“É falta de ética receber sem trabalhar”, diz superintendente, contrária ao pagamento de honorários quando a dívida não é judicializada
Carlos Cruz
A comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal aprovou o ingresso na pauta da reunião desta terça-feira (24) do projeto de Lei 71/2018, que altera a legislação que permite aos dez advogados da Prefeitura e mais o procurador-geral receberem honorários, correspondentes a 20%, mesmo quando não tenham redigido uma única petição de cobrança judicial.
Ou seja, o devedor de tributos ao erário municipal paga os honorários sem que a dívida tenha sido cobrada na Justiça, quando o acerto ocorre diretamente na Secretaria Municipal da Fazenda. O projeto de lei acaba com essa cobrança, considerada indevida.
“É falta de ética por parte dos advogados e de moralidade, que são princípios da administração pública, receber sem trabalhar”, classificou a servidora Rosângela Pereira, superintendente de Tributação, da Secretaria Municipal da Fazenda, na reunião das comissões temáticas da Câmara, na quinta-feira (19).
O projeto de lei que muda a legislação é de autoria do vereador Jovelindo Oliveira Gomes (PTC), mas já tem apoio declarado de vereadores situacionistas e oposicionistas. “Fui procurado por vários contribuintes que querem acertar as suas dívidas com a Prefeitura, mas não acham justo pagar honorários aos advogados”, justificou o vereador.
“Essa cobrança está prejudicando o acerto de contas do devedor com a Prefeitura pelo Refis”, acrescenta o líder do governo na Câmara, vereador Carlos Henrique Silva Filho (Podemos), referindo-se ao programa de Recuperação Fiscal (Refis), cujo projeto de lei foi aprovado recentemente pela Câmara e sancionado pelo prefeito Ronaldo Magalhães (PTB).
Além da cobrança ser considerada indevida, o pagamento dos honorários advocatícios sobre o total da dívida ocorre juntamente com a primeira parcela da dívida com a Prefeitura. Sem esse acerto, a dívida não é parcelada.
A cobrança de honorários foi informada por esse site ao noticiar a aprovação do programa Refis (leia aqui). Até então, essa cobrança não havia sido explicitada pelos vereadores e muito menos pela Prefeitura na votação do programa.
Acordo
A reportagem informa também que foi feito, recentemente, um acordo judicial para a Prefeitura pagar cerca de R$ 200 mil aos seus advogados, firmado em uma ação de cobrança de honorários que a Secretaria da Fazenda se recusava a pagar. A cobrança é referente ao período de novembro de 2017 a março de 2018.
A ação não chegou a ser julgada. Antes disso, a Procuradoria-Geral, cujo titular é parte interessada, promoveu um acordo para o seu imediato pagamento. O acerto é controverso por não ter havido decisão final sobre a demanda.
Questionado por este site sobre esse pagamento, o secretário da Fazenda, Marcos Alvarenga, contestou a informação de que não há decisão judicial sobre o caso. Segundo ele, já existe essa decisão.
“Sentença judicial não se discute, por isso temos de cumprir, sob pena de a Prefeitura ter de pagar multas diárias”, disse ele, após reunião nas comissões temáticas da Câmara, no dia 8 de junho, quando prestou contas das finanças do município referentes ao primeiro quadrimestre do ano.
Procurado pela reportagem, o procurador-geral Leonardo Rosa, que também recebe honorários sobre cobranças não judicializadas, foi econômico ao responder, por meio da assessoria de imprensa: “A Prefeitura apenas está seguindo o que determina o Código Tributário do município.”
Com essa resposta, a reportagem concluiu: “Como existem dúvidas na interpretação da lei, não seria o caso de tornar mais clara a redação dos artigos do código que tratam dos honorários? Ou mesmo abolir a cobrança de honorários para dívidas que não tenham sido judicializadas? Afinal, já são tantos impostos cobrados – e não parece ser justo o contribuinte pagar honorários controversos, que entende não serem devidos.”
São essas sugestões que estão para ser efetivadas com o projeto de lei 71/2018, alterando a lei 3.404, de 23 de dezembro de 1997, que institui o Código Tributário Municipal. O mesmo projeto altera ainda a lei 4.732, de 2 de outubro de 2014, que define o Plano de Recuperação das Receitas Próprias do Município.
Outro lado
Na tramitação no legislativo, o projeto que muda essa legislação deve ser retirado de pauta na reunião desta terça-feira. É que, segundo antecipou o vereador André Viana (Podemos), será dada oportunidade de se ouvir os advogados da Prefeitura e a subseção da Ordem dos Advogados do Brasil. “Essa Casa é democrática e todas as partes devem ser ouvidas”, justificou.
Para a superintendente de Tributação é importante conhecer o posicionamento da OAB, para saber se a instituição considera justo um advogado receber honorários sem trabalhar.
“O estatuto da OAB diz que honorários são devidos quando o serviço é prestado, assim como o Código Civil permite o pagamento quando a cobrança é ajuizada. Como explicar o pagamento a um advogado por um serviço que não prestou?”, questionou Rosângela Pereira na reunião das comissões permanentes, na Câmara Municipal.
Segundo ela, a indignação é grande entre os devedores que querem acertar as suas dívidas e assim deixar de ter os seus nomes sujos perante o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Também não concordam com a cobrança os demais funcionários da Prefeitura, que reivindicam reajuste de seus salários, congelados há três anos.
“Todos os servidores, exceto o Procurador e os advogados da Prefeitura, estão indignados com essa cobrança indevida. Quando a dívida é ajuizada, os advogados recebem (os seus honorários) e isso não se discute. Agora não é justo pagar por um serviço que não foi prestado.”
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