Faltam medicamentos para tratamento de Lúpus em Itabira, enquanto cresce a prescrição do kit Covid-19, mesmo sem eficácia

O vereador Sebastião “Tãozinho” Ferreira Leite (Patriota), de Itabira, disse na reunião da Câmara Municipal, na terça-feira (18), que está faltando medicamentos para portadores de Lúpus para distribuição pela Gerência Regional de Saúde (GRS), de Itabira, dentre eles a hidroxicloroquina.

“São medicamentos imprescindíveis e de uso contínuo. Precisamos saber o que está acontecendo. As pessoas que precisam desses medicamentos estão sofrendo, tendo que arcar com os custos muitas vezes sem ter condições”, disse o vereador.

Procurada pela reportagem da Vila de Utopia, por meio de sua assessoria de imprensa a GRS de Itabira assegura que a maioria dos medicamentos para tratamento de Lúpus Eritematoso, distribuídos por meio do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CAF) – e disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde –, encontra-se disponível na Coordenação de Assistência Farmacêutica, excetuando a Azatioprina 50 mg, Hidroxicloroquina 400 mg e Cloroquina 150 mg.  São justamente os que compõem o Kit-Covid-19.

“O medicamento Azatioprina 50 mg encontra-se indisponível na CAF de Itabira deste o dia 11 de maio. Conforme comunicado pela Diretoria de Medicamentos Especializados, a programação feita em abril não foi totalmente atendida visto que há atrasos na entrega por parte do fornecedor com relato de dificuldades na produção”, informa.

“O pedido feito em abril foi atendido em 47% da quantidade solicitada. Para o mês de maio não há, até o momento, não há previsão de regularização do fornecimento.”

Ainda de acordo com a GRS de Itabira, não há também estoque do medicamento Cloroquina 150 mg. Quanto ao derivado Hidroxicloroquina 400 mg também se encontra indisponível deste 7 de janeiro.

“Conforme a Diretoria de Medicamentos Especializados, nos meses de janeiro e fevereiro, a justificativa para a indisponibilidade era ‘sem Ata de Registro de Preço’”.

Isso ocorre enquanto entre os meses de março e abril a justificativa era que estava “aguardando emissão de Autorização de Fornecimento”.

Entretanto, a GRS de Itabira informa que em maio houve regularização do fornecimento e o medicamento será distribuído para as Unidades Regionais de Saúde, com previsão de entrega nesta terça-feira (25).

E acrescenta: “Não há estoque do medicamento Cloroquina 150 mg para Lúpus Eritematoso visto que não há demanda atualmente”, confirma a assessoria de imprensa da GRS de Itabira.

Distribuição

Ainda de acordo com a GRS de Itabira, o fornecimento de Hidroxicloroquina pela rede SUS para Covid-19 é realizado diretamente pelo Ministério da Saúde, que considera a disponibilização de Hidroxicloroquina 200 mg proveniente de doação do Governo dos Estados Unidos.

“Nesse sentido, conforme fluxo estabelecido, cabe aos municípios interessados em receber o medicamento, realizar a solicitação diretamente ao Ministério da Saúde por meio de ofício assinado pelo gestor municipal, o qual deve ser encaminhado via e-mail para a área técnica do órgão”, salienta.

“Cabe ressaltar que o envio do medicamento é realizado diretamente do nível federal para o município requerente. Portanto, não há apoio logístico para distribuição por meio da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais”, acrescenta a GRS de Itabira.

“Cabe pontuar que não há pactuação no setor público denominado Kit Covid. Pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais foi distribuído aos hospitais da rede SUS/MG e municípios o medicamento Cloroquina 150 mg no período de abril a novembro/2020 mediante as recomendações do Ministério da Saúde, no primeiro momento para tratamento das formas graves, conforme Nota Informativa n° 06/2020 de 31 de Março de 2020”, destaca.

Fonte: Gerência Regional de Saúde/Itabira

Esclarece ainda a GRS que, posteriormente, para manuseio medicamentoso precoce em casos leves e moderados, foi feita a distribuição, conforme Nota Informativa SE/GAB/SE/MS n° 09/20 de 20 de maio de 2020.

“Cabe destacar ainda que o governo de Minas Gerais não definiu protocolo de uso de medicamentos pra COVID uma vez que as evidências científicas disponíveis não garantem a eficácia e segurança desse uso.”

Acrescentou a nota da GRS de Itabira que, quanto à distribuição de Cloroquina, a SES/MG atuou com apoio logístico ao Ministério da Saúde, respeitando a autonomia dos municípios e prescritores quanto à solicitação.

“Para o município de Itabira, em 2020, foi distribuído o total 9.470 comprimidos de Cloroquina 150 mg no período de abril a novembro. Após o mês de novembro de 2020 não houve mais distribuição de Cloroquina pela SES/MG, visto a indisponibilidade no Ministério da Saúde.”

Também procurada pela reportagem da Vila de Utopia, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), por meio da assessoria de imprensa da Prefeitura, assegura que no município não foi instituída a criação do Kit Covid-19, “já que diversos estudos científicos apontam a ineficácia do tratamento precoce”

Entretanto, faz a ressalva: “As prescrições são realizadas a partir da conduta de cada médico e são dispensados pelas farmácias municipais os medicamentos já padronizados na Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (Remume).”

Demanda crescente

Marco Antônio Gomes, vice-prefeito de Itabira, tem defendido o tratamento precoce sem eficácia comprovada (Fotos: Reprodução e Getty Image)

A falta de medicamentos para o tratamento de Lúpus é consequência, sobretudo, da disseminação do receituário do chamado kit Covid-19, prescrito irresponsavelmente por médicos seguidores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), inclusive pelo vice-prefeito de Itabira, Marco Antônio Gomes (PL) e outros médicos negacionistas como panaceia para o tratamento precoce da Covid-19. Leia mais aqui .

Isso em detrimento do uso da máscara, do distanciamento social e isolamento domiciliar, além da higienização frequente das mãos.

Desdenham desses procedimentos em favor de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19, conforme posicionamento das principais autoridades de saúde do mundo e no Brasil, incluindo (Organização Mundial da Saúde (OMS), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças(CPD), a Agência Europeia de Medicamentos, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SPI) e a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O posicionamento contrário à prescrição desses medicamentos tem por base pesquisas científicas de diversas instituições. Elas testaram a eficácia de remédios como a cloroquina, ivermectina e azitromicina contra a Covid-19 – e concluíram que eles não têm efeito contra a doença.

Mas mesmo assim, em junho de 2020, o Ministério da Saúde ampliou o protocolo de orientações para uso da cloroquina, incluindo a recomendação para casos leves e moderados de Covid-19.

Essa ampliação ocorreu por exigência de Bolsonaro, prontamente atendida pelo ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, ainda como interino, assim que ele assumiu o cargo. Em janeiro de 2021, a pasta chegou a testar um aplicativo que recomendava o tratamento precoce, retirado do ar quando teve início a CPI da Covid-19.

As alternativas medicamentosas constantes do enganoso kit são sugeridas como parte do uso “off label”, em situações não previstas na bula e cujo uso não é recomendado pelos fabricantes.

A pratica é comum e considerada legal na medicina, posição essa reforçada em 25 de janeiro deste ano pelo presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz de Britto Ribeiro, em entrevista à Folha de S. Paulo, para quem é “decisão do médico assistente realizar o tratamento que julgar adequado”.

A representação local do Conselho Regional de Medicina (CRM), em Itabira, também reforçou essa “autonomia médica”, em resposta a este site, que recomendou aos pacientes que sofrerem sequelas por esses medicamentos, processar o médico que prescreveu o Kit Covid-19. Leia aqui.

Entretanto, um comitê formado por representantes de sociedades médicas, organizado pela Associação Médica Brasileira (AMB), rechaçou esse posicionamento.

E recomendou, em março de 2021, que o uso desses medicamentos sem eficácia contra a covid-19 seja sumariamente banido do receituário médico.

Consequências danosas

As consequências são danosas a quem toma esse medicamento sem eficácia para o tratamento da Covid-19, mas também sofrem os que precisam de alguns desses remédios para o tratamento da Lúpus Eritematoso.

Outras consequências são para a saúde de quem tem Covid-19 e tomam esses placebos sem eficácia científica comprovada. “Temos evidências suficientes para saber que não há nenhum impacto para pacientes hospitalizados com covid-19”, disse Soumya Swaminathan, cientista-chefe da OMS, que não reconhece, também, o seu emprego no falso tratamento precoce.

Em janeiro deste ano, informa a Folha de S. Paulo, o próprio autor do trabalho que desencadeou a ideia de que a cloroquina poderia ser uma opção contra a doença do novo coronavírus, o médico francês Didier Raoult, voltou atrás e admitiu a inutilidade do remédio para esse tipo de tratamento.

Além de serem ineficazes, alguns dos medicamentos incluídos no chamado kit Covid-19 podem causar sérios efeitos colaterais em pacientes – e até matar. Em março de 2021, por exemplo, a Folha de S. Paulo reportou casos de pessoas em São Paulo que morreram de hepatite causada pela ingestão de ivermectina.

Receituário

Enquanto isso, médicos itabiranos continuam prescrevendo o kit Covid-19, com grande procura nas farmácias particulares, a um custo que pode chegar a mais de R$ 250, no caso de genéricos, sem contar os também desnecessários medicamentos anticoagulantes, também comuns no receituário desses negacionistas.

“Já tivemos caso de um paciente que chegou com receita médica a um custo superior a R$ 1 mil. Sem dinheiro para comprar à vista, pediu para dividir em várias parcelas”, conta uma farmacêutica que, antes, tentou persuadir o paciente a não fazer uso desses medicamentos, pela sua ineficácia. “Não adiantou. A receita do médico é sagrada”, disse ela.

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