Doutor Colombo, garrucheiro de Itabira do Mato Dentro

Parte 1 (Texto originalmente publicado neste site em 27 de maio de 2017)

Prestes a completar 96 anos em julho, doutor Colombo Portocarrero de Alvarenga esbanja vitalidade e alegria de viver. Segundo ele, para se ter uma vida longa saudável é aconselhável fazer exercícios físicos regulares, alimentar com parcimônia, procurando manter-se sempre com a cabeça tranquila.

Ilustração: Genin

“Ambicioso, eu nunca fui. Sempre fui paciente e calmo. E não tive inimigo, mesmo quando fui vereador. Tinha desafetos de ideias, nunca inimigos”, conta ele, exemplificando como algumas das condições essenciais de seu receituário de médico aposentado para se viver bem – e por longos anos. Colombo foi vereador em Itabira na legislatura de 1958-62 (leia mais aqui).

“Caminho por uma hora todos os dias, hoje só aqui no quintal de casa. A vida toda pratiquei esporte: natação, vôlei, futebol. A alimentação é a mais simples possível: arroz, feijão, uma verdura, um bife, ovo, leite, frutas. Como de tudo, mas nunca exagero.”

A consciência tranquila é também outro pré-requisito para se ter uma vida longa sem perturbações, é o que ele receita.

Agnóstico, como o seu pai Álvaro de Alvarenga, Colombo nunca seguiu uma religião, embora tenha sido batizado e crismado pela igreja Católica.

“A minha mãe (Haydée de Alvarenga) era muito religiosa. Já o meu pai (Álvaro de Alvarenga) nunca ligou para religião. E todos os seus filhos ficaram agnósticos, só Oswaldo depois virou espírita.” O fato de não ter religião nunca o incomodou – e nem se sentiu cobrado por isso. “Eu identifico Deus nas coisas boas. Se ele existir, estou em paz com ele.”

Futebol

Para manter o corpo fisicamente bem, a espinha ereta, o coração batendo tranquilo e a cabeça em paz, o médico itabirano aposentado, formado em 1947 pela Universidade de Minas Gerais, hoje Universidade Federal de Minas Gerais, recomenda mexer sempre o esqueleto.

Praticar esporte é a receita de doutor Colombo para uma vida saudável (fotos Carlos Cruz e acervo de família)

Na juventude, ele gostava de jogar futebol. Foi um meia-esquerda eficiente, como ele mesmo reconhece, jogando pelo Clube Atlético Itabirano. “Fiz ala com Chiquinho de Amaziles, que depois ficou conhecido como Chiquinho Alfaiate. Ele era ponta-esquerda e eu meia esquerda. Agora, craque mesmo foi Chiquitinho Rosa. Ele era como o Fred do Atlético, goleador”, compara, com saudade dos craques do glorioso Atlético Itabirano.

Naquele tempo, décadas de 1940/60, havia pelo menos três times de futebol na cidade: Atlético, Valério e Cauê eram os principais. A rivalidade era grande, mas sempre prevalecia o espírito esportivo.

“O povo da cidade era mais ligado ao Atlético, enquanto o Valério era dos operários da Vale. Já o Cauê era o clube de Olinto, Zé Tomé, Geraldão. Eles tinham um campo lá pro lado da estação antiga.” A paixão pelo Atlético Itabirano era tanta que Colombo acabou, por livre pressão dos amigos, presidente do clube (1960/66).

Colombo e Eny no carnaval de 1959

“Os bailes no Atlético eram bem animados”, relembra a sua mulher Eny Figueiredo de Alvarenga. “Tive que aumentar o número de mesas de 40 para 60. Quando abria a venda de ingressos, fazia fila”, complementa o ex-presidente do Atlético.

Naquele tempo, recorda Colombo, as pessoas da tradicional família itabirana não gostavam de trabalhar na Vale. “O povo da roça era que gostava. A gente era politicamente de oposição à Vale. Só em 1960, já com mais de 15 anos depois de formado, aceitei trabalhar no Hospital Carlos Chagas, que era da empresa. Eu me aposentei trabalhando lá.”

Como uma boa lembrança, Colombo recorda que naquele ano, a então estatal reajustou em 80% os salários de seus empregados. “Era por isso que ela não dava lucro. A Vale só passou a lucrar depois que foi privatizada por Fernando Henrique. Hoje é a terceira maior mineradora do mundo.”

Mas o ufanismo de nosso personagem com o neoliberalismo para por aí. “Itabira cresceu com a Vale, mas a cidade era mais tranquila antes dela. Tinha um clima melhor, quando havia menos de 20 mil habitantes.”

Vida boa na Cidadezinha Qualquer

Carnaval de 1979 no Atlético: Eura Lage, Colombo, Marília Meireles, Sônia Larica Magalhães

Foi uma juventude difícil, com o seu pai Álvaro de Alvarenga alternando momentos tranquilos e outros longos momentos passando por dificuldades financeiras (leia mais aqui).  Mas, mesmo assim, conta Colombo, foi um tempo feliz em Itabira do Mato Dentro.

“Cidade gostosa mesmo era a da minha infância e juventude. A gente tinha o que hoje já não existe, que é a liberdade de brincar na rua, de manja, jogar birosca (semente de uma árvore). Colocava uma caixa de fósforo e quem a derrubasse, pegava todas as biroscas dos competidores”, relembra o médico memorialista.

“O córrego da Penha descia limpinho, a gente pescava, nadava. Ali onde hoje é a escola estadual, havia um poço muito grande, as lavadeiras lavavam roupas, cantavam, era uma alegria contagiante”, descreve, sem se esquecer dos banhos na água morna do poço da Água Santa.

“Era um poço limpo, com o córrego Água Santa passando ao lado, também sem poluição. E mais acima tinha o Bicão”, acrescenta, salientando que naquele tempo as mulheres não usufruíam dessas águas limpas e cristalinas. “Coitadas, ficavam em casa. Quase não saiam”, lamenta. “Só iam à missa, ao footing no paredão e às vezes aos bailes.”

No tradicional footing, os rapazes ficavam encostados no paredão e as moças passavam de um lado para o outro. “Namoro era só no flerte, só no olho. Quando um casal aparecia de mãos dadas era porque havia ficado noivos.”

Colombo viu Itabira crescer com a Vale levando o Cauê. “Itabirano antigo, que não precisava da Vale, nunca gostou de perder o Cauê”, diz ele, ao lembrando que no tempo de chuva, as pessoas olhavam para o pico para ver se estava coberto ou descoberto pela neblina antes de sair para namorar. “A gente fazia piquenique  no Cauê, ficava lá o dia todo. O pico era muito respeitado por todos nós.”

Baile e cinema

Baile era no Atlético. Funcionava num sobrado da rua Tiradentes, onde depois virou Câmara Municipal, em frente onde hoje é o Banco do Brasil. E que sucumbiu com um incêndio no fim dos anos 60. “Eu gostava de dançar, mas o Dalvo e o Alvito (seu irmãos) é que eram pés de valsa”

Eny e Colombo com debutantes, em 1967

A família morava no centro, bem pertinho do clube. “Era só a gente ouvir o “Aleguá, que corria todo mundo para a hora dançante. ” E cantarola o famoso jargão do hino do clube: “ô aleguá, aleguá, o clube atleticano itabirano…”

Para conseguir uma dama para dançar era uma dificuldade. É que as moças ficavam de um lado do salão e os rapazes do outro. “A gente piscava o olho e ia chamar para dançar. E muitas vezes quebrava a cara. Ela respondia. ‘Não posso. Já estou comprometida”, ironiza. Os bailes começavam às 20h e terminavam à meia-noite em ponto.

O cinema era outra diversão e atração cultural. Segundo recorda Colombo, funcionava no primeiro andar do Atlético, debaixo do salão de festas. “Joaquim ‘Caminhão’ era quem trazia as fitas de Santa Bárbara”, busca o entrevistado no fundo da memória.

No meio do filme, tinha que trocar as fitas. Era quando a orquestra, que acompanhava o cinema mudo, mais brilhava entrando em cena com os seus acordes dobrados.

“Os músicos eram o Zé Figueiredo, tio de Eny, Naná, Totoque. João Amâncio tocava clarineta, Silvério, também tocava clarineta. Naná tocava violino, que era o instrumento que as mulheres mais gostavam de tocar. Ninico Amâncio tocava violoncelo”, recorda Colombo.

Fim da primeira parte

Aguarde novas revelações da vida de doutor Colombo no próximo sábado, aqui neste site:

– Falência e crise do café, o Estado Novo e a oposição a Getúlio em Itabira

– Trajano Procópio, Alfredo Sampaio e o Ginásio Sul-Americano

– Como era a medicina em Itabira e como é hoje

– Política na Cidadezinha Qualquer. De doutor Mauro de Alvarenga, passando por Luiz Brandão, Daniel Grisolia, Jairo Magalhães, Ronaldo Magalhães. Quem foi o melhor prefeito de Itabira? Doutor Colombo responde isso e muito mais na edição de sexta-feira. Aguarde.

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