redução da renda, pela insegurança alimentar e pela fome. Foto: UNICEF/Elias Costa

Famílias com crianças ou adolescentes foram as mais afetadas pela crise provocada pela COVID-19 no Brasil. É o que revela a pesquisa Impactos Primários e Secundários da COVID-19 em Crianças e Adolescentes, lançada na terça-feira (25) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

Realizada pelo Ibope em todo o país, a pesquisa mostra que os brasileiros que vivem com pessoas menores de 18 anos em casa foram a maioria entre aqueles que tiveram redução de rendimentos, ficaram sujeitos à insegurança alimentar e, inclusive, à fome, entre outros desafios.

“Embora crianças e adolescentes não sejam os mais afetados diretamente pela COVID-19, a pesquisa deixa claro que eles são as grandes vítimas ocultas da pandemia”, afirma Paola Babos, representante adjunta do UNICEF no Brasil.

“Suas famílias tiveram as maiores reduções de renda, a qualidade da alimentação que recebem piorou, e muitos de seus direitos estão em risco. É fundamental entender esses impactos e priorizar os direitos de crianças e adolescentes na resposta à pandemia.”

A pesquisa revela, também, que grande parte das crianças e dos adolescentes — tanto de escolas particulares quanto públicas — continuou tendo acesso à aprendizagem na pandemia.

No entanto, 9% não conseguiram continuar a aprendizagem em casa, ampliando a exclusão no país. Entre os 91% das crianças que seguiram com acesso à educação, uma percentagem significativa não consegue estudar de maneira regular.

“Os resultados deixam claro que o acesso a direitos ocorre de forma desigual no Brasil. Com a pandemia, as disparidades podem se agravar, impactando fortemente quem já estava em situação de vulnerabilidade”, explica Paola.

Diante desse cenário, o UNICEF reforça o apelo para que o país dê prioridade às crianças e aos adolescentes na resposta à COVID-19. Isso significa destacar e priorizar os direitos e necessidades de meninas e meninos nos orçamentos, programas e projetos, visando mitigar os impactos da crise — em curto, médio e longo prazos — na vida de crianças, adolescentes e suas famílias.

Confira, a seguir, os principais pontos da pesquisa:

Impactos na renda familiar

A crise provocada pela COVID-19 afetou diretamente a renda dos brasileiros. Segundo a pesquisa, 55% afirmam que o rendimento de seus domicílios diminuiu desde o início da pandemia. Os impactos foram maiores nas famílias com crianças e adolescentes. Dessas, 63% viram sua renda diminuir.

A redução também está mais presente nas camadas mais pobres: 67% daqueles com renda familiar de até um salário mínimo tiveram redução de rendimentos, contra 36% daqueles com renda familiar de mais de 10 salários.

O auxílio emergencial foi pedido por 46% dos brasileiros entrevistados. Entre quem vive com crianças e adolescentes, o percentual chegou a 52%. Dos que pediram o auxílio, 25% não foram considerados elegíveis ou ainda não receberam o auxílio. O desemprego também foi maior entre famílias com crianças e adolescentes.

“A pesquisa deixa claro que os impactos econômicos e sociais da pandemia afetam mais crianças, adolescentes e suas famílias. Para além dos benefícios temporários, é importante que os programas regulares de proteção social incluam, de maneira sustentável, todas as famílias vulneráveis”, afirma Liliana Chopitea, chefe de políticas sociais, monitoramento e avaliação do UNICEF no Brasil.

“Por isso, precisam ser focalizados nas que mais precisam, aquelas com crianças que já apresentavam altos índices de vulnerabilidades, acentuadas pela pandemia. Em momentos de planejamento fiscal e orçamentário, é fundamental olhar a proteção social não como um gasto e sim como um investimento no presente e no futuro do país.”

Segurança alimentar e nutricional

A pandemia tem afetado a segurança alimentar e nutricional no país. Quase metade da população brasileira (49%) reportou mudanças nos hábitos alimentares desde o início da pandemia da COVID-19. Entre as famílias que residem com crianças e adolescentes, o impacto foi ainda maior: 58%.

Entre as mudanças alimentares, o aumento do consumo de alimentos não saudáveis foi fortemente citado. Segundo a pesquisa, 31% das famílias com crianças e adolescentes passaram a consumir mais alimentos industrializados, tais como macarrão instantâneo, bolos, biscoitos recheados, achocolatados, alimentos enlatados, entre outros.

Entre as famílias que não residem com crianças e adolescentes, esse aumento no consumo foi de 18%. Outro destaque foi o aumento do consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas e do consumo de alimentos preparados em restaurantes fast-food (hambúrgueres, esfirras ou pizzas).

Ao mesmo tempo, o cenário de insegurança alimentar e nutricional no país ficou acentuado. Segundo a pesquisa, um em cada cinco brasileiros (21%) passou por algum momento em que os alimentos acabaram e não havia dinheiro para comprar mais.

Novamente, a situação é mais preocupante entre aqueles que residem com crianças e adolescentes, em que o percentual chegou a 27%. Além disso, 6% disseram que tiveram fome e deixaram de comer por falta de dinheiro para comprar comida (9% entre quem vive com crianças e adolescentes).

“Estamos diante de um cenário preocupante de má nutrição. Por um lado, percebemos o aumento do consumo de alimentos não saudáveis, que contribui significativamente para o aumento do excesso de peso e das doenças crônicas não transmissíveis”, afirma Cristina Albuquerque, chefe de Saúde do UNICEF no Brasil.

“Por outro lado, vemos o aumento da insegurança alimentar e nutricional que pode levar à desnutrição e deficiência de micronutrientes. A má nutrição tem impactos preocupantes no desenvolvimento das crianças, em especial nos primeiros anos de vida.”

“Essa situação impacta prioritariamente as populações mais vulneráveis com efeitos a longo prazo. É fundamental atuar imediatamente para reverter esse cenário e garantir o acesso de meninas e meninos a uma alimentação adequada e saudável.”

Direito à educação

Na educação, a pandemia mudou a rotina de crianças, adolescentes e famílias. Com o fechamento das escolas, o UNICEF estima que 44 milhões de meninas e meninos ficaram longe das salas de aula no país.

O cenário, no entanto, não quer dizer que todos ficaram sem aulas. Segundo a pesquisa, 91% dos brasileiros que moram com crianças ou adolescentes de 4 a 17 anos que estavam matriculados na escola antes da pandemia afirmaram que eles continuaram realizando, em casa, as atividades escolares durante a pandemia (sendo 89% dos matriculados em escolas públicas e 94% nas particulares).

Há, no entanto, 9% de crianças e adolescentes que estavam na escola antes da pandemia e não conseguiram continuar as atividades em casa — ficando excluídos da escola.

Entre quem conseguiu, a maioria dos estudantes (87%) passou a realizar as atividades pela internet — 97% entre estudantes em escolas particulares e 81% nas escolas públicas. No entanto, o nível de frequência mostra divergências significativas. Nos cinco dias da semana anteriores à pesquisa, 63% dos estudantes receberam tarefas e atividades escolares, enquanto 12% não receberam tarefa nenhuma e 6% somente em apenas um dia — ficando assim à margem do processo de aprendizagem.

Tanto nas escolas públicas quanto nas escolas privadas, a comunicação com as famílias se manteve ativa. Segundo a pesquisa, 68% afirmam ter recebido contatos da escola para informar progressos das crianças nas atividades (71% nas particulares e 65% nas públicas). Além disso, 48% afirmam que a escola entrou em contato para saber como estava a situação da casa e das crianças e dos adolescentes. Nesse ponto, o contato foi maior para quem tem filhos em escolas públicas, 51%, versus particulares, 44%.

“A pesquisa reflete o esforço das escolas e redes de ensino em manter o direito de aprender. Mesmo com a pandemia, a maioria das escolas manteve o contato com as famílias, o que é fundamental para entender a situação dos estudantes e aprimorar as atividades oferecidas de forma remota”, afirma Ítalo Dutra, chefe de Educação do UNICEF no Brasil.

“Por outro lado, a pandemia aumentou as desigualdades. Isso se reflete nos percentuais de meninas e meninos que não conseguiram manter a aprendizagem em casa. Diante da crise provocada pela COVID-19, há que se ter um esforço ainda maior para que a exclusão escolar não aumente no país.”

Sobre a pesquisa

A pesquisa Impactos primários e secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes foi realizada pelo Ibope para o UNICEF. A amostra contou com 1.516 entrevistas, representativas da população do País. As entrevistas foram realizadas por telefone, de 3 a 18 de julho de 2020. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos.

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