Duas empresas querem estabelecer projetos minerários em Itabira na mesma área de preservação ambiental. E pedem anuência ao Codema
Representantes da Bemisa e da Arcelor Mittal “dialogam” sobre interesses minerários conflitantes na APAM Piracicaba, no território itabirano
Fotos: Carlos Cruz
Um fato inédito marcou a reunião do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Codema), na sexta-feira (10): duas grandes mineradoras disputam o mesmo espaço no município de Itabira, uma se dizendo detentora de direito minerário e a outra alegando ser proprietária da superfície na mesma área para onde pretende estender a sua pilha de estéril.
Para ambos os empreendimentos estão sendo requeridas as respectivas declarações de conformidade (anuência) com a legislação municipal ao Codema – para a primeira já concedida, enquanto para a segunda o processo ainda se encontra em tramitação.
De um lado desse imbróglio está a Bemisa Holding, que já obteve anuência do Codema para minerar na mesma área de 15,03 hectares, com 3,36 hectares cobertos por eucaliptos e 11,67 hectares com vegetação nativa – que serão suprimidos.
Para isso, a Bemisa diz já dispor de alvará de pesquisa e lavra concedido pela Agência Nacional de Mineração (ANM). E que para dar início ao novo empreendimento minerário no território itabirano só depende de obter licenciamento junto ao órgão ambiental estadual, para o qual já dispõe de anuência do Codema de Itabira.
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Do outro lado da disputa está a Arcelor Mittal, que detém a propriedade de superfície da mesma área – e que, a exemplo da Vale na barragem do Itabiruçu, “cochilou” e permitiu que outra empresa requeresse autorização da agência reguladora para pesquisar e minerar em seu subsolo.
A empresa pede a anuência do Codema para estender a sua pilha de disposição de estéril para o território itabirano e assegura que não há sobreposição de áreas.
Custo/Benefício
De acordo com os representantes da Arcelor, a pilha de estéril não será instalada no local requerido pela Bemisa, que, por sua vez, sustenta que está e que o seu projeto de mineração fica prejudicado caso venha a se instalar em cima da reserva requerida, com prejuízos para a União, Estado e município.
“Não faz sentido aprovar uma pilha de rejeito em cima de uma área onde se tem direito minerário”, defendeu o advogado da Bemisa, Alceu José Torres Marques.
Segundo ele, o projeto da Bemisa tem previsão de investimentos da ordem de R$ 285 milhões na nova mina em Itabira, com abertura de empregos diretos e indiretos, além da geração de R$ 138 milhões de Cfem (Compensação Financeira pela Exploração Mineral, os roylties de minério). “Nada disso é gerado por uma pilha de estéril.”
Por seu lado, o representante da Arcelor Mittal, Alberto Bernardo, informou que a empresa tem projeto de expandir a sua mina de Fábrica, instalada no município de João Monlevade, na divisa com Itabira, para o território itabirano. E que sem a pilha de estéril o projeto ficaria comprometido.
Competência
Antes de submeter o pedido de anuência pilha da Arcelor para deliberação dos membros do Codema, o presidente do Codema, Denes Lott, lembrou que cabe apenas ao órgão ambiental municipal deliberar sobre o pedido da declaração de conformidade, não sendo de sua competência entrar no mérito da disputa entre as duas empresas.
No entanto, ele sugeriu que a deliberação pelos conselheiros fosse mais uma vez suspensa – na reunião anterior o mesmo projeto foi retirado de pauta a pedido de um conselheiro –, dando prazo de dois meses para que as empresas entrassem em entendimento sobre a área requerida.
“O que nos cabe deliberar é se concedemos ou não a anuência à expansão da pilha da Arcelor, que está na APAM (Área de Proteção Ambiental Municipal) Piracicaba, no município de Itabira. Sugiro retirar o projeto de pauta para um possível entendimento entre as partes”, propôs, o que foi aceito pelas duas empresas.
Condicionantes
Com isso, o pedido de anuência da Arcelor para a pilha de estéril só deve voltar à pauta do Codema na reunião de setembro.
Mas se fosse colocado em votação, sem que os conselheiros entrassem no mérito do que é melhor para Itabira sob o ponto de vista socioeconômico e ambiental, é bem possível que essa anuência também seria aprovada, à semelhança do que ocorreu com a concessão da declaração de conformidade para a exploração de minério de ferro na mesma localidade.
É que o parecer técnico da Diretoria de Preservação Ambiental, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, de Itabira, mesmo descrevendo os impactos ambientais, sugere a aprovação da pilha de estéril em uma Zona de Preservação da Vida Silvestre (ZPVS), já que a portaria municipal 06/2021 alterou o “uso proibido e restrito” para “uso restrito” da área, justamente para permitir a mineração na APAM Piracicaba.
Para a aprovação da anuência, o parecer técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente sugeriu duas prosaicas medidas compensatórias, de pequena significância como compensação ambiental:
1) monitoramento de fauna (avifauna, mastofauna e herptofauna) na sub-bacia do rio Santa Bárbara; 2) desenvolver um jogo de memória sobre a fauna, além de um jogo de tabuleiro humano sobre resíduos sólidos para o programa de educação ambiental a ser desenvolvido entre os moradores da APAM Piracicaba.
Voto contrário
Entretanto, mesmo sem que fosse colocado em apreciação o pedido de anuência, a conselheira Maria da Conceição Leite Andrade, da Caritas Dicosena, adiantou o seu voto contrário à instalação da pilha de estéril na APAM Piracicaba.
E pediu que fosse registrada em ata da reunião a íntegra das razões pelas quais não a aprova.
“Não é mais viável no município de Itabira decidir sobre a implantação e ou ampliação de empreendimentos de mineração sem que se realize antes uma avaliação ambiental integrada e completa de todo o território, tendo em vista um prognóstico que considere a sustentabilidade ambiental (em especial a disponibilidade hídrica)”, registrou.
Entre outras justificativas contrárias ao projeto, a representante da Caritas considera também não ser possível aceitar como viável a ampliação da pilha de estéril em Zona de Preservação da Vida Silvestre (ZPVS) pelos impactos ambientais incompatíveis com os seus objetivos.
“Nenhum termo de compromisso com medidas compensatórias e de controle (ambiental) compensará as perdas e os danos irreversíveis à fauna, inclusive de espécies com algum grau de ameaça de extinção ou de vulnerabilidade. Diante do exposto, nosso voto é contrário.”
Lucidez: Maria da Conceição Leite Andrade. O resto é a “corrupção medida”.