Do cuscuz ao fubá suado

Mauro Andrade Moura

Prato típico do Brasil, principalmente em seu interior, Itabira e região sempre mantiveram essa tradição da feitura do fubá suado.

As navegações portuguesas tanto trouxeram quanto levaram, não só as riquezas, mas também a boa mistura da cultura de todo o mundo navegado. E, dessa cultura, temos a culinária sempre viva.

Na Europa, nos princípios da Idade Moderna, havia um sério problema de fornecimento de alimentos, isso porque as áreas agrícolas praticamente viviam da monocultura ou no muito, do cultivo trigo/cevada/aveia. E com essa monocultura surgiram os nematoides, o que ocasionou perdas na produção agrícola.

Chegando nas Américas, os ibéricos se surpreendem e inicialmente encontram algo dourado que foi a primeira valia deles. Era o milho, cereal desconhecido dos europeus que quando plantado na Europa quebrou o ciclo dos nematoides. E, assim, revigorou a agricultura naquele continente.

Os índios tinham a maneira deles de consumirem o milho, obviamente que processado de forma rudimentar e manual. Para aprimorar o seu aproveitamento, os portugueses trouxeram para o Brasil o sistema de moinhos d´água, que é medieval e lá ainda é utilizado em alguns lugares para moer grãos de trigos ou cevada e também de milho. Podendo ser também com moinhos de vento, sendo o sistema de engrenagens praticamente o mesmo e com pedras de mó.

Nas antigas fazendas mineiras tinha sempre uma engenhoca dessa ao bem servir. Como o milho é moído mais lentamente no moinho d´água, então ele esquenta menos que no moinho a motor que gira muito mais rápido, além de ficar um pouco mais grosso. Daí a substancial diferença do fubá de moinho d´água para o fubá mimoso. Portanto mais apropriado à feitura do fubá suado.

Nessa transcendental mistura de culturas promovida pelas grandes navegações, o fubá suado foi uma adaptação que os mineiros fizeram ao cuscuz. A essa conclusão cheguei quando passei uma longa temporada em Cabo Verde, no noroeste d´África.

Em leitura e reflexão do artigo “Os sabores do al-Andalus”, da Revista de História da Biblioteca Nacional, de Outubro de 2011 – ano 7 – nº 73, comprova essa minha simplória conclusão. Está escrito em um trecho:

“Tido como a forma mais apreciada pelos norte-africanos de conservar, preparar e cozinhar seus cereais, o cuscuz é consumido até hoje em todo o norte da África, na Sicília, na Síria, na Palestina e, surpreendentemente, no Brasil, onde é feito com farinha de milho.

 A história desta iguaria ainda é obscura. Há quem diga que seu consumo teve início na época do rei berbere Massinissa (241/23-148 a.C.), por terem sido descobertas supostas cuscuzeiras em algumas sepulturas no norte da África. Mas esta afirmação é bastante questionável, pois o que realmente foi encontrado se parece mais com um tipo de coador ou escorredor. O silêncio sobre o cuscuz nas fontes anteriores ao século XIII sugere que ele apareceu entre os berberes do norte da Argélia e no Marrocos, entre o colapso da dinastia Zirida, no século XI, e o triunfo dos Almôadas, no século XIII.

 As cuscuzeiras mais antigas encontradas em assentamentos no al-Andalus datam de meados do século XIII. Nas regiões de Vera, Múrcia, Maiorca e no Castillejo de Los Guájares, em Granada, foram descobertas panelas perfuradas, que correspondem às referências ao cuscuz feitas nos dois manuscritos culinários do século XIII. A análise desses documentos e os estudos arqueológicos comprovam a introdução e o consumo do alimento na Península Ibérica durante essa época.

Enfim, o cuscuz em Cabo Verde hoje em dia também é feito com farinha de milho, considerando sempre que este cereal, oriundo das Américas, também para lá foi levado e bem acolhido por aquele povo.

Pela falta de variedade de cereais no Brasil colonial, além da dificuldade de encontrar os utensílios necessários para a confecção nas panelas de cuscuz (em duas partes e furos no meio para passar o vapor), foi encontrada a maneira de utilizar tachos para cozer a farinha de milho e assim fazer o saboroso fubá suado. O mesmo pode ser acompanhado por diversas opções, principalmente carnes desfiadas, o que dá a impressão de ser uma farofa.

O fazer do fubá suado encontra-se devidamente registrado como Patrimônio Imaterial no Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Artístico de Itabira (Conphai). Para o seu efetivo reconhecimento, resta somente o decreto-lei do prefeito municipal de Itabira. Que assim se cumpra, senhor prefeito Ronaldo Magalhães. E seja efetivado.

E bom apetite!

 

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2 Comentários

  1. Boa tarde!
    Coincidência ou não estava transcrevendo o documento que conta da proibição do funcionamento de moinhos de fubá, devido ao alto índice de mortalidade entre os escravos. Eles trabalhavam em contato direto com a água e sob forte sol e isso acarretava doenças pulmonares. Houve então o decreto da Câmara de Vila Rica proibindo o funcionamento desses moinhos.
    Muito bacana.
    Obrigado pelas preciosas informações,
    Ângela

    1. Olá, Ângela.

      Na minha inocência nunca imaginei que poderia ter acontecido isto da mortalidade com os escravos.
      Creio que algumas fazendas tinham mais moinhos e processava mais milho para fornecer o fubá nas minas.

      Agradeço pela leitura de sempre.

      Abraços e pretendo passar um dia desses em Ouro Preto,
      Mauro

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