Drummond, prevê em crônica de 1977, a exploração de ouro no rejeito do Pontal

Foto: Eduardo Cruz

No destaque, ilustrando a crônica de Drummond – A nova (possível) idade de ouro – , o garimpo no rejeito do Pontal confirma a premonição do cronista itabirano, publicada no Jornal do Brasil de 22 de dezembro de 1977.

Portanto, a crônica foi escrita cinco anos antes do surgimento do formigueiro humano que se formou à cata de filigramas de ouro na grota do Minervino, no início dos anos 1980, em Itabira.

Mesmo afirmando, peremptoriamente, que o ouro do rejeito não tinha valor econômico, em silêncio, sem nada informar à sociedade itabirana, a mineradora Vale lançou o projeto Ouro, mantendo a extração aurífera inscrustada no itabirito por muitos anos, tendo produzido até mais de 500 quilos anuais, fora o “curiango”.

Leia a seguir a crônica de Drummond, mais antenado sobre a exploração mineral em Itabira que todos os itabiranos.

A crônica foi garimpada por Cristina Silveira nas páginas do JB, arquivadas na Hemeroteca da Casa de Ruy Barbosa-RJ.

A nova (possível) idade de ouro

Carlos Drummond de Andrade

O ciclo do ouro acabara definitivamente no país, mas sempre havia algum teimoso que, chupitando o cigarrinho de palha, resmungava:

– Cabou nada. Pessoal tá é com preguiça de procurar.

Com preguiça ou sem preguiça, entraram a pesquisar e a explorar outros minerais, e o ciclo do ferro começou a dar divisas ao país. O negócio era tão bom que o Governo criou uma empresa para tocá-lo. Instalações industriais imensas, estrada de ferro, porto, construiu-se tudo que era preciso para levar o minério a consumidores longínquos.

A exploração do ferro não tem o romantismo das minas de ouro. Havia sempre quem lembrasse o tempo em que se extraia ouro da terra e do leito dos rios, com todo o folclore de estórias maravilhosas, entre verdadeiras e inventadas, não se sabendo ao certo o que era mentira e o que era mais mentira ainda. Mas o ouro ficou na memória do povo, das famílias arruinadas, nos livros dos poetas e ficcionistas, no papelório dos tabeliães. Na saudade coletiva.

Quando a gente não encontrava mais no país matéria para alimentar a imaginação, recorria ao acervo do cinema americano e vibrava com as aventuras dos desbravadores do Oeste, morrendo junto à mina afinal desvendada, mas que encerrava o esplendor e a maldição do metal nobre entre todos.

A companhia que o Governo montou estava bem satisfeita com sua hematita, seu itabirito e sua jacutinga postos em vagão e navio cargueiro e rendendo-lhe bons cobres.

Sem desprezar o lixo do ferro, a poeira grossa que se desprende dos blocos dinamitados e vai formando montanhas, o rejeito, o refugo. E partiu para o aproveitamento desse material segundo, pelotizando-o. Nada fica sem utilidade no ferro: seu próprio lixo é fonte de renda.

Espia daqui espia dali o rejeito, um técnico mais atento percebeu nele laivos amarelos que o puseram de orelha fita. Levou para o laboratório e o exame confirmou: aquele resto de ferro guardava estilhas de ouro. Ouro, sim senhor, ouro encravado, escondido no ferro, ouro promitente, ouro perturbante!

Aí se seguiram estudos mais sérios e se formulou o Projeto Ouro, que a companhia conserva em cauto silêncio, mas o silêncio, no Brasil, acaba sendo uma zoeira audível do Oiapoque ao Chuí. E a imaginação mineira começa a crepitar, só de ouvir a notícia mágica: “Tem ouro no rejeito!”

Então, os que venderam a preço de banana ou melhorzim suas terras para a empresa se dizem uns aos outros:

– Pera aí. A gente vendeu terras de minério de ferro, não vendeu ouro de lá do fundo delas. Então, vamos reclamar nosso ourinho que não entrou na transação, uai.

Já se adivinham as mil pendências judiciárias em cima do ouro de rejeito. A companhia nega o direito, e advogado pra cá advogado pra lá, bota aí 100 anos de demandas carregadas de razões, desrazões, confusões, apelações, embargos, e tudo mais que está nas Fourebries de Sacapin, de Molière, aliás, traduzidas por este cronista sem terras.

No meio de tudo isto, o dó, a prantina da companhia: toda essa ferrama exportada anos e anos para o estrangeiro, heim? Todas essas toneladas de ferro, quantas outras de ouro deviam conter, que a gente não reparou? Terão reparado lá fora? Quem sabe?

Perdura o segredo oficial sobre as possibilidades de exploração econômica do ouro de Minas, descoberto no rejeito, e não se sabe do projeto, senão que ele existe. Mas saber de sua existência já provoca um susto: e se cai o preço do ouro no mercado internacional, ante os rumores de que ouro em Minas, agora, é de dar com o pé?

Se vem a baixa geral do ouro, no mundo, e torna antieconômico o projeto destinado a explorar a rediviva riqueza de Minas? Não seria melhor desentranhar esse ouro na surdina e vendê-lo aos poucos, sem dar na vista, como quem se desfaz, às ocultas, de joias de família quando a necessidade aperta?

Sei de muita gente que já não dorme pensando no ouro que poderia ter ganho no quintal, esgaravatando pedras, e que se dispõe a procurá-lo de todo jeito, pois se a companhia acha, por que eu não hei de achar também uma pepita ou o pó de uma pepita desintegrada, na limalha do meu terreiro? Ou haja ouro para todos ou reine também para os grandes a mesma ausência aurífera!

O sonho do ouro em pó agita-se de novo nas mentes mineiras. Ainda bem que este sopro de romantismo vem amenizar a insipidez da hora, e que uma promessa de ouro relativo distrai a gente do magro prognóstico de uma democracia relativa num ano novo igualmente muito relativo, ai de nós.

[Jornal do Brasil, 22 de dezembro de 1977. Hemeroteca da Casa de Ruy Barbosa-RJ]

Leia mais aqui: Drummond pede para a Vale deixar o ouro do Pontal para os garimpeiros de Itabira

E mais aqui Ainda pode chover ouro no Pontal? A Agência Nacional de Mineração quer saber. E Itabira também

Aqui E se ainda chover ouro em Itabira?

E também aqui: Garimpo, do ferro ao ouro em Itabira

E muito mais aqui Drummond e a mineração

 

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3 Comentários

  1. Caro Carlos, leio você cumprindo o propósito de informar à Itabira sobre os fatos e também vejo a indiferença do povo de Itabira à desgracia que a mineradora assassina promove na cidade, contra o povo. Itabira…. Se a metade da população tivesse um naquinho da clareza do poeta Drummond, ativista da Sociedade Inimiga do Progresso, Itabira seria uma grande cidade….

  2. eu cada vez mais acho Cristina Silveira genial.
    e ela desenvolveu uma capacidade de pesquisar que é para poucos.

    e ela tem razão também na afirmação de que se a metade dos irabiranos tivessem um naquinho da consciência e militância do poeta Carlos, Itabira seria outra.

    e digo mais, seria melhor que a aldeia que foi até os anos 1930, até os 1940 talvez.

    ah, Cristina, uma pergunta que você me fez há um tempinho, nem tanto, vou te responder já já. até porque parte da resposta vi na tv outro dia.

    beijos a todos
    e um clamor: irabiranos, leiam Carlos, o Drummond de Andrade, e leiam a revista do Carlos, o Cruz, esta Vila de Utopia.
    já seria um passo legal pra ir pra frente, que é pra onde se anda.

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