Drummond, amigo do Nordeste do Brasil
O poeta Marcus Accioly (1943-2017)
Drummond, amigo do Nordeste do Brasil é título de um artigo publicado no Diário de Pernambuco e não era caô. Era sentimento de fé camarada. Drummond, quando era mal dito por causa daquela pedra, no despeito dos imbecis também pesava o fato dele ser amigo dos nordestinos.
Carlos Drummond mantinha contato permanente com os nordestinos, havia entre eles cumplicidade na arte e companheirismo cultural.
Pediu mais de duas dezenas vezes e pra vários amigos para representá-lo em homenagens. Pedia a eles para pesquisar a sua origem pernambucana, e os leitores mandavam notícias pela seção de cartas.
Fundaram lá o Clube Drummondiano, sem nenhum intelectual ou acadêmico, mas com participação de homens simples, sensíveis e inteligentes. No Nordeste eles sabiam que Drummond era brasileiro, moreno como eles.
Da amizade entre o poeta e os nordestinos fez chegar ao Cometa Itabirano os artigos literários de Carlos Alberto de Azevedo, sociólogo e professor na universidade de Berlim e espalhador da literatura brasileira na Alemanha.
Marcus Accioly, o poeta, é caso de amizade especial com o poeta itabirano.
Em novembro de 1980 “realizou-se quarta-feira, na livraria José Olympio Editora (RJ), o lançamento coletivo dos seguintes livros: A Paixão Medida, de Carlos Drummond de Andrade, Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Ó (de) Itabira, de Marcus Accioly, Poemas do Reinado de Deus, de Dom Marcos Barbosa e Um Buquê de Alcachofras, de Maria Julieta de Andrade”.
O Diário de Pernambuco (29.10.1982) comemorou os 80 anos do poeta com uma página, um lugar de fala dos escritores de Pernambuco para o poeta.
A Vila de Utopia transcreve o que disse Marcus Accioly no artigo: Drummond, aos 80 anos, um poeta sempre atual, de Fernando d’Oliveira. E no final da página, transcreve a última parte do épico Ó de Itabira, que é uma deliciosa brincadeira poética com o nome Itabira (Cristina Silveira)
| Para o poeta Marcus Accioly, Drummond sempre o lembra Charles Chaplin. Não por fazer rir ou rir das coisas; mas por rir com as coisas. “Ele é um homem dos “Tempos Modernos”; um Carlitos a seu modo. É tímido, é íntimo, é integro”.
“Se encontrei-o dentro do acaso, também desencontrei-o dentro do encontro. Lançamos livros em uma mesma mesa. Fui seu autor (escrevi um livro de poemas – Ó(de) Itabira – sobre ele), seu representante, recebi, no Recife, uma medalha em seu nome – sou seu amigo”.
De Drummond, Marcus guarda algumas cartas, alguns bilhetes, algumas dedicatórias, a lembrança viva de alguns telefonemas.
“Mas tudo é nada diante do que eu tenho: a sua obra. Eu já conhecia Drummond antes de conhecer Carlos. Já sabia de uns tantos versos seus, de umas tantas palavras suas. Sempre remexi a cartola de folhas onde ele realiza sua mágica. Também li sua vida, infância, mocidade, idade madura. Como não seguir o seu exemplo?”
“Em nossos encontros, Drummond sempre me fez ter a sensação de que o poeta era eu e não ele. Sem dúvida, para me deixar mais à vontade diante dele (sem chamá-lo de senhor) de esquecer de Drummond e lembrar de Carlos. (Carlinhos, de Carlos, de Carlos Drummond e de Carlos Drummond de Andrade).
Nunca conversei com ele menos tempo do que esperava. Entre o cafezinho, servido por sua esposa, Dolores, e o uísque, que ele, às vezes, – indagando o por que não – oferece pela manhã, nossa conversa sempre ultrapassou o tempo previsto.
Segundo Marcus Accioly, jamais alguém tão grande lhe pareceu tão simples, tão modesto, tão sincero.
“Ele quase não é ele. Carlos quase não é Drummond. Sob a fala rápida, de quem pensa mais rápido ainda, embora mais para ouvir do que para falar, sua simpatia se ilumina de espírito, quando conversa em roda.”
“Aqui ou ali uma ponta de ironia se disfarça em brincadeira. E ele parece esquivo, inquieto e quieto, por dentro e por fora ao mesmo tempo. Carlos – como se diz hoje – é gente. Gente de sensibilidade à flor da pele; da pele da flor de um mundo que já não tem flor.
De Itabira, que, etimologicamente, significa pedra levantada, lembra, ainda Marcus Accioly, Drummond levantou entre parnasianos e modernistas – sua pedra e pôs “no meio do caminho” da nossa literatura.
“Hoje, para todos nós, seus discípulos, seus prováveis continuadores, já não há “uma pedra no meio do caminho”. O que existe, sim, é um caminho no meio da pedra”. |
No último canto – Ó Itabira/dor – de Ó(de) Itabira, Marcus Accioly disse de Drummond, em outra linguagem:
Ó Itabira/dor
Ô Itabira do itabirano
ô de Itabira (ó de Itabira) ode
de Itabira a Drummond e o
dom-do-mundo
itabiragens do Itabirense
itabirências do itabirante
itabirâncias do itabirado
Ô Itabira do Mato de Dentro
itabir um cão (itabirando
a lembrança) itabirar um rio
(itabirando a sombra) itabirar
o mato (itabirando a solidão)
Itabirar a infância (itabirando
o tempo) itabirar uma fazenda
(itabirando o espaço) itabirar
uma cidade (itabirando o sonho)
itabirar a pátria (itabirando
a esperança) itabirar a América
(itabirando o amor) itabirar
o continente-mundo ao sentimento
do coração quando Itabira
forte
(ó verbo itabirar como itabiras
o passado presente no futuro!)
Vida-Itabira-itabirando-a-morte.