ECA Digital: saiba como ficou a proteção de crianças e adolescentes
Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil
Com a nova lei digital, plataformas digitais podem pagar até R$ 50 milhões em multas; entenda como o Brasil regula a adultização infantil
A proteção da infância no ambiente digital ganhou um novo capítulo no Brasil com a sanção da Lei 15.211/25, que institui o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital). A legislação surgiu em resposta a um debate nas redes sociais, a partir das denúncias do influenciador Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca, que trouxe à tona a chamada adultização infantil, prática que expõe crianças e adolescentes a comportamentos e situações inadequados para sua faixa etária, especialmente em redes sociais e plataformas digitais.
O advogado Carlos Eduardo Holz esclarece que o ECA Digital já está em vigor e impõe novas obrigações às plataformas digitais, como verificação de idade mais rigorosa, vinculação de contas de menores a responsáveis legais e sistemas mais eficazes de supervisão parental. O objetivo é reduzir os riscos de exposição de menores, prevenir exploração comercial, uso de imagens em redes de pedofilia, divulgação de apostas e veiculação de conteúdos com conotação sexual, mesmo que implícita.
Além disso, a lei reforça a fiscalização de conteúdos: vídeos, fotos e propagandas poderão ser considerados inadequados mesmo sem nudez explícita, caso impliquem risco de exploração. A remoção imediata de materiais nocivos passa a ser obrigatória.
Segundo Holz, um dos pontos mais discutidos é a responsabilização das empresas de tecnologia. Redes sociais, aplicativos de vídeos curtos e plataformas de streaming deverão comprovar mecanismos de proteção e acompanhamento de menores. A atuação também envolve a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que passa a complementar a fiscalização feita no mundo físico por órgãos como Conselho Tutelar e Ministério Público.
“É importante a responsabilização das plataformas. Precisamos proteger as crianças e adolescentes e, quando isso é descumprido, surge a questão: quem é o responsável? Quem deve adotar as medidas? Quem fiscaliza?”, questiona Holz.
O especialista ressalta ainda que as punições são severas. “Se a plataforma descumprir, haverá multa de até R$ 50 milhões e, em caso de reincidência, ela pode ser banida ou retirada do ar pela Anatel. É um ponto de muito alerta: terá que ser cumprido. Caso contrário, as consequências serão bastante drásticas para essas empresas”, esclareceu.
Educação digital e saúde mental
O ECA Digital também busca promover uma educação digital preventiva, envolvendo famílias, escolas e sociedade na criação de um ambiente online mais seguro. Especialistas ressaltam que a lei pode contribuir para reduzir os impactos emocionais e sociais da exposição precoce, fortalecendo a saúde mental e o desenvolvimento equilibrado das novas gerações, como explica a psicóloga jurídica Thayse Duarte:
“A gente tem visto casos recentes que ganharam muita repercussão, mostrando crianças e adolescentes expostos a padrões estéticos, de comportamento e até emocionais que não correspondem à sua idade ou etapa de desenvolvimento. Essa exposição precoce pode trazer impactos negativos profundos, afetando a construção da identidade, a autoestima e até a saúde mental”, assinala a psicóloga.
“Por isso, quando falamos em estabelecer limites para o uso da imagem de crianças e adolescentes, trata-se de proteção. É uma forma de supervisão responsável: pensar em como essa criança ou esse adolescente vai usar a plataforma digital, garantindo um ambiente mais seguro.”
Segundo ela, essa nova legislação vem justamente para frear práticas exploratórias e promover uma relação mais saudável e consciente com a tecnologia. “Não é proibir, mas orientar o uso, fortalecendo a proteção da infância.”
Para a psicóloga, é “essencial que famílias, escolas e até as próprias plataformas entendam que proteger a infância é garantir o direito da criança de viver plenamente sua fase de desenvolvimento, com saúde, segurança, dignidade e, claro, tempo para brincar”.
Um novo olhar do Judiciário
Outro avanço está na orientação de que o Judiciário adote uma postura mais sensível diante de casos envolvendo a exposição digital de menores. Ao julgar essas situações, magistrados deverão considerar não apenas os aspectos legais, mas também os direitos fundamentais e os impactos de longo prazo sobre a vida das crianças e adolescentes.
Thayse destaca também a importância de um olhar sensível com esta temática. “Quando a gente pensa no papel do Judiciário nesses casos de exposição digital de crianças e adolescentes, é importante destacar que esse olhar precisa ir além da norma, além da simples legalidade. A prioridade deve ser sempre absoluta: o interesse da criança e do adolescente.”
De acordo com ela, cada decisão judicial precisa considerar também os impactos emocionais, sociais e subjetivos que essa exposição pode causar. Afinal, os efeitos não se restringem à infância, eles podem se estender para a vida adulta. “É fundamental reforçar que não estamos falando apenas de ‘imagem’. Trata-se de uma violência simbólica contra a infância, contra o direito de ser criança.”
Por isso, o Judiciário deve atuar com sensibilidade, garantindo uma escuta qualificada e mantendo um compromisso ético. É reconhecer que o ambiente digital também é um território de cuidado, que exige supervisão e proteção especial, justamente porque envolve pessoas em desenvolvimento. “No fim das contas, é sobre assegurar a proteção integral e garantir que cada criança tenha o direito de viver plenamente sua infância, inclusive no mundo virtual”, afirma.